“Bolsonaro não combate a corrupção”, constata senador
Ao longo de seus mandatos, o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) tem adotado o combate à corrupção pública como a sua principal bandeira. Assim ele fez também como candidato à Presidência da República no ano passado, quando declarou que escolheria o então juiz da Lava Jato no Paraná, Sergio Moro, para ser seu ministro da Justiça. Alvaro Dias não venceu as eleições, que foram ganhas por Jair Bolsonaro. Que fez o que Alvaro prometia e escolheu Moro seu ministro da Justiça.
As notícias falam de rusgas entre o presidente e seu ministro, de tentativas de controle da Polícia Federal. Para Alvaro Dias, uma frustração quanto à promessa feita na campanha de duro combate à corrupção. Uma frustração, porém, que não surpreende o senador paranaense, escolhido pela votação na internet do Prêmio Congresso em Foco o segundo melhor senador de 2019.
Nesta entrevista, ele confessa que anulou seu voto no segundo turno: não queria ser conivente com as “escolhas infelizes” que foram feitas na disputa. Para Alvaro Dias, Bolsonaro vem fazendo o oposto do que prometera no enfrentamento da corrupção. E ainda comete erros graves, como a escolha de seu filho Eduardo Bolsonaro para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Erros graves, pelos quais, acredita Alvaro Dias, ele pagará seu preço.
Durante a campanha presidencial, o senhor foi o único candidato a falar claramente que chamaria o juiz Sergio Moro para ser ministro da justiça. Agora, ele é de fato ministro da Justiça e enfrenta um desgaste com o presidente em torno do comando da PF. Qual sua avaliação sobre essa crise?
Foi o primeiro ato oficial da minha campanha: eu anunciei que convidaria o juiz Sergio Moro moro para o Ministério da Justiça. Com um objetivo específico: a institucionalização da Operação Lava Jato como política de Estado com combate permanente à corrupção. Eu não retiraria o juiz Sergio Moro da função se não fosse para a institucionalização de uma política de combate à corrupção. O que está ocorrendo é bem diferente do que eu postulava.
O senhor considera que o governo não vem combatendo a corrupção?
E não é surpresa. A agenda de campanha foi ignorada. Muitos eleitos esqueceram. Mas o eleitor, não. Tanto que a sociedade vai pra as ruas reiteradamente. E essa presença nas ruas se justifica exatamente em função dos retrocessos, não é? Não há como não concluir que o presidente esqueceu a agenda de campanha, não prioriza o combate à corrupção. As ações que fulminaram o Coaf (Conselho de Controle da Atividade Financeira) comprometem inclusive um acordo internacional celebrado pelo Brasil em Viena na linha do combate à corrupção internacional e à lavagem de dinheiro. Isso certamente compromete a nossa imagem. Além do Coaf, a Receita Federal deixa de ser um instrumento de fiscalização no combate à corrupção. Essas ameaças em relação à Polícia Federal. Tudo isso vem na contramão do discurso de campanha e é uma trombada no desejo da população.
Como o senhor votou no segundo turno?
Eu sou obrigado agora a confessar que… (risos) O voto é secreto mas… Eu anulei o voto. Eu não tive coragem de votar em nenhuma das alternativas que a população nos ofereceu. Nós somos sempre vítimas das escolhas infelizes que fazemos e temos que suportar as consequências. Eu não quis carregar esse peso nas minhas costas.
O senhor viveu mais de 10 anos filiado ao PSDB. Como avalia a situação atual do partido?
Nós não tivemos até hoje partidos de verdade desde a redemocratização. No regime militar, nós tínhamos MDB e Arena. O MDB era um partido respeitado porque sua luta era institucional. Se estabelecia quem era favorável à democracia e quem era contrário a ela. Depois, quando o quadro se tornou pluripartidário, nós passamos a ter siglas e não partidos. Por essa razão, eu sempre manifestei meu inconformismo e mudei várias vezes. Eu buscava um partido político e não encontrava. Hoje, estou estimulado pelo fato de poder contribuir na tentativa de construção de um partido de verdade, e essa é a razão do crescimento do Podemos no Senado Federal. Eu não compactuo com a forma como se dirige partidos políticos no Brasil. Com essa perenidade de alguns caciques partidários que jamais são substituídos. Obviamente, nós temos que realizar uma reforma política competente.
