PDT quer voltar a ser de esquerda
Foto: Adriano Vizoni/Folhapress
A diferença vai muito além da letra “h”, dizem os dirigentes do PDT (Partido Democrático Trabalhista) sobre a quase homônima da deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) que será lançada candidata à Câmara Municipal de São Paulo neste ano.
A aspirante a vereadora Thabata Ganga, 26, honrará a ideologia da legenda e assumirá a defesa dos trabalhadores, segundo a cúpula da sigla —a mesma que acusou a parlamentar de Brasília de fazer o oposto disso quando votou a favor da reforma da Previdência.
A “Tabata do bem”, como a novata em disputas eleitorais foi apelidada nos bastidores, simboliza uma demanda do PDT para o pleito de outubro: a de apresentar jovens comprometidos com a história do partido, cujas referências maiores são Getúlio Vargas e Leonel Brizola.
O plano é que 30% dos 83 postulantes a vereador na capital paulista tenham abaixo de 35 anos, formando a bancada da “juventude trabalhista”. Nas ruas e redes, eles deverão contar com o reforço do ex-presidenciável Ciro Gomes, que saiu da eleição de 2018 em terceiro lugar.
No grupo de pré-candidatos estão também o presidente da JS (Juventude Socialista, o núcleo de jovens do partido), Gabriel Cassiano, 23 —que atuou para filiar Amaral em 2018—, e Leticia Gabriella, 24 —que participou ativamente da campanha da hoje deputada, como assessora de comunicação.
Pupilo de Ciro, Cassiano agora se coloca como um “anti-Tabata”, no que diz respeito a alinhamento com a pauta trabalhista. Leticia é do bloco dos que se decepcionaram com a parlamentar que, aos 24 anos, foi a sexta mais votada do estado. Ela recebeu 264.450 votos (quase metade disso na capital).
Mesmo rompida com a sigla e em litígio judicial para tentar se desfiliar sem perder o mandato, a deputada deve pautar indiretamente a campanha municipal do partido.
Tida como símbolo de renovação da legenda, e rapidamente cotada pelos superiores para disputar a Prefeitura de São Paulo, Amaral caiu em descrédito para parte da esquerda ao se mostrar favorável à reforma previdenciária, no ano passado.
A chapa de candidatos a vereador passou então a ser tratada pelos pedetistas como uma oportunidade de reconciliação com a parcela do eleitorado frustrada pelo apoio da parlamentar à bandeira do governo Jair Bolsonaro (sem partido). O PDT não tem nenhum representante na atual legislatura da Câmara Municipal.
“Não gosto disso de ‘do bem’ ou ‘do mal’. Prefiro dizer que sou a ‘Tabata diferente'”, diz Ganga, ela própria uma eleitora arrependida de Amaral. A pré-candidata, no entanto, tem lá suas semelhanças com a original: além de ser mulher e jovem, atua na educação e usará esse tema e a ciência como motes de campanha.
Ex-militante do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) e engajada em causas estudantis, a engenheira biomédica se aproximou do PDT em 2018. Já no início, a coincidência do nome chamou a atenção e suscitou a ideia de encarar as urnas. Finalmente convencida, ela se filiou no início deste ano.
Uma ala chegou a defender que Ganga mudasse seu nome para concorrer ou usasse só o sobrenome. “Mas o Ciro me disse para não ter vergonha do meu nome e mostrar que eu não sou igual a ela”, conta. “Sou trabalhista e sou de esquerda.”
Segundo Cassiano, “o PDT entendeu que é hora de buscar [candidatos] dentro, e não fora”. Estudante de economia da PUC-SP e no partido desde 2017, ele é a principal aposta dos caciques pedetistas para a Câmara paulistana e tem reivindicado para si o papel de antagonista de Amaral.
Sua fala faz menção aos caminhos que a outrora correligionária percorreu para chegar à sigla. Fundadora do movimento Acredito, pró-renovação política, e aluna do RenovaBR, iniciativa privada para formação de candidatos, ela se filiou no limite do prazo da Justiça Eleitoral, em abril de 2018.
As organizações que a apoiaram foram depois culpadas pelo posicionamento adotado por ela na Previdência. Dirigentes da sigla chamaram as entidades de “partidos clandestinos” e abriram uma guerra. Amaral contestou a pecha e disse ter votado por convicção própria, baseada em estudos.
Cassiano, que se candidatou a deputado estadual em 2018 e teve 10.338 votos, também foi apadrinhado pelo RenovaBR. O programa se declara neutro, e o universitário diz que a participação não mudou seu pensamento. O PDT passou a impedir seus integrantes de entrar em iniciativas do tipo.
“Agora é hora de superar a Tabata, ver a medida do pacto dos novatos com o partido e ocupar o nosso papel de protagonismo”, anima-se o pré-candidato. “Ela não teve um compromisso coletivo com a esquerda.”
Leticia, que trabalhou na campanha de Amaral, se afastou dela após o pleito. “Ela foi considerada traidora, mas não houve um incentivo dos líderes do partido para fomentar ataques. Foi algo da militância”, afirma.
Negra e moradora da periferia, a estudante de direito e ativista da Educafro (ONG de educação de negros) se filiou à sigla em 2019. “Acredito que ela [Amaral] errou na Previdência. Foi uma medida que atingiu toda a classe trabalhadora”, critica.
O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, diz que a sigla teve “uma belíssima experiência” com Tabata, “que começou muito bem. Mas ela mudou a rota no meio do caminho, votou contra a sua própria origem”.
Lupi afirma que haverá um esforço para se certificar de que os novos candidatos estejam afinados com a legenda, embora o controle total seja impossível. “É muito difícil [prever um desvio]. Se existisse antídoto contra traição, nenhum casal se separaria no mundo.”
Procurada pela Folha, Amaral não quis comentar as articulações eleitorais do PDT na capital. Ela sempre falou que o partido foi sua escolha, sobretudo, pela preocupação com educação. O processo que move no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra a legenda terá a primeira audiência em 5 de março.
Na ação, em que alega perseguição, a parlamentar diz que sofreu um massacre por causa de sua posição; o PDT, por sua vez, a acusa de infidelidade partidária, sob a justificativa de que ela desobedeceu ao fechamento de questão (voto obrigatório) contra a reforma.
Caso a deputada saia vitoriosa, sua filiação ao Cidadania é dada como certa por dirigentes do partido. Amaral mantém silêncio sobre o eventual destino. Na eleição de São Paulo, ela apoiará candidatas egressas do Vamos Juntas, movimento que criou para estimular a presença feminina na política.
Redação com Folha