Viúva de Adriano pode ajudar nas investigações
Foto: Arquivo pessoal
Uma mulher que ocupou cargos na Assembleia Legislativa do Rio, no governo do estado e na prefeitura é considerada peça-chave para esclarecer como o ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) Adriano Magalhães da Nóbrega ficou foragido por um ano, mantendo uma vida de luxo. Viúva do miliciano, Júlia Emília Mello Lotufo, de 28 anos, é suspeita de levar para o marido o dinheiro da contravenção e da milícia de Rio das Pedras, que o manteve tanto tempo longe do radar da Polícia Civil. Mas foi ao monitorá-la que os investigadores chegaram a Esplanada, na Bahia, onde o bandido acabou sendo morto por policiais militares.
Assim como a mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães, e a ex-mulher dele, Danielle Mendonça, que foram assessoras parlamentares no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, Júlia trabalhou na Alerj na mesma época. Em 31 de agosto de 2016, o presidente da Casa à época, Jorge Picciani, a nomeou para exercer o cargo em comissão de assistente VII, na Subdiretoria-Geral de Recursos Humanos. Ela ganhou R$ 3,5 mil até 10 de julho de 2017, quando foi exonerada. Raimunda e Danielle só saíram do Legislativo em novembro de 2018, pouco antes da Operação Intocáveis, que combateu a milícia de Rio das Pedras, em janeiro do ano passado. Adriano, um dos principais investigados, iniciou a fuga na ocasião.
Por intermédio de seu advogado, o ex-deputado Jorge Picciani afirmou não conhecer Júlia e disse que todos os atos de nomeação são assinados pelo presidente em conjunto com o primeiro secretário.
Júlia era uma funcionária assídua até o início de julho, quando faltou durante uma semana sem justificativa. Cobrada, alegou que precisava estudar e que não se importava em ser exonerada, o que aconteceu em seguida. Ela também disse que estava em Sergipe, estado onde policiais do Rio já buscavam informações sobre Adriano. O ex-capitão tinha no estado nordestino uma equipe de competição em vaquejadas, chamada Dakar, com registro na Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador.
Após a exoneração, a Alerj abriu um processo administrativo contra Júlia, porque ela não apresentou o comprovante de frequência escolar da filha. O documento deve ser entregue a cada seis meses para justificar o recebimento do auxílio-educação. Ela também nunca requereu à Assembleia o pagamento das parcelas do 13º salário e das férias a que tinha direito. Simplesmente, desapareceu.
A primeira passagem de Júlia pelo serviço público ocorreu antes, quando ela tinha 21 anos. Em agosto de 2012, foi nomeada por Régis Fichtner, então chefe da Casa Civil do governo Sérgio Cabral, para exercer o cargo em comissão de assistente no Depósito Público do Estado do Rio, onde ficou quase sete meses. Procurado, Fichtner não foi localizado.
Durante um mês e meio, Júlia acumulou duas matrículas. Em resolução de janeiro de 2013, ela foi nomeada pelo então chefe da Casa Civil da prefeitura do Rio, Pedro Paulo Carvalho Teixeira, para exercer o cargo em comissão de assessor I. Ela deixou a Secretaria municipal da Casa Civil em dezembro do mesmo ano. Pedro Paulo não quis falar sobre o caso.
Mesmo com Adriano já foragido, Júlia tentou manter a rotina de uma família. No fim do ano passado, ela organizou as férias num condomínio de luxo da Costa do Sauípe, na Bahia. O imóvel foi alugado de meados de dezembro até 5 de fevereiro, por mil reais a diária. Um bom preço para o pacote, uma vez que o valor chega a R$ 2 mil por dia.
— Ele era o vizinho que todo mundo quer. Respeitava a lei do silêncio, não colocava música alta e era cordial. Ia para a praia quase todos os dias. Estilo low profile — comentou um dos vizinhos.
Um dos administradores do empreendimento revelou que quem cuidou do aluguel foram Júlia e uma outra mulher.
— Quem vai desconfiar de uma família com duas meninas e um animal de estimação? Verificamos todos os documentos. Estava tudo certo. Só soubemos de quem se tratava depois que a Polícia Civil do Rio esteve aqui — disse o funcionário que cuidou da locação.
A temporada no resort parecia ser um momento especial para o ex-capitão do Bope. Ele comemorou o aniversário de 43 anos no dia 14 de janeiro, com todo conforto. Empregados foram contratados para cuidar do jardim e da limpeza da mansão com quatro suítes e piscina privativa. Ao escolher a casa, Adriano teve o cuidado de alugar uma nos fundos, que dava para um rio. Foi por ali que ele fugiu em 31 de janeiro, quando a Polícia Civil do Rio cercou o condomínio. Júlia suspeitou de um carro quando ia para a praia e avisou o marido a tempo.
Dali, o miliciano foi para Esplanada, a 170 quilômetros de Salvador, onde se escondeu até 8 de fevereiro. Júlia voltou para o Rio, mas, como de costume, tentou despistar a polícia pegando a BR-101, com destino a Pernambuco, onde pegaria um voo. Mais uma vez, ela viu a polícia. Só que eram agentes da Polícia Rodoviária Federal, que revistaram o carro dela na Avenida Régis Bittencourt (BR-116). De imediato, ela avisou o marido, que trocou de esconderijo na mesma noite. Mas, no dia seguinte, ele acabou sendo localizado e morto.