Pessoas repassam fake news porque reforçam suas convicções
A abundância de informação disponível na internet revela que o avanço tecnológico promoveu, de fato, uma democratização da informação, mas, por outro lado, também abriu brecha para a difusão de notícias falsas, cujas consequências geralmente são desastrosas. É basicamente sobre esses dois pilares que se apoiam os artigos do livro Pós-Verdade e Fake News – Reflexões Sobre a Guerra de Narrativas (Cobogó), organizados pela jornalista Mariana Barbosa. O lançamento acontece nesta segunda-feira, 11, na Livraria da Vila da Fradique Coutinho, a partir das 18h30, com direito a autógrafos e debate com alguns dos colaboradores.
É justamente o desastre habitualmente inevitável provocado pela divulgação das agora conhecidas fake news que trata boa parte dos artigos. A preocupação é justificada, pois a viralização de inverdades corrói e põe em risco a sustentação da democracia. “A disseminação de mentiras tem colocado à prova a própria noção de verdade e revela uma inquietante perda de confiança em instituições que outrora eram portadoras da verdade: a imprensa, a ciência e as elites intelectuais em geral”, pontua Mariana, no texto de apresentação da obra.
Além dos artigos, o livro traz entrevistas exclusivas com o cientista político americano Peter Warren Singer e a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo. Singer indica caminhos: “É preciso entender a regra do jogo – e não ficar em estado de negação. Entender como funciona um viral não significa que você tenha de ser um teórico da conspiração ou um terrível mentiroso. O melhor contra-ataque é dominar as ferramentas e fazer a verdade viralizar”. Sobre os artigos do livro, Mariana Barbosa respondeu, por e-mail, as seguintes questões do Estado.
Como explicar a expressiva quantidade de notícias falsas circulando pela internet?
A tecnologia facilita a produção e difusão de notícias falsas, mas ela não explica a motivação das pessoas. A grande questão é: por que as pessoas compartilham esse conteúdo de origem no mínimo duvidosa? Muita gente atribui isso à falta de noção do “tiozinho do pavê”. Mas será que as pessoas compartilham notícias falsas por ignorância ou ingenuidade, acreditando serem verdadeiras? No artigo A Ponta de um Iceberg de Desconfiança, que abre o livro, Tatiana Roque e Fernanda Bruno fazem uma análise muito interessante, mostrando que, por trás do compartilhamento de notícias falsas, pode haver um processo bem mais complexo e que está relacionado à perda de credibilidade e de confiança nas instituições que são a base da democracia, tais como a imprensa, a ciência, a política. As pessoas se engajam em repassar mensagens não pela sua veracidade, mas porque elas reforçam valores e convicções de seus grupos de afinidade. As autoras citam estudos que mostram que a repetição de mensagens em grupos de afinidade – seja o grupo da família, da escola ou do trabalho – leva a uma familiaridade e que, isso por sua vez, leva à aceitação. As pessoas compartilham pois querem se sentir aceitas e pertencer a determinado grupo.
O avanço tecnológico na comunicação poderia explicar essa difusão de fake news?
O uso de notícias falsas para manipular a opinião pública não é um fenômeno novo. Há relatos que datam do século 19. Em 1874, o jornal New York Herald publicou uma manchete falando sobre animais selvagens que teriam fugido do zoológico do Central Park. Apesar de no pé do artigo estar escrito se tratar de uma mentira, a cidade viveu um caos: muitas pessoas saíram às ruas com armas, outras ficaram presas dentro de casa. Outro exemplo que virou um clássico, e que Eugênio Bucci menciona em seu artigo News Não São Fake – e Fake News Não São News, é o livro Os Protocolos dos Sábios de Sião, uma publicação reconhecidamente falsa que teria sido forjada na Rússia czarista e que contribuiu para desencadear ondas de antissemitismo na Europa. O avanço tecnológico permite e facilita a difusão em massa – mas isso é potencializado pois existe um ambiente de desconfiança e de falta de credibilidade que leva as pessoas a compartilhar o conteúdo. O avanço tecnológico que vem por aí, com a popularização de tecnologias de criação de deep fakes, com manipulação de áudio e vídeo, deve tornar o ambiente ainda mais complexo.
Como o leitor comum pode distinguir fato de versão/distorção?
Importante sempre checar a origem da informação. Qual a fonte? Verifique se os grandes jornais estão repercutindo. Desconfie de artigos que começam com a frase “isso a imprensa não mostra”. Se o que você recebeu pelo celular é um fato tão bombástico e relevante e a imprensa não mostra, é grande a chance de ser uma invenção.
Por que não há uma preocupação com a ética ao se difundir uma fake news?
Por trás de um conteúdo fabricado e explicitamente falso como kit gay ou “mamadeira de piroca”, para citar casos de fake news que ficaram famosos durante as últimas eleições presidenciais, estão valores e visões de mundo. Quem compartilha um meme ou um texto notadamente falso não está preocupado com a sua veracidade, mas sim em reforçar seus próprios valores e crenças.
Do Estadão