Com Lula livre Guedes vira alvo

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Foto: Jefferson Coppola

Correligionários do #LulaLivre e opositores a esse movimento discordam em tudo, mas uma dúvida era comum aos dois grupos às vésperas da saída do ex-­presidente da cadeia: o Lula que seria solto em Curitiba assumiria o papel de apaziguador, empenhado em estabelecer um diálogo nacional, ou adotaria a persona de líder incendiário, disposto a atiçar ainda mais a guerra ideológica em curso no país? Quem apostou na segunda possibilidade se deu bem. Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro, em seus primeiros discursos públicos, que seu interesse imediato é atacar sem trégua o governo Bolsonaro. Na verdade, seu alvo foi ainda mais preciso: o ministro da Economia, Paulo Guedes, qualificado como “o demolidor de sonhos”. Até quando mencionou pautas mais distantes do debate econômico, Lula deu um jeito de trazer a discussão para essa seara e bateu na bandeira bolsonarista do combate à violência com um argumento de viés socioeconômico, dizendo que a segurança pública se constrói com pleno emprego e não com estímulo ao armamento da população. Se a esquerda andava desbaratinada, desde o sábado 3 ganhou um norte.

O ataque ao superministro foi, obviamente, cuidadosamente calculado por Lula. Microfone na mão, ele alinhou seus argumentos às notícias vindas de outros países da América do Sul. De acordo com Lula, as crises e derrotas enfrentadas por países como Argentina e Chile têm origem em suas políticas econômicas. Mauricio Macri saiu derrotado de sua tentativa de reeleição na Argentina devido ao fracasso do modelo liberalizante que adotou, assim como o chileno Sebastián Piñera se defronta com o desgaste de um modelo que não conseguiu garantir o bem-estar social almejado pela população. Seguindo seu raciocínio, Lula mirou diretamente o desemprego e a corrosão de renda no Brasil — situação criada, é importante lembrar, pela sucessora que ele mesmo escolheu, Dilma Rousseff. Não à toa, dedicou-se a exaltar os sindicatos e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), aos quais atribui — talvez com excessiva confiança — amplo poder de mobilização popular.

Depois de 580 dias na cadeia, Lula sabe que não goza mais da liderança que tinha no passado. Muitos de seus antigos eleitores, desgostosos com as denúncias que cercam seu partido e seu nome, não o veem mais como o mesmo político que desceu a rampa do Palácio do Planalto com 87% de aprovação em 2010. A retórica atual agrada somente a um nicho do eleitorado, a parcela que ainda acredita que a onda de crescimento vigoroso dos anos 2000 — sustentado por circunstâncias externas, como o elevado preço das commodities no mercado internacional — pode voltar a se repetir sem mudanças estruturais no país. À equipe econômica de Guedes cabe, portanto, trabalhar duro na agenda de reformas para que seus resultados criem uma blindagem contra a verborragia de Lula.

Os ataques de Lula a Guedes também se apoiam no único momento em que o PT teve alguma visibilidade política no ano, durante o triste embate em que o deputado Zeca Dirceu constrangeu Paulo Guedes na Câmara, em abril, ao chamá-lo de “tchutchuca”. Essa será a tônica da atuação de PT, PSOL e PCdoB a partir de agora. O governo sabe disso, e não pretende repetir o erro de deixar Guedes exposto. A Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, caberão os contra-ataques. O Planalto entende que Guedes deve ser poupado de embates com o líder do PT. Na verdade, há no entorno do presidente quem esteja aliviado no que diz respeito ao alvo escolhido. No núcleo duro do bolsonarismo, acredita-se que será justamente a economia que impulsionará a reeleição do presidente em 2022. Tal grupo se apega à expectativa de que, com as mudanças em curso, o emprego e a renda dos trabalhadores comecem a reagir já no próximo ano.

Isso não afasta, porém, o “risco Lula” — expressão utilizada desde a sua soltura para descrever os temores de empresários investidores e executivos do setor financeiro. Com menos de uma semana na rua, o petista já começou a tumultuar a rotina do Congresso. Com parte das reformas propostas por Guedes para aprovar — as PECs do Pacto Federativo, Emergencial e a dos Fundos —, deputados e senadores deixaram o assunto para se debruçar sobre a discussão da prisão após condenação em segunda instância. “Isso já é um custo óbvio”, afirma o economista André Perfeito. “Se forem se dedicar à PEC que tenta restabelecer a prisão em segunda instância, vão roubar tempo de aprovação de outros temas. E a agenda do Guedes é complexa, para dizer o mínimo.”

Além do risco implícito, que é atrasar o desenvolvimento do país ao apostar no “quanto pior, melhor”, há os concretos. Paira no horizonte o risco de greves gerais articuladas pelo PT e sindicatos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e de invasões de propriedades rurais e urbanas por membros dos movimentos de sem-terra (MST) e de sem-teto (MTST). E, claro, parlamentares dos partidos de esquerda voltaram a demonstrar entusiasmo para travar a pauta governista. “Lula fortalece muito a oposição, tem diálogo com vários governadores, líderes de sindicatos, de movimentos sociais, religiosos”, afirma o deputado Paulo Teixeira (PT-­SP). “Ele contribuirá tanto no diagnóstico das situações que se colocarão daqui para a frente como na ação propriamente dita”, prevê.

A avaliação entre os petistas é que Bolsonaro tem baixa governabilidade, situação causada pelos frequentes embates entre a família do presidente e seus aliados. Os desgastes só não causaram maiores prejuízos ao país porque os presidentes das duas Casas do Legislativo, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), se esforçaram pessoalmente para aprovar a reforma da Previdência. Entre os dias 22 e 24 de novembro, toda a liderança do Partido dos Trabalhadores deve se reunir para discutir as táticas a ser adotadas no combate às propostas de reformas que ainda estão por vir. “A mera soltura do Lula já gerou uma mobilização, uma tensão no país”, conclui Teixeira.

O Brasil mudou muito desde os tempos em que Lula era o principal líder da oposição, nos anos 1990. Os sindicatos enfraqueceram sem os recursos do imposto sindical e não têm conseguido promover grandes manifestações. O MST também não tem mais o mesmo potencial de mobilização. E a esquerda perdeu o protagonismo nas manifestações de rua. Hoje há um equilíbrio de forças maior do que no passado. “Ninguém pode desconsiderar o poder político de Lula”, diz o cientista político Murillo de Aragão. “Mas ele tem sérios problemas jurídicos, conta com uma militância esvaziada e enfrenta a possibilidade de sucesso de Bolsonaro, que está conseguindo despertar a economia.”

Tanto em 2014, com Dilma, quanto em 2018, com Fernando Haddad, o PT adotou o discurso de que, se os representantes do partido não fossem eleitos, os pobres perderiam o pouco que tinham, os ricos ficariam mais ricos e todas as conquistas sociais seriam desfeitas. O fato é que tais mazelas começaram a acontecer justamente no governo de Dilma. A alardeada “nova matriz econômica”, focada no consumo, e os sequenciais ataques aos cofres públicos, que levaram ao mensalão e ao petrolão, provocaram uma depressão do PIB só comparada à crise de 1929. Tantos descalabros deixaram Lula com pouca credibilidade para falar de economia. Cabe ao governo fazer com que o discurso do ex-presidente seja visto apenas como uma narrativa revanchista.

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