Lula quer esperar STF declarar suspeição de Moro

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Foto: reprodução

Enquanto aguarda julgamento pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sobre pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai travar um embate sobre a reivindicação do petista de não aceitar o uso da tornozeleira eletrônica como condição para a progressão do seu regime de prisão do fechado para o semiaberto.

Na última sexta-feira (27), como antecipou a Folha, procuradores da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba pediram à Justiça que Lula seja beneficiado com o regime semiaberto, já que ele cumpre requisitos para isso, como ter cumprido mais de um sexto da pena e é considerado um preso de bom comportamento.

A decisão sobre a progressão será tomada pela juíza federal Carolina Lebbos, responsável por acompanhar a execução da pena do ex-presidente. Em outros casos da Lava Jato, a juíza determinou que os condenados usassem tornozeleira eletrônica para obter esse benefício.

Nesta segunda-feira (30), porém, Lula divulgou uma carta na qual sinaliza que não aceitará o benefício. “Não troco minha dignidade pela minha liberdade”, afirmou. “Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade”, escreveu o ex-presidente.

A juíza publicou um despacho nesta segunda em que pede a certidão de conduta carcerária de Lula. O próximo passo é a manifestação da defesa do ex-presidente, que terá cinco dias para isso.

É nesta manifestação que os advogados do petista vão argumentar que o uso da tornozeleira fere a dignidade do ex-presidente e que ele não seria obrigado a aceitar tal condição para deixar o regime fechado de prisão.

“Na minha visão o Lula tem o direito de recusar a usar tornozeleira, por exemplo. Ele pode até não progredir [para o regime semiaberto], mas o Estado não pode obrigá-lo a usar algo que ele considera altamente negativo para a dignidade dele”, diz Cristiano Zanin, que comanda a defesa do petista. “Sei que haverá muito debate, porque a situação é inédita.”

O uso da tornozeleira como condição para a progressão de regime não está descrito na lei, assim como não é previsto o regime semiaberto em domicílio.

Essa modalidade de cumprimento de pena em regime semiaberto domiciliar é uma adaptação feita por decisão judicial para que presos possam progredir de regime mesmo quando não há vagas em estabelecimentos preparados para o cumprimento do regime semiaberto convencional, como em colônias penais agrícolas, por exemplo.

Apesar do histórico de decisão pela vinculação da tornozeleira à concessão da progressão de regime, a juíza Carolina Lebbos pode optar por não fazer esta exigência. Neste caso, sem a obrigatoriedade do uso da tornozeleira, a defesa de Lula entende que a decisão judicial deveria ser cumprida.

“Na minha visão o estado pode obrigar o jurisdicionado a progredir de regime”, diz Zanin. “Mas, se impuser qualquer condição, o jurisdicionado pode discordar, por exemplo, por entender que é incompatível com a sua honra subjetiva ou com a sua dignidade.”

“Do ponto de vista jurídico, teremos maior força nos nossos argumentos para implementar essa decisão do ex-presidente se houver a fixação de qualquer condição para a eventual progressão”, diz Zanin.

Como mostrou a Folha nesta terça-feira (1), ​​os​ procuradores da Lava Jato mudaram seu comportamento habitual na operação ao tomar a iniciativa de pedir a progressão de regime para o ex-presidente.

Além de ser atípico a Procuradoria se manifestar em relação a essa hipótese antes mesmo da defesa, a força-tarefa de Curitiba, no caso do petista, abriu a possibilidade de saída da cadeia mesmo sem o pagamento neste momento da reparação de danos a cofres públicos —decorrentes do crime de corrupção e lavagem no caso do tríplex de Guarujá (SP).

Essa flexibilidade da Lava Jato em relação ao pagamento da reparação de danos aos cofres públicos não aconteceu em relação a outros presos da operação, que questionam em várias instâncias da Justiça a obrigatoriedade de quitar essa pendência para só então poder progredir de regime.

A defesa de Lula diz ainda que seja qual for o entendimento de Carolina Lebbos sobre a tornozeleira há uma decisão do ex-presidente de só sair da cadeia após uma decisão de anulação ou absolvição em seu processo, o que abriria brecha para a judicialização do caso da progressão de regime em outras instâncias da Justiça.

“A posição do ex-presidente é de que ele só sai de lá com o processo anulado ou a inocência reconhecida diante do caráter ilegítimo do processo”, diz Zanin. “Mas ainda precisamos fazer, a partir da posição do ex-presidente, uma reflexão sobre todas as possibilidades e caminhos jurídicos para atendê-la. Para isso temos o prazo assegurado pela lei.”

“O ex-presidente Lula quer muito sair daquela sala, onde está preso injustamente há 542 dias, muitas vezes em situação de isolamento”, diz o advogado. “Mas ele não quer sair de lá da forma como os procuradores desejam, pois o que eles querem, em verdade, é impor uma nova humilhação ao ex-presidente, forçando-o a usar equipamentos que ele considera ofensivos à sua dignidade, além de expô-lo a situações de risco à sua integridade física”, diz Zanin.

A manifestação da Lava Jato e a resistência do ex-presidente ocorrem às vésperas de julgamentos do Supremo Tribunal Federal que podem ter desdobramentos em sua condição.

Um dos advogados que esteve com Lula nesta segunda considera que a saída do petista será inevitável e que a manifestação da força-tarefa de Curitiba visa se adiantar para evitar um protagonismo do STF.

Nesta segunda, a defesa do ex-presidente pediu ao Supremo que a ação que questiona a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, seja julgada com urgência pela Segunda Turma. Se a corte julgar que houve parcialidade, a condenação no caso do tríplex poderia ser anulada e o petista, solto.

Há ainda outros pedidos que o STF deve analisar neste semestre e que podem ter desdobramentos favoráveis a Lula: a validade de sentenças em que a última palavra nos processos foi dos delatores, e não dos réus delatados; e a prisão antes de serem esgotadas as possibilidades de recurso.

Esses julgamentos podem ter impacto no caso do tríplex de Guarujá (pelo qual Lula já foi condenado até a terceira instância) ou no do sítio de Atibaia (pelo qual já foi condenado em primeira instância).

Até agora, Lula não requisitou nenhum benefício para o encurtamento da sua pena. O ex-presidente leu dezenas de livros na cadeia. Poderia, de acordo com a Lei de Execução Penal, ter feito resumo das obras e com isso teria abatido dias de prisão.

A legislação determina que para cada livro resumido sejam descontados quatro dias na pena. O limite é de 12 resumos por ano.

Lula está preso desde o dia 7 abril de 2018 em uma cela especial da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. O local mede 15 metros quadrados, tem banheiro e fica isolado no último andar do prédio. Ele não tem contato com outros presos, que vivem na carceragem, no primeiro andar.

A pena de Lula foi definida pelo Superior Tribunal de Justiça em 8 anos, 10 meses e 20 dias. O petista foi condenado sob a acusação de aceitar a propriedade de um tríplex, em Guarujá, como propina paga pela OAS em troca de três contratos com a Petrobras, o que ele sempre negou.

Lula recebe seus advogados duas vezes por dia, de manhã e à tarde, na cela em que está preso. As visitas de líderes petistas são comuns.

Alguns políticos da cúpula do partido insistiam para Lula solicitar o benefício para sair da cadeia, mesmo que de tornozeleira eletrônica. Diziam, no geral, que a população sabe de sua inocência e que a oposição precisa dele fora da prisão para construir seu discurso.

 

Folha