Bebianno vê risco de Bolsonaro ‘baixar’ ditadura
Foto: Walterson Rosa/Folhapress
O último capítulo do confronto entre bolsonaristas e bivaristas dentro do PSL deixa perplexo até quem conhece bem a legenda por dentro. Gustavo Bebianno, ex-ministro de Jair Bolsonaro e ex-presidente do partido, acha inaceitável a ameaça feita pelo deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) contra os colegas. “Alerto sobre a tentativa de cassação do meu mandato”, escreveu Silveira no grupo de WhatsApp da bancada, segundo revelou O Globo. “Tenho muita coisa para foder o parlamento inteiro”.
O deputado foi o mesmo que gravou os próprios correligionários na reunião em que o líder na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), disse que ia implodir o presidente e o chamou de “vagabundo”. ” Onde é que isso vai parar? Se ele não for punido vai parecer que intimidou todo mundo”, acredita Bebianno.
Em entrevista à coluna, o ex-ministro avalia que o principal responsável pela confusão dentro do partido é o presidente Jair Bolsonaro, que não assume o papel de coordenação que deveria ter. A predileção pelo filho Eduardo (que Bebianno chama de vaidoso e egocênrico) em detrimento dos outros parlamentares da legenda é vista como injusta por quem é preterido.
Diante da enorme confusão partidária, ele diz temer pela democracia brasileira, já que recentemente personagens que integram o núcleo duro do bolsonarismo se manifestaram a favor da reedição do AI-5. O ex-ministro teme que esse desprezo pelo jogo partidário indique um estilo de política ainda mais personalista. “Isso costuma não terminar bem”, avalia.
UOL – Como o sr. vê o mais recente episódio da briga dentro do PSL, as ameaças do deputado Daniel Silveira para que não tenha o mandato cassado?
Gustavo Bebianno – O que a gente está vendo causa perplexidade gigantesca. Não é porque vem de um deputado. Em nenhum grupo, em nenhum meio, é ético você gravar os seus colegas. Isso aconteceu em uma reunião acalorada, em que as pessoas estavam magoadas, se sentindo traídas. Daquele grupo que estão acusando de traidores só tem os que foram traídos. Em uma reunião como aquela, de acordo com a personalidade, cada um reage de uma forma. Alguns têm reação um pouco mais enfática, virulenta. Aí vem um deputado e grava? Esse episódio causa mais perplexidade, mostra que a falta de liderança desse grupo resulta nisso .Como é que esse deputado vai conviver agora com seus colegas. Esses outros parlamentares também vão se entreolhar e perguntar: “Será que alguém aqui está me gravando? Naquela reunião que eu desabafei será que gravaram?”Mas ele agora se obriga a falar o que sabe.
Logo em seguida o deputado disse que “foi coisa de momento” e não sabe nada grave.
Agora ele botou uma faca no pescoço do partido e do próprio Parlamento. No lugar de arrefecer os ânimos, produziu mais uma bravata, mais uma agressão. Onde é que isso vai parar? Se ele não for punido vai parecer que intimidou todo mundo.
O sr. ajudou a estruturar o partido. Qual é, afinal, o motivo de tanta desagregação?
Em nenhum momento da história política brasileira houve um caso de crescimento tão contundente de um partido de uma hora para a outra. Toda legenda pequena cresce vagarosamente em cima do trabalho de um grupo de pessoas. Isso demanda tempo. Pela primeira vez na história vimos um partido nanico, que contava com dois deputados federais apenas, nenhum senador e nenhum governador saltar para 52 deputados mais 4 senadores. Essa explosão se deu por causa de um homem chamado Jair Bolsonaro. Foi em cima do nome Bolsonaro que aconteceu esse fenômeno único na história política brasileira.
Isso foi muito bom para o presidente, mas trouxe uma série de ônus. Quando um casal decide ter filhos ou quando uma pessoa decide adotar uma criança assume responsabilidade por cuidar daquela criança. O PSL é um menino que cresceu talvez de forma prematura. A responsabilidade única pelo controle do partido é do presidente. Ele criou esse filho e tinha a obrigação de cuidar, embalar, dar de comer, orientar, educar. A criançada está botando fogo na casa e ele está fingindo que não é com ele.
