Bolsonaro e Fernandes vão se reunir
Foto: Carolina Antunes/PR/Divulgação
Com leves recuos de lado a lado, Argentina e Brasil conseguiram pelo menos alinhavar uma convivência razoável nesta quarta-feira, 12, depois dos sinais de uma derrocada nas relações bilaterais emitidos ao longo de 2019. Em encontros em Brasília, o ministro argentino de Relações Exteriores, Felipe Solá, emitiu sinais de leve recuo na posição de seu país sobre a Venezuela e extraiu do chanceler Ernesto Araújo e do presidente Jair Bolsonaro boa vontade a seu pedido de um ritmo menos acelerado nas negociações sobre livre comércio do Mercosul com outros parceiros.
Em princípio, essa retomada das relações bilaterais deverá ser consagrada na primeira reunião entre Bolsonaro e o presidente da Argentina, Alberto Fernández, programada inicialmente para o dia 1º de março em um terreno neutro – Montevidéu, no Uruguai. O desafio será aproximar os dois líderes em uma fotografia com a certeza de que nenhum dos dois se esfaqueiem pelas costas, comenta-se na chancelaria argentina.
A vinda de Solá ao Brasil foi cuidadosamente estudada em Buenos Aires para reverter o curso desastroso prenunciado desde a campanha eleitoral do peronista Fernández, eleito em outubro passado. Em especial, neste momento em que a Argentina tenta implementar seu novo projeto econômico, que tem na renegociação da dívida pública seu pilar principal, e em que recebe a missão do Fundo Monetário Internacional (FMI), seu maior credor. Desarmar qualquer bomba vinda de Brasília tornou-se tão importante quanto arrebanhar os apoios de governos europeus e dos Estados Unidos – a tarefa cumprida por Fernández em sua jornada ao exterior nas últimas semanas.
Solá claramente pediu o apoio também a Bolsonaro à posição da Argentina diante do Fundo. “Existe compreensão da delicada situação econômica argentina. Queremos que o Brasil entenda essa fragilidade e que a abertura (comercial) se faça em velocidade que contemple esta situação”, afirmou ao final das reuniões.
Uma das bombas preparadas por Brasília é a aceleração das negociações de livre comércio do Mercosul, que já se embrenha em conversas com o Canadá, a Coreia do Sul e Singapura. A ratificação do tratado de maior porte já concluído, entre o bloco e a União Europeia, é outra questão. Em profunda crise econômica, a Argentina já chegou a anunciar sua intenção de rever o acordo com Bruxelas. Mas agora pede, pelo menos, mais moderação do compasso das novas negociações que, na visão de Buenos Aires, acarretariam uma abertura comercial devastadora para a indústria do país.
Outra bomba seria a imposição, por Brasília, de uma ambiciosa revisão – para baixo – na Tarifa Externa Comum (TEC), aplicada pelos quatro sócios do Mercosul. O pior explosivo, porém, seria a negativa do governo Bolsonaro – ou sua omissão, na prática – ao apoio à Argentina diante do FMI. Porém, o ministro-chave para essas respostas, Paulo Guedes, da Economia, não esteve presente nas conversas do chanceler Solá com Araújo e Bolsonaro.
No encontro com Bolsonaro, Solá teve a sensibilidade de indicar a flexibilização da posição de Buenos Aires sobre o regime de Nicolás Maduro, na Venezuela. Na semana passada, de olho na repercussão da Casa Branca, o chanceler argentino afirmara que o governo chavista havia “posto em perigo o Estado de Direito”. Diante do brasileiro, anunciou que seu país estará presente na próxima reunião do Grupo de Lima, criado para pressionar Maduro. Até o final de 2019, a Argentina mantinha sua intenção de retirar-se do agrupamento e seu apoio ao líder venezuelano.
“Não somos favoráveis a Maduro. Somos favoráveis à democracia, e democracia significa cumprir condições”, declarou ao final do encontro no Palácio do Planalto.
A inevitabilidade geográfica e o cálculo dos benefícios da relação bilateral e da preservação do Mercosul contaram muito para Brasil e Argentina içarem a bandeira branca, apesar das diferenças ideológicas gritantes entre seus governos. O grau de integração produtiva, sobretudo na área automotiva, não é desprezível e contou pontos. O pragmatismo parece agora prevalecer – pelo menos até as negociações para valer dos temas bilaterais mais sensíveis. Mas ainda não há certeza absoluta de que os arroubos ideológicos de Brasília serão aplacados por um objetivo maior: ajudar a levantar a economia do vizinho.
As desavenças se avolumaram de forma perigosa ao longo do segundo semestre. Bolsonaro dera abertamente seu apoio à reeleição de Mauricio Macri e fora além, ao referir-se a Fernández e a sua companheira de chapa, a ex-presidente Cristina Kirchner, como “bandidos de esquerda. O brasileiro recuou-se a estar presente na posse do argentino e somente na última hora decidiu enviar um representante de alto nível à cerimônia, o vice-presidente Hamilton Mourão.
Essas diatribes não passaram em branco. O próprio Fernández defendera a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve peso de anátema em Brasília, no dia de sua eleição, e o próprio Solá chegou a declarar que seu país estava “de luto em relação ao Brasil”, em novembro passado. O apaziguamento foi prenunciado no dia da posse de Fernández, quando Mourão transmitiu um convite de Bolsonaro para uma visita oficial. Ao acertar o encontro em Montevidéu, fica claro ser essa uma gentileza ambiciosa demais.