Governo defende Wajngarten usando prova de culpa

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Foto: Reprodução

Em manifestação entregue à Justiça Federal, a AGU (Advocacia-Geral da União) diz não haver conflito de interesses na atuação do chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), Fabio Wajngarten, por ele ser sócio majoritário de empresa que recebe dinheiro de TVs e agências de publicidade fornecedoras da própria secretaria, de ministérios e de estatais do governo Bolsonaro.

A AGU tem como atribuição a defesa jurídica dos interesses do governo. Numa peça de 39 páginas, o órgão também sustentou que não houve favorecimento dos clientes da empresa, como a Record, a Band e a agência Artplan, que passaram a ter percentuais maiores da verba da Secom na gestão de Wajngarten.

Ainda na defesa, a AGU argumenta que, após assumir o cargo, o secretário apresentou declaração confidencial de informações à Comissão de Ética Pública da Presidência, órgão que fiscaliza eventuais situações de conflito de interesses na alta administração federal, preenchendo os “requisitos formais” de sua nomeação.

Reportagem da Folha desta terça-feira (4), porém, revelou que Wajngarten omitiu no documento dados sobre as atividades de sua empresa e os contratos mantidos por ela com TVs e agências de propaganda que recebem recursos da Secom e de outros órgãos do governo.

Ao longo de um questionário de oito páginas, assinado por ele em 14 de maio e obtido pela Folha, ele não informou o ramo de atuação das companhias dele e de familiares, bem como os negócios mantidos por elas antes e no momento em que ocupou a função pública.

A lei de conflito de interesses (12.813/2013) obriga os integrantes do alto escalão do governo a detalharem dados patrimoniais e societários, assim como as empreitadas empresariais e profissionais deles próprios e de seus familiares até o terceiro grau.

O objetivo é o de prevenir eventuais irregularidades. É vedado aos agentes públicos manter negócios com pessoas físicas ou jurídicas que possam ser afetadas por suas decisões.

O documento da AGU em defesa de Wajngarten integra ação popular ajuizada pelo PSOL contra o secretário, na qual pede, em caráter liminar, a suspensão das nomeações dele e de seu adjunto, Samy Liberman. Também requer a anulação dos atos praticados por Wajngarten no exercício do cargo.

A ação foi apresentada após reportagens da Folha, publicadas a partir de 15 de janeiro, mostrarem que Wajngarten tem 95% das cotas da FW Comunicação, que recebe verbas de TVs e agências pegas pelo próprio governo do presidente Jair Bolsonaro.

Três dias depois de assumir a chefia da Secom, ele passou a administração da empresa ao empresário Fabio Liberman, irmão de Samy. Este último foi nomeado mais adiante como número dois da pasta.

O PSOL sustenta que há conflito do interesse privado com o público no caso de Wajngarten. O partido alega que há incompatibilidade na situação do secretário, pois ele tem poder sobre a destinação de verbas de publicidade, o que poderia gerar vantagens à FW no mercado.

A AGU afirmou à Justiça que a Secom não contrata diretamente a empresa do secretário. Além disso, negou haver vinculação entre os recursos que a pasta libera e os contratos privados da FW.

O órgão alega que a empresa de Wajngarten oferece ao mercado uma ferramenta de pesquisa sobre anunciantes e suas campanhas veiculadas nos principais meios de comunicação. Esses dados são usados pelos departamentos comerciais das TVs.

Os contratos da FW, segundo a peça de defesa, se prestam “ao monitoramento da concorrência entre anunciantes inseridos em determinado setor da economia e que estejam disputando fatias de mercado”. Esse não é o campo de atuação da secretaria, diz a AGU, pois ela demanda dos veículos apenas publicidade institucional.

A AGU negou que a FW faça para seus clientes o chamado checking —ou seja, checar se anúncios comprados por anunciantes públicos e privados foram, de fato, veiculados. No entanto, a empresa é contratada das agências Artplan, Propeg e Nova S/B para prestar esse serviço na conta de publicidade da Caixa. As ações de publicidade do banco seguem diretrizes da Secom.

A Artplan também é contratada pela própria secretaria e, na gestão de Wajngarten, passou a ser líder na destinação de recursos da pasta para campanhas.

“Os serviços prestados pela FW Comunicação ao mercado publicitário não possuem correlação com os contratos da União firmados por intermédio da Secom, tratando-se de serviços incompatíveis com a realidade publicitária da administração pública direta”, afirma a AGU.

O órgão sustenta que não há favorecimento dos contratantes de Wajngarten na Secom.

Referindo-se às TVs, justificou que elas não são contratadas diretamente pela secretaria, mas pelas agências que detêm a conta de publicidade da pasta.

A compra de espaço nos veículos é definida nos planos de mídia de cada campanha, que são elaborados pelas agências a partir de demanda da secretaria e aprovados por ela própria.

A AGU reiterou que a destinação de mais recursos para a Artplan se deu porque a agência venceu concorrência interna, realizada na gestão anterior à de Wajngarten, para fazer a campanha da reforma da Previdência, a maior e mais cara do governo em 2019.

A maior parte do dinheiro, no entanto, foi aplicada na segunda fase da ação publicitária, já na administração de Wajngarten.

