Católicos bolsonaristas veem comunismo em sínodo sobre Amazônia

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Foto: Arquivo | Ag. Reuters

Alinhados a Bolsonaro, eles lutam contra o que consideram a ‘esquerdização’ da igreja no encontro. Para alas direitistas da Igreja Católica, poderia servir também de dica para a infiltração comunista no Vaticano, e o Sínodo da Amazônia nada mais seria do que uma peça desse quebra-cabeça marxista.

O encontro entre pontífice e bispos da região amazônica, que começou no último domingo (6) e se estende até o fim deste mês, teria como meta espalhar a “utopia comunotribalista pela qual uma minoria de antropólogos neomarxistas pretende manter nossos irmãos indígenas no subdesenvolvimento, confinando-os num gueto étnico-cultural, verdadeiros ‘zoológicos humanos'”.

Esse trecho consta num abaixo-assinado proposto pelo IPCO (Instituto Plínio Corrêa de Oliveira), entidade que traz no nome o fundador da ultraconservadora organização católica TFP (Tradição, Família e Propriedade).

Foi esse texto que deu a tônica de uma conferência que reuniu cerca de 200 pessoas no hotel Quirinale, em Roma, no fim de semana de estreia do sínodo.

Falavam ali vozes que por anos habitaram as franjas do catolicismo brasileiro, mas que agora ganham projeção, em boa parte por causa da simpatia que lhes tem a família Bolsonaro.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), por exemplo, participou em maio de um evento promovido pelo IPCO, conhecido pelas intervenções de seu grupo jovem, que levava sua fanfarra às ruas para combater a descriminalização do aborto e outras causas progressistas.

Pois a causa agora é lutar contra o que percebem como esquerdização da Igreja Católica. Para tanto, contaram com palestras de Bernardo Küster, youtuber católico e dono de um dos 389 perfis seguidos pelo presidente Jair Bolsonaro no Twitter, Bertrand de Orleans e Bragança, herdeiro da família real brasileira e autor de “Psicose Ambientalista”, e Jonas Marcolino, da etnia macuxi, um porta-voz dos indígenas de direita.

Também palestrou o meteorologista e professor da Universidade Federal de Alagoas Luiz Carlos Molion. Coqueluche dos negacionistas da crise climática, ele sustentou no hotel romano que “tudo o que se diz sobre a Amazônia é balela”.

Assim relatou à Folha o chileno José Antonio Ureta, líder da “pró-vida e pró-família” Fundación Romana e articulista do IPCO. Para ele, a conferência se prestou a “balançar um pouco reportagens excessivamente parciais, mostrando que há vozes dissonantes”, na Igreja, sobre a serventia do evento convocado pelo papa Francisco.

“Cantávamos fora do coro, e quem canta fora do tom parece estridente.” Ureta reproduz uma ideia recorrente entre grupos conservadores, católicos ou não: a mídia seria massivamente de esquerda e acobertaria as reais intenções do encontro do bispado.

Daí a necessidade de nadar contra a corrente, o que Bertrand fez muito bem ao dizer que “o caráter muito doce e afetuoso do brasileiro vinha da caridade cristã”, afirma Ureta.

O chileno mesmo deu seus pitacos, ao defender que a Teologia da Libertação, movimento latino-americano que clama por mudança social, “pregava o ódio das raças, colocava indígenas contra brancos e fazendeiros”.

Um artigo no site do IPCO resume a crítica contra o sínodo: seu objetivo seria “pregar a fossilização dos índios em seus costumes tribais” e “ir contra o mandato de Nosso Senhor: ‘Ide, e evangelizai todos os povos'”. Isso acontecerá, segundo o texto, caso a igreja ceda a “ritos pagãos” para se aproximar dos indígenas.

O sinal vermelho acendeu com a fala de abertura do papa Francisco no sínodo: ele disse que a ação pastoral deve se esquivar de “colonizações ideológicas” e lembrou que, em sua Argentina natal, “um lema ‘civilização e barbárie’ serviu para dividir, aniquilar”.

Se Francisco é visto com ressalvas, o que dizer de dom Cláudio Hummes, o brasileiro que preside a Repam (Rede Eclesial Pan-Amazônica) e é um dos cardeais mais próximos do pontífice e amigo também do ex-presidente Lula? O youtuber Bernardo Küster o tem na mira há tempos, e antes de embarcar para Roma postou uma foto em que dom Cláudio posava com membros do MST.

“Não se trata de tomar partido”, ele diz à reportagem. “Mas de trabalhar para que não haja excessos, distorções e perversões da fé católica de 2.000 anos.”

Possibilidades aventadas para responder à crônica escassez de padres na região amazônica são vistas com descrença por Küster. Questiona: que papo é esse de deixar mulheres serem diaconisas ou ordenar clérigos casados? Isso seria “colocar remendo velho em pano novo, o rasgo fica maior”, afirma. “E mais: o papa já se mostrou indisposto em várias ocasiões a não abrir essa exceção para a Amazônia.”

Embora o Vaticano dê sinais de que essas cartas estão na mesa, o papa já declarou que a proibição de mulheres se tornarem padres (o que seria um passo além da função do diácono) é irremovível, por exemplo.

Para o paranense Küster, o sínodo não pode deturpar o papel que ele atribui à igreja: “Ela está aqui, em primeiro lugar, para evangelizar e converter a todos para Deus. As obras sociais devem se centrar nesse objetivo primordial de conversão. Perdendo isso, a igreja vira apenas uma ONG de assistência social.”

Nas redes sociais, o influenciador católico usou uma frase associada a um santo que viveu no século 4 para responder àqueles que “acham que pego pesado com padres, bispos e religiosos”.

Aconselhou: “Leiam só São João Crisóstomo: ‘O caminho para o inferno está pavimentado com ossos de padres e monges, e os crânios dos bispos são postes que iluminam o caminho’.”

O que é – O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas. Convocado e presidido pelo papa, discute temas gerais da Igreja Católica (como juventude, em 2018), extraordinários (considerados urgentes) e especiais (sobre uma região). Instituído em 1965, acontece neste ano pela 16ª vez

Especial Amazônia – Anunciado em 2017, o Sínodo da Amazônia trata de assuntos comuns aos nove países do bioma, organizados em dois eixos: pastoral católica e ambiental

Para que serve – É um mecanismo de consulta do papa. Os convocados debatem e fornecem material para que ele dê diretrizes ao clero, expressas em um documento chamado exortação apostólica. As últimas duas exortações pós-sinodais foram publicadas cerca de cinco meses depois de cada assembleia

Quem participa – O Sínodo da Amazônia reúne 185 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes), sendo 57 brasileiros. Além dos bispos da região, há convidados de outros países e de congregações religiosas. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas –no total, há 35 mulheres. O papa costuma presidir todas as sessões

Folha