Nem colegas de Toffoli entenderam seu voto

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Foto: Felipe Rau/Estadão

Em um voto que levou pouco mais de quatro horas para ser lido, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, impôs limites ao compartilhamento de informações financeiras entre órgãos de controle e Ministério Público e polícia. O voto de Toffoli confundiu até colegas da Corte. Ao fim da sessão dessa quarta-feira, 20, o ministro Luís Roberto Barroso disse que chamaria um “professor de javanês” para explicar o resultado.

Toffoli fez uma distinção entre as condições para compartilhamento de dados da Receita e o caminho que deve seguir um pedido de informações da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), o antigo Coaf. Enquanto o assunto não for decidido, ao menos 935 investigações estão paralisadas, entre elas o caso que envolve o hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.

Veja, abaixo, alguns dos principais pontos do voto de Toffoli e algumas dúvidas sobre o julgamento do Supremo que será retomado nesta quinta-feira:

Qual a posição de Toffoli sobre compartilhamento de dados da UIF (antigo Coaf)?
De acordo com Toffoli, a UIF pode compartilhar informações com Ministério Público e polícia desde que os dados sejam repassados mediante sistemas de acesso restrito – e não por outros canais, como email, por exemplo. Por meio desse sistema, fica registrado qual investigador pediu que informação sobre qual suspeito.

O presidente do Supremo também sugeriu que a UIF não pode elaborar relatório de inteligência por “encomenda” do MP ou da polícia, sem que haja uma investigação já em curso. Isso eliminaria um procedimento que acontece hoje em algumas investigações, em que promotores solicitam diretamente à UIF informações sigilosas sobre suspeitos.

Qual a posição de Toffoli sobre compartilhamento de dados da Receita?
Toffoli declarou que considera correto que a Receita encaminhe para os órgãos de investigação alertas de indícios de crime, como lavagem de dinheiro e contrabando, desde que apresentem dados globais. Segundo ele, porém, após receber esses relatórios, os investigadores devem comunicar a Justiça, pois, na opinião de Toffoli, é preciso autorização judicial para ter acesso a dados considerados sensíveis, como a íntegra de extratos bancários ou de declaração de imposto de renda.

Qual o impacto do voto de Toffoli no caso Flávio Bolsonaro?
O voto de Toffoli abre caminho para que a investigação contra Flávio Bolsonaro no Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) continue paralisada. Os procuradores apuram se Flávio participou de um esquema de “rachadinhas” (quando um funcionário do gabinete devolve parte do salário ao político que o indicou) quando era deputado estadual.

A investigação teve início depois que o antigo Coaf comunicou o MP-RJ sobre movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão na conta do ex-assessor do parlamentar, Fabrício Queiroz, conforme revelou o Estado em dezembro de 2018. Até aí, o procedimento está correto, segundo o voto de Toffoli. Depois dessa comunicação, porém, o MP-RJ solicitou ao Coaf informações de Flávio, o que, de acordo com o presidente do Supremo, não pode ser feito. A defesa de Flávio afirmou, em uma reclamação ao STF, inclusive, que os promotores do Rio requisitaram relatórios por email.

A posição de Toffoli deve ser seguida pelos outros ministros?
Ainda não se sabe. O voto de Toffoli foi visto por outros ministros como uma forma de tentar obter apoio dos colegas e costurar uma saída que não comprometa investigações em curso. Mas a posição dos outros dez ministros sobre o assunto ainda não é conhecida.

O que diz a PGR sobre o compartilhamento de dados?
O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que relatórios de inteligência sejam compartilhados com o Ministério Público sem nenhum tipo de autorização judicial. Segundo ele, os relatórios, em si, não são provas de crimes, mas sim pontos de partida para investigações. Aras argumentou que esse modelo é utilizado em 184 países e que o Brasil “precisa respeitar esse sistema”.

Que tipo de informação a UIF pode passar aos investigadores?
A UIF recebe das instituições financeiras comunicados sobre ocorrências suspeitas, a partir de movimentações de dinheiro atípicas. Após análise técnica, a UIF elabora um relatório de inteligência financeira (RIF), que é encaminhado para as autoridades, que podem ou não abrir uma investigação criminal. Os RIFs são protegidos por sigilo.

Que tipo de informação a Receita envia aos investigadores?
A Receita é o órgão do governo responsável por fiscalizar o pagamento de tributos federais. Se, ao analisar esse tipo de informação, um auditor fiscal encontrar indícios de outros crimes, como lavagem de dinheiro, corrupção ou contrabando, ele deve elaborar uma Representação Fiscal para Fins Penais (RFFP), que é encaminhada para autoridades, como o Ministério Público, que podem decidir se é o caso de abrir uma investigação criminal.

Estadão