Como noticiou a Folha, nessa etapa da campanha, o plano de mídia chancelado pela Secom excluiu a Globo nacional, líder de audiência, do grupo de emissoras contempladas com verbas, destinando o grosso dos recursos para Record e Band (clientes da FW), além do SBT (ex-cliente).

Houve compra de espaço apenas em praças regionais da emissora da família Marinho.

A AGU diz que, para atingir os objetivos de comunicação da campanha, não levou em consideração apenas o critério da audiência nacional. Caso o tivesse feito, a Globo ficaria com 52,8% do dinheiro destinado às TVs, e não 15,6%.

A decisão de excluí-la, segundo a AGU, seguiu o “princípio constitucional da economicidade, uma vez que os preços de veiculação na emissora superam os das concorrentes. Nesse cenário, os investimentos em TV poderiam ser tão altos que tirariam investimentos de outros meios”.

Além disso, defendeu a AGU, a estratégia permitiu que a campanha ficasse no ar por mais tempo. “As emissoras Band, Record, SBT, Rede TV! e TV Brasil apresentam deficiência de cobertura nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e a TV Globo apresenta melhor capacidade neste aspecto nas regiões mencionadas”, justificou.

Com a estratégia adotada, segundo a AGU, a campanha proporcionou “76,87% de alcance dos lares brasileiros”.

O órgão, no entanto, não informou à Justiça qual seria o impacto caso a Secom tivesse aplicado os mesmos recursos pelo critério da audiência nacional.

Reportagem da Folha mostrou que, nesse cenário, o público atingido seria maior. Cerca de 16 milhões de pessoas a mais (número superior à população da Bahia), poderiam ter visto os anúncios, segundo técnicos de publicidade de agências.

“A ilação de favorecimento a determinadas emissoras de televisão em detrimento de outras revela uma ausência completa de conhecimento sobre a publicidade institucional dos órgãos governamentais, tendo em vista que o plano de mídia corresponde à realização concreta da eficiência administrativa, no sentido de melhor alocar recursos com o objetivo de atingir com maior amplitude os fins a que se destina a atuação estatal”, afirmou a AGU.

O órgão afirmou também que Wajngarten não tem mais ingerência sobre a FW, embora detenha 95% de participação na empresa. A AGU argumentou que ele nomeou um administrador para substituí-lo, atendendo aos requisitos legais.

Disse ainda que, após assumirem os cargos públicos, o secretário e seu adjunto apresentaram declarações confidenciais de informações à Comissão de Ética Pública da Presidência, órgão que fiscaliza eventuais situações de conflito de interesses na alta administração federal.

Qual a polêmica envolvendo o secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten?

Como mostrou a Folha, Wajngarten recebe, por meio de uma empresa da qual é sócio, dinheiro de emissoras de TV e de agências de publicidade contratadas pela própria secretaria, ministérios e estatais do governo Jair Bolsonaro.

Desde que assumiu o cargo, o secretário teve pelo menos 67 reuniões com representantes de clientes e ex-clientes de sua empresa. Parte desses encontros exigiu viagens, e 20 foram custeadas com dinheiro público. Além disso, a agência Artplan, cliente da firma de Wajngarten, teve aumento de 36% nas verbas repassadas pela Secom desde que ele assumiu a secretaria.

Wajngarten acumula a direção da empresa com a chefia da Secretaria?

Formalmente, não. Dias antes de assumir o posto no governo, ele se afastou da direção da FW, mudou o contrato social e nomeou para gerenciá-la, em seu lugar, Fabio Liberman, seu amigo de infância. Porém manteve-se como sócio, com 95% das cotas.

O que Wajngarten afirmou à Comissão de Ética Pública da Presidência quando ingressou no governo?

Em documento enviado em maio de 2019, o secretário negou que, nos 12 meses anteriores, ele ou parentes seus exercessem atividades em áreas relacionadas às suas atribuições na secretaria, situação que suscitaria conflito de interesses. Também disse que nem ele nem seus parentes firmaram acordos ou contratos com empresas que desenvolvem atividades em área ligada às suas funções na Secom.

Por que essas informações são contraditórias?

A FW, da qual Wajngarten é acionista majoritário, tinha contratos havia alguns anos com Record, Band e agências que recebem recursos do governo e da própria Secom. Quando ele assumiu o cargo, a firma tinha contratos em vigor com essas empresas e ele tinha o direito a receber, como sócio, dividendos durante o exercício da função pública. Além disso, sua mulher é sócia de duas empresas do setor de publicidade, entre elas uma agência, e sua mãe é sócia da FW (ela tem 5% das cotas).

Por que o caso levanta questionamentos?

A lei de conflito de interesses (12.813/2013) obriga os integrantes do alto escalão do governo a detalharem dados patrimoniais e societários, assim como suas empreitadas empresariais e profissionais e a de seus familiares até o terceiro grau. É vedado aos agentes públicos manter negócios com pessoas físicas ou jurídicas que possam ser afetadas por suas decisões. Quem pratica tais atos está sujeito à demissão e a responder processo por improbidade administrativa.

O que diz Wajngarten?

Ele negou que haja conflito de interesses ou ilegalidades na sua atuação e disse que não está na Secom para fazer negócios. Em nota, a secretaria disse que não houve omissão de informações à Comissão de Ética Pública e que Wajngarten “cumpriu rigorosamente o que a legislação determina.

Folha