Investigadores tentam descobrir quem avisou miliciano
Foto: Reprodução
Perdeu, a gente sabe que você tá aí! Joga a arma pra fora”. Um PM do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Bahia afirmou, em depoimento, que foi assim que tentou fazer com que Adriano Magalhães da Nóbrega se rendesse, dentro de uma casa na área rural do município de Esplanada, a 170 quilômetros de Salvador. Atrás da parede de uma cozinha, o miliciano teria reagido com um tiro de pistola — e acabou levando dois, de fuzil. Para um grupo de autoridades que o monitorava, não se pode dizer que ele foi surpreendido pelo grito do policial. O objetivo, agora, é descobrir quem o avisou não só do cerco montado na manhã de domingo, mas das movimentações de investigadores para buscá-lo nas semanas que antecederam sua morte.
Autoridades estão convencidas de que Adriano, ex-capitão do Bope do Rio que era acusado de chefiar um grupo de matadores de aluguel, recebia informações privilegiadas da polícia do Rio. Essa hipótese ganhou força com um depoimento prestado no domingo à Delegacia de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) da Bahia por Leandro Abreu Guimarães, dono de uma fazenda na qual o suspeito ficou escondido. Ele revelou que, na véspera da operação em Esplanada, Adriano apresentou sinais de muito nervosismo enquanto recebia e enviava mensagens por um celular. Além disso, abandonou, às pressas, o local onde se abrigou por cinco dias.
Até o último sábado, o miliciano estava em uma das 12 casas da fazenda de Leandro. O fazendeiro, que foi preso porque policiais encontraram armas em sua propriedade, alegou ter sido obrigado a levá-lo para um sítio, localizado a aproximadamente oito quilômetros de distância. Ele contou ter sido ameaçado de morte por Adriano.
O sítio, que fica perto da BR-101, pertence ao vereador Gilson Dedé, do PSL, que disse nunca ter visto Adriano. Ele alegou que o imóvel foi invadido pelo miliciano. Dez policiais cercaram a propriedade e quatro se encarregaram de fazer a abordagem. Dois carregavam escudos à prova de bala, e a outra dupla segurava fuzis. O grupo afirmou que só abriu fogo depois que o miliciano atirou. Dois agentes de um serviço de inteligência do Rio foram à Bahia para dar apoio à operação.
Advogado de Adriano, Paulo Emílio Catta Preta disse no domingo que pediria uma apuração rigorosa da morte de seu cliente. Ele contou que, na terça-feira passada, durante uma conversa por telefone, o miliciano afirmou que poderia ser executado como “queima de arquivo”. Em nota, a Secretaria de Segurança da Bahia classificou sua declaração como “estapafúrdia”. Mesmo assim, a Corregedoria da PM do estado investiga o caso.
Adriano era o único dos 13 alvos da operação Os Intocáveis, desencadeada em 22 de janeiro do ano passado, que estava foragido. Em uma denúncia do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio, ele era apontado como chefe de um grupo de matadores de aluguel e de esquemas de agiotagem, grilagem de terras e venda de imóveis ilegais na Zona Oeste carioca.
Considerado um brilhante “caveira” do Bope, Adriano ganhou fama na PM. Antes de ser expulso por envolvimento com a contravenção, recebeu várias homenagens, inclusive de políticos. Após ser condenado pela morte de um guardador de carros, em 2005, o então deputado federal Jair Bolsonaro fez um discurso em sua defesa. Também recebeu, na Assembleia Legislativa (Alerj), uma moção de louvor e a Medalha Tiradentes por iniciativa de Flávio Bolsonaro, que, na época, era parlamentar da Casa.
A mãe e a ex-mulher de Adriano, Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa, respectivamente, trabalharam no gabinete de Flávio na Alerj. No mês passado, a família do miliciano foi acusada pelo Ministério Público de participar de um suposto esquema de “rachadinha” de salários. Raimunda e Danielle teriam transferido R$ 203 mil para Fabrício Queiroz, ex-assessor do hoje senador.
Em um comunicado, a defesa de Jair Bolsonaro e do filho Flávio disse que Adriano não tinha ligação com a família e destaca que ele foi homenageado quando era “ficha limpa e um herói da PM”.
O miliciano quase foi capturado duas semanas atrás em um condomínio de luxo na Costa do Sauípe. Ele, a mulher e as duas filhas estavam numa mansão quando uma equipe de investigadores chegou ao local. Adriano, que havia alugado o imóvel para comemorar seu aniversário, escapou por uma área de mangue, deixando para trás uma carteira de identidade falsa.
Também apreendidos por investigadores, outros dois documentos que eram usados por Adriano mostram que ele mantinha relações no mundo do samba. Por pelo menos dois anos (2016 e 2017), ele recebeu credenciais da Liga Independente das Escolas de Samba como diretor da Unidos de Vila Isabel. A suspeita é que tenha trabalhado como segurança de contraventores.
A diretoria da Vila Isabel informou que não tem controle das credenciais emitidas em gestões passadas. Já a Liga frisou que dados sobre a emissão dos documentos são de responsabilidade das escolas de samba.