Toffoli reclama de excesso de causas no STF
Foto: Nelson JR./SCO/STF
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, não falou dos temas que inflamavam o mirrado mas barulhento grupo de manifestantes do lado de fora do Pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera, onde ocorreu o Estadão Summit Brasil – O que é o poder?. Nada disse sobre a prisão após sentença em segunda instância, tema cuja votação deve ser retomada hoje no STF.
Tampouco explicou sua decisão de suspender investigações de possíveis crimes financeiros que recorram, sem autorização judicial, a dados do antigo Coaf, atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Ofereceu, porém, uma visão de longo curso sobre o papel que o Judiciário e o STF exerceram na história – um papel que se aprofundou e ampliou com a Constituição de 1988. A seguir, os momentos marcantes da fala de Toffoli.
Poder moderador
“(Tentar compreender) o Supremo Tribunal Federal e o Poder Judiciário como poder moderador, sem contextualizar a história é absolutamente inviável. Nós fazemos mudanças muito rápidas. Veja, exercer o poder no Brasil, na esfera nacional, será fácil? O primeiro imperador abdicou, o segundo foi deposto e morreu no exílio, o primeiro presidente da República renunciou. (…) Antes da Constituição de 1891, foi instalado, por decreto, em 1890, o Supremo Tribunal Federal. Qual que foi a ideia do STF? Foi, a partir do modelo norte-americano, trazer (para o Brasil) a possibilidade do controle da constitucionalidade, pois ele não existia anteriormente no Supremo Tribunal de Justiça do Império. (O STJ) orbitou no modelo francês, com um Judiciário sem poderes de decidir o que é constitucional, e um poder moderador na figura da coroa. (…) Pois bem, quando se cria o Supremo, na República, é para quê? Para ser o mediador dos conflitos da Federação. Só para dar um exemplo de questão federativa (atual), entre tantos outros: a guerra fiscal, onde vai parar? No Supremo. Questão relativa a relações entre poderes, à competência (de cada poder) Quem tem que dar a última palavra é o STF.”
Ministério Público
“Mas, na prática, quem exerceu o poder moderador na República foram as Forças Armadas, que se sobrepuseram ao Judiciário. Em 1964, ao permanecer no poder, as Forças Armadas sofreram desgaste nacional. (…) Pois bem, na Constituinte de 1988, uma série de direitos foram trazidos para o texto constitucional. Então, colocaram todo tipo de direitos na Constituição, sem colocar as previsões de onde viriam. Nós temos que trazer instrumentos jurídicos para que isso (os ideais da Constituição) se torne uma realidade. Que instrumentos? Em primeiro lugar: um Ministério Público absolutamente autônomo, sem influências do Poder Executivo. O Ministério Público, em geral, em todo mundo, só cuida da esfera penal. Não cuida, por exemplo, de meio ambiente. Não é este ouvidor da sociedade como um todo que nós temos no Brasil hoje. Esse é um fruto da Constituição de 1988.”
Sob os olhos da Nação
“Eu não acordo de manhã, nem meus colegas acordam de manhã e falam: ‘ hoje eu quero resolver os problemas X, Y e Z’. Só que esses problemas são colocados no Supremo (…). O Poder Judiciário antes da Constituição de 1988 era um Poder Judiciário meio na estufa. Ele resolvia um caso individual. Resolvia a briga de casal, a pensão, e continua resolvendo (essas questões) hoje. Com o modelo da Constituição de 1988, os grandes problemas da nação brasileira do ponto de vista político, econômico, social, cultural, de costumes, passaram a ser levados ao Poder Judiciário e ao STF. O Poder Judiciário pós-1988 passa a ser muito mais demandado. Do ponto de vista do estado democrático de direito, é bom que hoje as pessoas saibam que existe o STF, saibam quem são os onze ministros, venham fazer protestos, desde que dentro da legalidade. É bom que faça parte da consciência da Nação a existência do Poder Judiciário.”
Sobrecarga das cortes
“Agora, quando tudo vai parar no Judiciário, isso significa o fracasso de outros meios de resolução de conflito. Criaram-se agências reguladoras, modelo que veio a partir do governo Fernando Henrique e das reformas constitucionais de privatização de 1995. As agências são criadas para regular o mercado dos meios de comunicação, dos transportes, da área da aviação, ferrovias, rodovias etc. Mas decisões nas agências reguladoras (também são levadas) para o Judiciário. Então há uma crise de confiança no Judiciário ou uma crise de confiança nas instituições e organizações que precisam resolver os conflitos? Em um país que tem uma Constituição com mais de 300 artigos, com mais de 100 emendas constitucionais, só aumenta o litígio. (…) No ano passado, nós decidimos, colegiadamente, 14 mil processos entre o plenário e as duas turmas. Não há Suprema Corte que julgue tanto. O Judiciário (brasileiro) é o mais demandado do mundo. Cada juiz brasileiro decide por ano 1700 processos. Dá uma média de oito processos por dia útil.”
Reforma tributária
“O Judiciário deveria ser usado para a última solução, a última razão a ser chamada. (…) Em matéria tributária, já falei com Paulo Guedes, falei com Rodrigo (Maia), falei com Davi (Alocumbre) que tem que diminuir o peso da Constituição. Quer fazer uma reforma tributária que funcione? Retire dois, três princípios da Constituição. Com isso, nenhuma reforma tributária vai parar no Supremo.(… ) Estamos julgando casos (em matéria tributária) de 20, 30 anos. Em maio, nós terminamos de julgar o Plano Real – 25 anos depois, (julgamos) se o Plano Real era constitucional ou não.”
As corporações
“Nós não temos uma elite nacional. A burocracia ocupou esse espaço. Infelizmente, os partidos políticos não fazem projetos de Nação. Infelizmente, as universidades não fazem projetos de nação. A sociedade civil faz projetos setoriais, como na área da infância, da saúde, da educação. Quem ocupa esse vazio? As corporações. Por quê? O interesse do sistema financeiro (…) (é) o mesmo do Oiapoque ao Chuí. E então tem força, pois é um setor que atua unido. Servidor público municipal, estadual, do Distrito Federal e da União têm o mesmo interesse. Então, eles conseguem ter musculatura. (…) É por isso que o parlamento brasileiro acabou se institucionalizando muito mais em frentes parlamentares que em partidos políticos.
Nova era
“Mas vivemos um quadro em que estamos conseguindo, pelo diálogo, pela força da sociedade, enfrentar o domínio das corporações. A reforma da Previdência é um exemplo disso. Agora vamos enfrentar a reforma administrativa, a reforma tributária, o pacto federativo. (…) Não estou aqui para deslegitimar corporações ou frentes de atuação parlamentares. Estou dizendo que criar um projeto de nação é muito mais complexo. É preciso ter muito mais diálogo – uma articulação entre diferentes pessoas que pensam diferente. Jair Bolsonaro, Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Dias Toffoli, Raquel Dodge até outro dia, hoje Augusto Aras, são pessoas que querem se sentar juntas para, com apoio das instituições de que estão à frente e com a compreensão da sociedade, avançar no desenvolvimento do País.”