Congresso só votará matérias consensuais
Foto: Leo Pinheiro/Valor
O avanço do coronavírus no Brasil alterou a rotina e a pauta do Congresso Nacional. Antes com uma agenda de reformas no horizonte e propostas que exigiriam longos debates, os parlamentares devem agora concentrar tempo e energia para aprovar os projetos do governo para enfrentar a crise na saúde e seus efeitos na economia. Isso tudo num cenário em que os plenários e as salas das comissões não poderão ter aglomerações.
Na avaliação de integrantes da cúpula do Parlamento, a tramitação de propostas de emendas constitucionais fica prejudicada. Isso porque as PECs, como a do pacto federativo, precisam ser aprovadas em dois turnos em cada Casa do Congresso e com quórum qualificado. A privatização da Eletrobras também não sobreviveria num ambiente de fácil obstrução, acreditam. A proposta de autonomia do Banco Central também deve ficar para depois do enfrentamento da crise.
Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encaminhou áudio a parlamentares reforçando que os trabalhos serão mantidos, explicando que uma eventual suspensão assustaria ainda mais a sociedade.
“É claro que a gente não vai fazer sessão com 300 deputados no plenário. A gente só vai ao plenário se tiver acordo para votar matérias relacionadas ao coronavírus. Mas eu acho que o Parlamento não estar funcionando, neste momento onde ele é parte da solução, a sociedade vai ficar mais assustada ainda”, disse.
A ideia do presidente da Câmara é que apenas pautas de consenso sejam analisadas no plenário, após a realização de acordos costurados em reuniões com poucos participantes ou até mesmo em conversas por aplicativos de mensagens. Nos bastidores, Maia e Alcolumbre avaliam também criar um instrumento que permita que as votações ocorram de forma remota, para evitar “aglomerações” no plenário das Casas.
Há a expectativa de que a medida provisória que libera R$ 5,1 bilhões para o combate ao coronavírus seja analisada já nesta terça-feira pela Comissão Mista de Orçamento CMO). Segundo fontes, o objetivo é concluir a apreciação nas duas Casas ainda nesta semana. Relator da proposta, o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), não deve fazer alterações no texto para evitar uma tramitação arrastada.
Ao Valor, Maia reconheceu que a agenda econômica deve ficar em segundo plano até que as propostas emergenciais sejam votadas. “Eu sei que a gente garantir a aprovação da PEC emergencial até o fim do ano é fundamental. Eu não sei se aprová-la hoje é fundamental, já que é muito mais importante garantir recursos e que governo garanta junto com os Estados e municípios a estrutura de saúde pública para que a gente não [tenha] uma letalidade alta por falta de leitos”, disse.
Maia pondera que a agenda econômica, após a crise do coronavírus ser superada, voltará a ser encarada com prioridade. “Temos uma sinalização importante de que até o final do ano, depois de superado esse tempo de crise, vamos fazer todos os esforços para aprovar a PEC Emergencial, a autonomia do BC [Banco Central], a Lei de Falências. Nós não saímos da nossa agenda. Apenas estamos priorizando aquilo que todos os outros países estão priorizando: as soluções de curto prazo”, destacou.
Para ele, se a autonomia do Banco Central já tivesse sido aprovada, ela não garantiria necessariamente, neste momento de crise, a tranquilidade desejada pelos investidores.
“A autonomia do BC garante tranquilidade de médio e longo prazos para o investidor. Não é essa tranquilidade apenas que a gente precisa dar hoje. A gente precisa garantir a redução do pânico das pessoas no curto prazo”, disse. “Se você perguntar se a aprovação até o final do ano é uma boa sinalização, quando os mercados do mundo estiverem mais calmos, com certeza é. Hoje, eu não sei se ela é a matéria mais importante a ser votada”, avalia Maia.
Ele lembrou que a reforma tributária está avançada e relativizou eventuais atrasos na tramitação da proposta em função da priorização da agenda de combate ao vírus. “A gente ia votar em maio, agora vai votar em junho. Não é mais relevante isso. Estamos tratando de algo para 10, 20, 30 anos. Não são 30 ou 40 dias que vão mudar o nosso eixo de trabalho.”
Na avaliação dele, as pautas mais polêmicas devem ficar de lado enquanto a crise não é superada. “A pauta da questão do Orçamento impositivo, acho que é uma não pauta, porque ela não tem o impacto que tentaram vender para desgastar o Parlamento. É irrelevante hoje”, disse o presidente da Câmara.