Petra é a voz da mulher no cinema brasileiro
Foto: Divulgação/Diego Bresani
Há algo sobre feminismo a ser notado no cinema e na política contemporâneos, e Petra Costa, o rosto brasileiro no Teatro Dolby, em Los Angeles, nesta noite de Oscar 2020, é o melhor personagem do momento para falarmos disso.
A diretora, aos 36 anos, ostenta um grande mérito, independentemente do que pense qualquer cidadão brasileiro sobre sua produção, incluindo o comunicador Pedro Bial, que teceu severas críticas à obra e até foi além, reclamando do tom de voz da cineasta no longa: Petra tem uma indicação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood ao mais tradicional prêmio da indústria cinematográfica.
Apesar disso, e de o documentário dirigido por Petra, “Democracia em Vertigem”, ser a única produção do país concorrendo a uma estatueta neste ano, foi o tom de voz dela, a sua posição política e a sua forma de existir no mundo do cinema que repercutiram na semana pré-Oscar. Esqueçam as bolsas de aposta sobre vencer ou não o Oscar de “Melhor Documentário”, as discussões sobre se o longa “corre por fora” ou se é bem cotado. Isso fica para o futuro, quando a indústria audiovisual e o Brasil forem menos sexistas.
Por ora, a gente ainda acorda com uma entrevista de um dos jornalistas mais conhecidos do país reduzindo uma diretora indicada ao Oscar à imagem de uma mulher que quer agradar à mãe (“É uma menina querendo dizer para a mamãe dela que ela fez tudo direitinho, que ela está ali cumprindo as ordens de mamãe, a inspiração de mamãe”), e encerra o expediente com a Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro afirmando, em contas oficiais nas redes sociais, que Petra Costa é uma “militante anti-Brasil”.
Foi esse o roteiro da segunda-feira, 03 de fevereiro. É importante dizer que são coisas bem diferentes, antes que alguém deduza que digo Pedro Bial é bolsonarista. Mas os dois fatos são sinais dos tempos em que homens, em posição de privilégio e de poder, precisam assistir a mulheres livres e também em posição de poder, escreverem a história, inclusive a do Brasil, da forma como elas a observam, e não como eles acreditam que seria o ideal. Parece que ainda não agrada.
“Uma crítica séria pode te fazer querer ver o filme. Mesmo que seja uma crítica desfavorável, se for séria e você se interessa pelo assunto abordado no filme, você pode querer assistir, mas quando a opinião do Pedro Bial vem com essa carga, é quase como se ele dissesse ‘não veja esse filme, dessa menina boba’”, afirma Manoela Miklos, feminista das mais atuantes no país. “O filme de João Moreira Salles, sobre Maio de 68 [No Intenso Agora/2016], tem um formato parecido. Tem narração dele em off, é uma leitura que ele faz sobre aquele período histórico, e acho engraçado que não tem um Pedro Bial para dizer que a voz do João é chata. Se houver alguma crítica, não será sobre o João”, destaca Miklos, evidenciando uma questão de gênero.
Petra, que neste domingo, apesar dos ataques, provavelmente será a brasileira mais comentada no mundo, fez um filme com uma equipe majoritariamente feminina. Em entrevistas diversas que deu desde que “Democracia em Vertigem” foi lançado no Netflix, ela fez questão de citar nomes de quem esteve no front: Carol Pires, Moara Passoni, Antonia Pellegrino e Daniela Capelato no roteiro. Abigail Anketell, Alice Lanari e Mariana Oliva na produção.
Tina Baz, Karen Harley e Jordana Berg na montagem. Mariana Melo e Karen Gronich na assistência de direção. Isso, que parece detalhe, é uma outra forma de fazer cinema, desde os bastidores. É sobre não apagar a contribuição de mulheres, que na história do cinema já trabalharam para que tantas vezes homens colhessem os louros sem dar os devidos créditos.
Petra, que em entrevistas expõe sua opinião sobre o Governo Bolsonaro, é uma mulher que pode opinar politicamente para uma emissora estrangeira, pois conquistou seu lugar de fala com o seu trabalho.
Nada disso faz o documentário dirigido por Petra estar acima de críticas – e isso não é uma reivindicação da cineasta ou de mulheres feministas. Mas tudo isso, sem dúvida, faz dela uma mulher que ainda destoa dos padrões dominantes da indústria cinematográfica. Petra é exceção, ainda.
Validada pela Academia, ela chega ao tapete vermelho neste Oscar 2020 como representante do cinema onde mulheres brasileiras – mesmo que ainda as da elite – têm vez, voz e não trabalham sob padrões validados apenas por homens. Se conquistar a estatueta, terá também o nome em destaque na história.