uma discussão de reforma política…
Isso que se pretende hoje não é reforma política. Também não é reforma eleitoral. É uma reforma às avessas. Que traz nos seu bojo algumas imoralidades, que se constituem em uma verdadeira cusparada no rosto da população. Em vez de aproximar o povo brasileiro dos partido políticos, os distancia ainda mais. Nós não temos um modelo político compatível com as exigências da sociedade. Se nós esperarmos que o Congresso faça uma reforma dessa natureza, nós vamos perder o nosso tempo. Há tempos eu prego que caberia ao presidente da República a tarefa de constituir uma comissão de especialistas fora do Congresso, longe do corporativismo, para redigir uma proposta de reforma política que seria subscrita pelo presidente e encaminhada ao Legislativo. Enquanto nós não fizermos isso, vamos ficar sempre trabalhando com uma colcha de retalhos.
O Podemos quer fechar o ano com quantos senadores? Há alguma meta?
Não temos meta. Mas nós estamos caminhando para ser a maior bancada no Senado pela projeção e pelo interesse e pela vontade política de alguns.
Na Câmara, há expectativa de aumentar também?
Nós esperamos crescer na Câmara também. Acho que o crescimento do Senado induz o crescimento na Câmara. Afinal, os senadores são os líderes majoritários de todos os estados. Então, nós esperamos que quando chegar a janela nós possamos ter uma bancada bastante representativa.
O senhor vislumbra a presidência do Senado?
Nós não colocamos como prioridade do nosso partido a presidência do Senado. Nós colocamos como prioridade crescer com qualidade para não deformar a estrutura construída até aqui. Todo convite para a filiação, antes eu converso com os senadores da bancada. Sempre discutimos o perfil do senador que pretendemos convidar exatamente para preservar essa solidariedade que existe entre nós, sempre possibilitando uma independência absoluta em relação à opinião a voto e isso é que tem granjeado a simpatia de vários senadores.
A CPI Lava Toga vai vingar?
Nós teremos dificuldades mais uma vez em função das interpretações nesse caso. Em outros momentos, nós recorremos ao STF e instalamos aqui CPIs porque a Corte garantiu o direito da minoria. Mas será que, nesse caso, o Supremo vai garantir o direito da minoria?
O senhor tem conversado com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, sobre essa questão?
Ele está intransigente em relação a essa questão.
E a CPI da Lava Jato na Câmara?
Não é Lava Jato. É Vaza Jato. Obviamente que aí o objetivo é fulminar a Operação Lava Jato e atingir seus ícones. Sergio Moro, Deltan Dalagnol. Com base em um procedimento criminoso, que é o vazamento das mensagens. Os hackers estão presos porque sua ação configura crime. Os mandantes não foram ainda identificados nem os pagadores dos criminosos foram identificados. O objetivo da CPI é exatamente atingir não os criminosos, mas os que cumpriram o dever de colocar na cadeia os ladrões do dinheiro público. A Operação Lava Jato é um divisor de águas. Contra ela somam forças os adeptos da impunidade, tanto da extrema esquerda quanto da extrema direita. Esse filme nós já assistimos na Itália. Nós temos que agir aqui mais fortemente na defesa da Lava Jato.
Mas se alguns extrapolaram os limites, cometeram ilegalidades, isso não deve ser apurado?
Nós temos que fazer uma opção. Se queremos trabalhar contra o combate à corrupção, vamos cuidar de investigar vazamentos criminosos que não anularam prova alguma. Esses vazamentos não dizem respeito a provas que foram coletadas durante o devido processo legal, com ampla oportunidade de defesa de todos os investigados. Na verdade, querem se utilizar de um artifício que nós consideramos impróprio e insuficiente para alterar procedimentos já adotados, reverter decisões judiciais competentes.
Como o senhor avalia a gestão até agora de Davi Alcolumbre à frente do Senado?
Com a eleição do Davi, nós tivemos uma pacificação. Melhorou o ambiente, ficou mais confortável a atividade parlamentar. Mas os avanços pretendidos não foram alcançados para recuperar a credibilidade da instituição. Mas que o ambiente melhorou, não há dúvida. Até o temperamento pacificador, contemporizador, do presidente. É uma figura de fácil acesso, com simplicidade e humildade. Mas faltam ainda os avanços no que diz respeito a postura, comportamento e protagonismo.
Assista a entrevista completa: