Filhos de empregadas domésticas rebatem fala de Guedes
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A cotação do dólar bateu novo recorde na quarta-feira e chegou a R$ 4,35. Para ilustrar como a alta poderia ser positiva para o Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, citou um suposto fluxo de empregadas domésticas indo à Disney em tempos de dólar baixo, o que classificou como “uma festa danada”.
“Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Vou exportar menos, substituição de importações, turismo, todo mundo indo para a Disneylândia. Empregada doméstica indo pra Disneylândia, uma festa danada. Mas espera aí? Espera aí. Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai ali passear nas praias do Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro do Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu. Vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil, que está cheio de coisa bonita para ver”, disse Guedes em um seminário em Brasília.
Ao antecipar as críticas que receberia pelo comentário, o ministro tentou se corrigir, afirmando que quis dizer “que o câmbio estava tão barato que todo mundo estava indo para a Disneylândia, até as classes sociais mais baixas”. Ele continuou a emenda, dizendo que “todo mundo quer ir para a Disneylândia”, mas não “três, quatro vezes ao ano”.
Não foi suficiente. Nas redes sociais, empregadas domésticas— e principalmente seus filhos e filhas, mais jovens — criticaram o tom da fala apontando para um viés classista e questionando o quão realista seria a constatação do ministro.
A primeira década do século 21 foi marcada por uma expansão da classe média no Brasil. Segundo o Ipea, o número de mulheres empregadas no comércio se aproximou pela primeira vez na história do número de empregadas domésticas no Brasil em 2007. Este fluxo de trabalhadores domésticos para outros ofícios ilustra o crescimento da classe C – que, segundo dados levantados pelo grupo BNP Paribas em conjunto com a Ipsos Public Affairs, cresceu de 62,7 para 103 milhões de pessoas, entre 2005 e 2011.
Mas os profissionais que continuaram ganhando até um salário mínimo, caso dos trabalhadores domésticos, ficaram de fora.
Este grupo, segundo economistas, não foi beneficiado pelo “boom” da nova Classe C no mercado turístico brasileiro, quando milhares de pessoas viajaram de avião pela primeira vez — principalmente para destinos dentro do Brasil.
Pelo Twitter, brasileiros lembraram que, por um lado, qualquer categoria profissional deveria ter o direito de viajar para onde for e, por outro, o quão difícil é para um empregado ou empregada doméstica conseguir juntar dinheiro para uma viagem internacional.
“Em que Brasil você vive?”, perguntou a filha de uma empregada doméstica.
“Quero saber que época era essa que ele está falando”, questionou outra.
O piso salarial federal para empregados domésticos é R$ 1.045, mas o valor pode variar de acordo com as leis locais de cada Estado.
As críticas não se limitaram a brasileiros próximos a profissionais domésticos e incluíram pessoas que se apresentam como liberais, de direita, e apoiadores das políticas do ministro — tido como o principal nome, junto a Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), do gabinete ministerial de Bolsonaro.
“Sou 100% de direita, mas só tenho uma coisa a dizer. Cala a Boca, Guedes. Todos deveriam poder viajar, seja para Natal, Disney, Europa (…) Todos têm o mesmo direito, seja o empresário ou a empregada, que diga-se de passagem é uma profissão digníssima”, afirmou um usuário do Twitter.
“Sou fã desse cara, mas qual o problema de uma empregada doméstica, um carteiro, um policial, um professor ir à Disney? Nenhum”, disse outro.
O economista e investidor Paulo Guedes foi o principal trunfo do candidato Jair Bolsonaro (PSL) no front econômico durante a campanha eleitoral.
Seu discurso em defesa do Estado mínimo e da abertura do mercado para o comércio internacional ajudou a atrair o apoio de parcela do empresariado e de investidores. Apelidado por Bolsonaro de “Posto Ipiranga” em matéria de política econômica — em alusão ao slogan publicitário “Pergunta lá no Posto Ipiranga”, da rede de postos de abastecimento —, ele é frequentemente citado pelo presidente em entrevistas.
“Pergunta ao Paulo Guedes”, disse Bolsonaro em viagens internacionais à China, Arábia Saudita e Índia, sempre que questionado sobre políticas econômicas do governo.
Carioca, nascido em 24 de agosto de 1949 numa família de classe média baixa, Guedes se formou no início dos anos 1970 pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), depois se tornou mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-Rio) e doutor pela Universidade de Chicago, nos Estados Unidos.
A maioria das reações às falas de Guedes vindas de parentes de profissionais domésticos apontou que uma viagem à Disney não é algo presente no cotidiano de quem ganha um salário mínimo.
“Minha mãe foi empregada doméstica por 40 anos e nunca foi à Disney”, disse uma jovem no Twitter.
Outros fizeram coro.
“Minha mãe é empregada há 20 anos e eu nunca fui à Disney, nem ela. Quero saber que época era essa que ele está falando”, perguntou outra.
Houve quem lembrasse dos desafios da classe em busca de direitos trabalhistas.
“Minha mãe é empregada doméstica e ainda não teve essa benfeitoria em sua vida. Pelo contrário. Está lutando para receber o décimo terceiro até hoje, porque (a) lei não garante direito. Paulo Guedes, porque não experimentar capinar um pátio.
Outros usuários destacaram a importância do turismo nacional, como pediu Guedes, mas lembraram que todos têm o direito de viajarem para onde quiserem.
“Eu sou a favor do brasileiro conhecer seu próprio país. Até porque temos lugares maravilhosos. Mas ele citou a empregada doméstica como se ela não tivesse o direito de viajar para onde ela quiser”, reagiu um.
“Me senti pessoalmente ofendida, minha mãe foi empregada doméstica a vida toda. E teria direito de fazer com o dinheiro dela o que quisesse, até ir para a Disney”, disse outro.