Doria quer diminuir teto salarial de professores

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Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS

Prevendo um rombo de mais de R$ 300 milhões por ano nas finanças públicas de São Paulo, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que representa o governo João Doria (PSDB) nos tribunais, abriu uma disputa com as mais importantes universidades estaduais contra o aumento do teto salarial a professores e pesquisadores. A controvérsia deve ser resolvida ainda em 2020 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

No mês passado, durante o recesso do Poder Judiciário, o ministro Dias Toffoli concedeu liminar para que os salários nas instituições estaduais não mais respeitassem o “subteto” (equivalente ao subsídio do governador), mas o teto constitucional de R$ 39,2 mil, referente ao vencimento de um ministro do STF – mesmo parâmetro das federais. Só em São Paulo, cerca de 3,9 mil docentes devem ser beneficiados.

A medida ainda precisa ser confirmada pelo plenário da corte. Em petições encaminhadas ao relator original do caso, ministro Gilmar Mendes, a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) já defenderam a manutenção da liminar como forma de valorizar a carreira e evitar a “fuga de cérebros” – quando pesquisadores de ponta decidem migrar para outras instituições, em que os salários são mais competitivos.

Entretanto, para as procuradoras Maria Lia Corona e Camila Pintarelli, o aumento do teto de R$ 23 mil (salário de Doria) para R$ 39,2 mil “acabou por gerar um dano reverso e imediato às contas públicas do Estado”. Segundo nota técnica do governo, o impacto anual será de R$ 332,9 milhões – 0,206% da receita corrente líquida para 2020.

“Diante de inexistente urgência – já que o regime impugnado encontra-se em vigor desde 2003 -, criou-se uma premente situação de emergência nas contas públicas do Estado de São Paulo”, afirmou a PGE ao Supremo.

Afora as questões orçamentárias, as procuradoras alertam que Toffoli desrespeitou um precedente do próprio Supremo, que em 2010 reconheceu a validade dos subtetos estaduais. Além disso, citam duas súmulas da corte que proíbem o Judiciário de “aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia”.

Senado e Câmara estão alinhados ao governo paulista. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a emenda constitucional que instituiu os subtetos remuneratórios seguiu todos os trâmites legais. Os advogados do Senado foram além: deram uma bronca em Toffoli, alegando que ele interferiu indevidamente nas funções do Legislativo ao proferir decisão à revelia do Congresso Nacional.

Do outro lado da trincheira, as universidades paulistas contestam o argumento de que o novo teto salarial implicaria novas despesas para o governo. Isso porque o valor encaminhado para as instituições não mudaria – é previsto em lei o repasse de 9,57% da arrecadação do ICMS do Estado, dividido entre USP, Unesp e Unicamp. As três respondem por um terço da produção científica do Brasil.

No próximo mês, a Unicamp já vai pagar a folha de fevereiro respeitando o novo limite. Segundo a instituição, 1.055 professores e pesquisadores (461 ativos e 594 aposentados) não terão mais cortes em seus salários.

Na USP, serão beneficiados 1,8 mil docentes (970 ativos e 830 aposentados), o que gera impacto de 1,9% no orçamento anual. A universidade afirma que, como terminou 2019 com superávit, a liminar não vai trazer nova crise financeira – e reforça que o aumento poderá ser acomodado no orçamento de 2020.

Cerca de 20% dos professores e pesquisadores da Unesp passarão a ganhar mais: são 1.060, dos quais 443 ativos e 617 aposentados. “Um a cada cinco estava recebendo menos do que a progressão de carreira permitia, em razão da restrição legal agora alterada pelo STF”, diz o reitor da instituição, Sandro Valentini.

Na semana passada, Gilmar Mendes pediu informações ao Ministério da Educação (MEC) sobre a política remuneratória dos professores e pesquisadores de universidades federais – e também solicitou a todos os Estados que especifiquem em que medida a liminar impacta as suas finanças.

Os governadores ainda não enviaram suas respostas ao ministro, mas o Valor consultou as 42 universidades estaduais do país. Das 11 que responderam, seis afirmaram que não serão atingidas financeiramente pela decisão, pois não têm professores com salários altos o bastante para serem beneficiados com o aumento do teto.

São os casos das estaduais da Paraíba (UEPB), do Rio Grande do Norte (UERN), de Minas Gerais (UEMG), de Maringá (UEM), da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul) e do Oeste do Paraná (Unioeste). Mas mesmo entre essas a medida é vista positivamente. “Amplia as possibilidades de valorização e reconhecimento dos docentes das universidades estaduais, que têm feito importante trabalho, principalmente no interior do país, em favor do fortalecimento e da democratização da pesquisa científica e do ensino”, disse o reitor da UERN, Pedro Ribeiro Neto.

Já as estaduais do Piauí (Uespi) e do Sudoeste da Bahia (UESB) também devem ser impactadas pela decisão, mas de forma menos significativa que nas três instituições paulistas. Na universidade baiana, 40 professores serão beneficiados. Na piauiense, somente 14.

Na semana passada, Gilmar aceitou a PGE e a USP como amici curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Isso significa que, embora não sejam oficialmente partes do processo, seus argumentos poderão ser considerados na formação do convencimento dos ministros.

O pedido foi feito ao Supremo pelo PSD, ano passado, a pedido do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp). Na ação, o partido afirma que a distinção entre os salários é inconstitucional, já que os professores das federais e das estaduais desenvolvem exatamente o mesmo tipo de trabalho.

Na decisão de janeiro, Toffoli acolheu o argumento: “Partindo do pressuposto de que a Constituição concebeu um projeto de política nacional de educação, não vislumbro razão para a existência de uma diferenciação remuneratória entre docentes e pesquisadores em instituições de ensino superior de entidades federativas distintas”.

Algumas universidades estão aguardando uma decisão definitiva do plenário da corte antes de efetivar a mudança. Gilmar só deve liberar o processo à pauta depois de obter todas as informações dos governadores, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Advocacia-Geral da União (AGU). Caberá ao próprio Toffoli, presidente do tribunal, definir a data.

Valor Econômico