Um partido que cresce aos poucos consolida sua personalidade. O PSL são 52 deputados e quatro senadores que nunca tinham conversado entre si. Apenas pegaram a bandeira de Bolsonaro e foram eleitos. É como um time de futebol sem um técnico para imprimir uma tática. Eu alertei pessoalmente o presidente sobre isso ao longo de todo o mês de janeiro, para que ele assumisse a paternidade por esses filhos, todos que foram colocados ali por ele. Sugeri que fizesse seminários, encontros semanais, discussões periódicas com a participação ativa do presidente exercendo sua liderança.
Qual o principal erro do “pai” Bolsonaro em relação aos “filhos”, na sua opinião?
Para ter moral, você tem que ser justo. Ali no PSL, por essa imagem que eu usei, todos são “filhos” do Jair. Ele não pode escolher um filho, no caso o Eduardo, e privilegiar esse filho em detrimento dos demais. O Eduardo não é líder de coisa nenhuma. Liderança não é uma coisa impositiva, liderança se conquista pela personalidade. Tem muita gente que pode fazer qualquer esforço, vai morrer e não será líder. Me parece que esse é o caso do Eduardo. Ele quer ser líder porque é filho do presidente da República.
Mas recentemente Eduardo Bolsonaro disse que não queria ser o líder do partido.
Eduardo é muito vaidoso e egocêntrico. Não tem nenhuma cerimônia em passar por cima de quem quer que seja para brilhar. Agora ele se manifestou publicamente dando uma de humilde, dizendo “Eu não quero ser o líder…” Ele quer, sim, ser o líder. Tem um episódio que ilustra isso. No início do ano, quando começou a composição partidária, o Eduardo se antecipou, fez uma reunião com o pessoal do PSL e anunciou que seria o líder. Não consultou, levou o assunto como se fosse questão fechada. Só não contava com a reação de todos que não aceitaram que ele assumisse a liderança. Disseram que tudo deveria ser negociado. Ele achou que ganharia no grito, mas quando viu que a carteirada dele não deu certo, foi murchando e, lá pelas tantas, disse: “Poxa, gente… mas eu sou filho do presidente. Vai pegar mal se não for eu…”
Disse isso numa reunião na sala do PSL, na Câmara dos Deputados, e ficou patético. Os deputados do partido passaram a fazer chacota com o nome dele. Quando Eduardo viu que não ia rolar, porque o nome dele foi rejeitado, entrou na manobra para escolher o Delegado Waldir. Que serviu até surgir o primeiro pontinho de discordância. Porque os filhos do Jair são assim: numa escala de zero a 100, você pode concordar com 99,9%. Se você discordar um pouquinho é o suficiente para eles acabarem com você.
Tem como prever as consequências dessa briga?
O que mais me preocupa nessa história toda é o que está por trás disso, o que mais me preocupa é a democracia brasileira. Quando eu vejo o núcleo duro do presidente da República defendendo o AI-5 e flertando com rupturas institucionais, me causa preocupação. Soma-se a isso o fato de o presidente desprezar o seu próprio partido. Jair é perfeitamente ciente do funcionamento do Congresso. O ponto de interrogação para mim é o seguinte: sabendo como funciona o jogo democrático, por qual motivo Jair despreza elementos tão fundamentais como a própria legenda? Isso me causa preocupação, não faz sentido. Parece que ele joga para uma política ainda mais personalista. Isso costuma não terminar bem.
Aí vem a questão: ou ele está cavando o próprio impeachment ou ele concorda com seu núcleo duro como o sr. Felipe Martins , que é a favor de uma ruptura institucional. O presidente precisa se manifestar claramente, porque o Brasil não consegue entender qual é o jogo. Para alguém que quer governar dentro das regras do jogo democrático não faz sentido isso tudo que a gente está assistindo.