Bolsonaristas manobram para melar CPI das fake news
O Senado encurtou a CPMI das Fake News em 79 dias (44% do total), medida que passou despercebida por parlamentares da comissão e a deixou com somente dois meses de trabalho pela frente.
Pelo texto do requerimento aprovado pelo Senado, a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) tinha direito a 180 dias de trabalho. O Diário do Congresso Nacional e a Ordem do Dia eletrônica, porém, registram que a investigação deverá acabar no dia 23 de dezembro, com apenas 101 dias de atuação.
A relatora da CPMI, Lídice da Mata (PSB-BA), disse que já pediu ao presidente da comissão, senador Angelo Coronel (PSD-BA), que tome providências junto ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para a restauração do “prazo correto”. A data de encerramento foi definida pela administração da Casa, e não pelo comando da CPMI.
“Considero que está havendo um engano. É uma interpretação danosa que está sendo feita e não sei qual é a intenção disso”, disse Lídice.
A CPMI foi designada em 21 de agosto e instalada em 4 de setembro com os votos de senadores e deputados federais. Ela é formada por 32 parlamentares titulares e 32 suplentes.
Considerando a interrupção de prazo em virtude do recesso parlamentar de final de ano, a CPMI deveria acabar no dia 19 de abril de 2020.
Se os trabalhos acabassem em dezembro e se fosse mantido o ritmo atual, a comissão teria pela frente somente sete reuniões. Ela realizou apenas seis reuniões nos últimos 52 dias, desde que foi instalada. Até o momento, ela não quebrou nenhum sigilo bancário, fiscal ou telefônico de nenhum investigado. Tomou os depoimentos de apenas três convidados, nenhum sob investigação.
Para encurtar os trabalhos da CPMI, o Senado interpretou um trecho do regimento interno da Casa que prevê que as comissões temporárias se extinguem “ao término da sessão legislativa ordinária”.
No mesmo artigo, porém, está dito que a comissão parlamentar de inquérito, “em qualquer hipótese, não poderá ultrapassar o período da legislatura em que for criada”. A atual legislatura só acabará em fevereiro de 2023.
A decisão de reduzir o prazo sob o mesmo argumento não se repetiu em diversas outras CPIs nos últimos anos no Senado, mistas ou não, que começaram em um ano e terminaram em outro. A CPMI dos Correios, por exemplo, foi instalada em junho de 2005 e prorrogada em abril de 2006; a CPI da Espionagem funcionou de setembro de 2013 a abril de 2014.
Encurtar o prazo aprovado de uma CPI mista tem precedentes —a CPI da JBS, por exemplo, tinha 120 dias de trabalho, mas acabou um mês antes, em dezembro de 2017.
O encurtamento da CPMI das Fake News interessa ao presidente Jair Bolsonaro e a seus aliados no PSL. Nesta semana, essa ala da sigla adotou uma nova estratégia admitida em público, que é obstruir e atolar de trabalho a CPMI com requerimentos. A “tropa de choque” do partido na CMPI inclui os irmãos Eduardo, suplente, e Flávio Bolsonaro, titular, ambos do PSL.
Eduardo passou a desqualificar a comissão e a atacar na própria sessão do grupo. “Já se perdeu totalmente o propósito dessa CPI”, disse o deputado no dia 23.
A deputada Caroline de Toni (PSL-SC) reconheceu a estratégia. “Estamos muitas vezes obstruindo essa comissão, mas é importante que o povo brasileiro saiba o que está acontecendo nessa CPI e saiba que isso aqui é uma tentativa de controlar a mídia e de cercear a voz do povo brasileiro. Nós não admitiremos que isso aconteça.”
Procurada pela Folha nesta sexta-feira (25), a assessoria de imprensa do Senado orientou a reportagem a procurar a Coceti (Coordenação de Comissões Especiais, Temporárias e Parlamentares de Inquérito) da Casa. Por email, ela informou que “cuida da organização e funcionamento das reuniões das CPIs, sendo a contagem do prazo final de funcionamento realizada pela Secretaria Legislativa do Congresso Nacional”.
A coordenação antecipou que “o dispositivo que trata da questão é o artigo 76 do regimento interno do Senado”.