Bolsonaro esvazia gabinete de crise que ele mesmo criou
Foto: Isac Nóbrega/Divulgação Presidência
A intempestividade do presidente Jair Bolsonaro e seu perfil centralizador têm esvaziado o Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19. Bolsonaro tem concentrado em si os anúncios de ações do governo de combate ao novo coronavírus.
O colegiado, criado no dia 16, perdeu a função consultiva para o qual foi formado. O esvaziamento do grupo foi sentido na semana passada, quando deixou de ter a atuação direta de ministros e passou a ser gerido por auxiliares com a criação do CCOP (Centro de Coordenação de Operações).
No sábado (28), os ministros cobraram de Bolsonaro a necessidade de ter uma única voz para guiar para dentro e para fora as medidas contra a pandemia.
No mesmo dia, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, sugeriu ao presidente um comitê de crise com poderes, a exemplo do que fez Fernando Henrique Cardoso durante o apagão elétrico em 2001.
Três episódios nas últimas duas semanas deixaram claro para técnicos e ministros ouvidos pela Folha que o colegiado perdeu força.
Um exemplo é a campanha de publicidade #OBrasilNaoPodeParar, que acabou não circulando oficialmente após críticas e por decisão judicial.
O governo produziu um vídeo de duração de um minuto e meio em que são mostradas imagens de trabalhadores com o slogan de que o país não pode ser paralisado diante da pandemia.
A campanha não foi discutida pelo comitê, que conta inclusive com um representante da Secom (Secretaria de Comunicação Social). Após a publicação de reportagens sobre o vídeo, a Secom divulgou uma nota negando a existência da campanha.
Outro exemplo de ação tomada à margem do colegiado foi o pronunciamento à nação feito por Bolsonaro na terça (24), no qual defendeu a reabertura de comércios e escolas. O texto foi elaborado com a ajuda dos filhos do presidente, em especial do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Insatisfeito com a condução da crise, o presidente, além de alterar as decisões técnicas tomadas pelo comitê, passou a exigir ter a palavra final sobre todas as deliberações tomadas. A centralidade atinge até as orientações do Ministério da Saúde.
No sábado, o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e outros sete membros do primeiro escalão foram a Bolsonaro pedir moderação e receberam uma sinalização positiva.
Menos de 24h depois, Bolsonaro passeou pelo comércio de Brasília e deu um recado. “Alguns querem que eu me cale. ‘Ah, siga o protocolo’. Quantos médicos não seguem o protocolo.”
Outro momento em que o comitê não foi consultado foi quando o presidente, na quarta (25), anunciou que iria determinar que a população adotasse o “isolamento vertical”, deixando apenas idosos e pessoas com doenças preexistentes fora do convívio social.
“A orientação vai ser o [isolamento] vertical daqui para a frente. Vou conversar com ele [Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde] e tomar uma decisão.”
Em entrevista à TV Bandeirantes, na sexta-feira (27), Bolsonaro foi questionado sobre a interferência no Ministério da Saúde. “Há um comandante no navio”, afirmou o presidente.