Janot não estava em Brasília no dia que diz ter ido armado ao STF
O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot disse, em entrevista à revista Veja, que no dia 11 de maio de 2017 entrou armado no Supremo Tribunal Federal (STF) com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes e depois cometer o suicídio. Como o “dedo indicador ficou paralisado”, disse à Folha de S.Paulo, o crime não foi cometido, e, então acionou seu secretário-executivo para que convocasse Bonifácio de Andrada, o vice-PGR, para que assumisse a cadeira na sessão plenária do Supremo. Contudo, há alguns pontos problemáticos nesta narrativa.
A começar pelo fato de Janot ter viajado no dia anterior para Belo Horizonte, pela manhã, e voltado de Minas Gerais apenas na segunda-feira, dia 15 de maio. Janot tinha compromissos institucionais na Procuradoria da República e na Procuradoria Regional da República e, na sexta-feira, fez uma palestra na Universidade Federal de Minas Gerais, onde se formou.
E a Força Aérea Brasileira confirma que, no dia 10 de maio de 2017, houve “apoio aéreo determinado pelo Ministério da Defesa, por meio de ofício, datado de 04 de maio de 2017 em favor do procurador-geral da República para cumprimento de compromisso oficial, em que foi usada uma aeronave da Força Aérea Brasileira”.
Há outro problema: já no dia 10 de maio, como mostram as atas das sessões do Supremo, Bonifácio de Andrada representava a Procuradoria-Geral da República no plenário do Supremo. Portanto, no dia 11, era mesmo Bonifácio que iria como representante do Ministério Público Federal para a sessão.
Janot contava a versão de que teve vontade de matar Gilmar Mendes quando o ministro do Supremo rebateu a tese levantada pelo PGR de que ele seria suspeito para decidir um recurso do empresário Eike Batista. Mendes afirmava que se ele, ministro, era suspeito para julgar o caso, Janot também seria suspeito para a Lava Jato porque a filha do PGR advogava para a OAS, uma das empreiteiras investigadas na operação.
Mas, para todos, relatava a versão como um mero arroubo, logo abandonado diante do “deixa disso” dos colegas da Procuradoria. Para alguns, afirmava ter revelado em voz alta o desejo de praticar o crime. E disse que fora Bonifácio de Andrada quem o tirou a ideia da cabeça. Janot descrevia a história, portanto, como um destempero momentâneo.
Era esta a versão que compartilhava com seus assessores mais próximos dos tempos de PGR. Nenhum deles nunca tinha ouvido esta narrativa paralela. Contudo, o Salão Branco do Supremo é vigiado por seguranças do tribunal e por câmeras. Qualquer movimento estranho pode ser flagrado. Mas Janot disse que todos os movimentos – sacar a pistola, trocá-la de mão e parar com o dedo no gatilho – foram feitos sob a toga, o que impediria que quem estivesse de longe visse algo suspeito.
A desconfiança de ministros em relação à história é tal que, ontem, antes de iniciada a sessão de Turma, um ministro demonstrava para dois capinhas a impossibilidade de isso ter ocorrido, simulando os movimentos que Janot disse ter feito. Ou seja, são poucos no Supremo que acreditam na versão de que Janot teria transformado em ação o seu arroubo.
As entrevistas concedidas pelo ex-PGR motivaram a ação da Polícia Federal no seu apartamento – uma busca e apreensão em que foram levadas a pistola, munição, tablet e aparelho celular. A decisão pela busca, dois anos e meio depois do que seria um fato, na versão de Janot, partiu do ministro Alexandre de Moraes no inquérito aberto de ofício pelo próprio STF e sem fiscalização do Ministério Público.
A investigação poderá, facilmente, mostrar que o relato de Janot – como dizem ex-assessores e amigos – tem lapsos. O ex-procurador, em entrevista ao JOTA, no dia da operação da PF, apontou que haveria uma única testemunha de todos esses fatos. Mais um problema na versão: alguém acredita que um assessor assistiria passivamente a uma tentativa de homicídio no Supremo e permaneceria silente? Ainda mais sendo um servidor do próprio STF cedido à Procuradoria.
Nem essa suposta testemunha, nem nenhum assessor de Janot confirmará essa versão. Ao contrário, todos negarão. Para muitos, a versão é um wishful thinking. Janot pensou em praticar um ato de violência e passou a acreditar que do mero desejo passou à prática.
Janot não matou Gilmar Mendes, nem foi armado ao tribunal quando disse ter ido. Mas, uma parte da sua versão, figurativamente, condiz com a realidade: Janot cometeu um suicídio profissional e prejudicou, com sua história, a Lava Jato, o Ministério Público e seus ex-assessores.
Do Jota