Elas se dizem “Feministas de direita”
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Identificadas com o liberalismo, mulheres que lutam por igualdade de direitos e por maior participação feminina na sociedade consideram o 8 de Março, Dia da Mulher, uma data a ser celebrada, mas não nas manifestações de rua organizadas pela esquerda e dominadas por pautas desse campo político.
O diagnóstico de que o feminismo foi sequestrado pela esquerda e agora só prega para convertidos é comum entre elas —algumas até abandonaram o selo “feminista” por causa disso.
As liberais querem resgatar a origem do feminismo, da britânica liberal Mary Wollstonecraft (1759-97), quando a defesa da propriedade privada era uma de suas bandeiras e antes de o movimento se associar ao pensamento de esquerda. Hoje, o cenário é bem diferente.
“Se não é de esquerda, não está no lado certo da força”, resume a advogada Marina Zonis, 26, coordenadora em São Paulo do grupo Lola (Ladies of Liberty Alliance, Aliança das Mulheres da Liberdade em português). Fazem parte do Lola cerca de 300 mulheres em dez estados.
“O feminismo liberal é a linha do feminismo que todo mundo despreza, que só fala das brancas, que não acordou pra vida, que o pessoal considera desatualizado”, explica ela, enumerando as críticas que recebe.
Porém o Lola não se define como feminista, mas sim “um grupo de mulheres”, justamente porque nem todas aceitam o rótulo. Não é o caso de Zonis.
“Eu me considero feminista, mas eu sei que as outras feministas não gostam de mim (risos)”, afirma. “Tudo que eu li sobre feminismo, sobre igualdade de gênero, sobre direito à propriedade, sobre a mulher ter poder sobre si mesma, poder de voto, poder de representar umas às outras, acho que são coisas do feminismo”.
Karim Miskulin, 50, diretora-geral do Grupo Voto, empresa que fomenta a participação de mulheres na vida pública, também lista conquistas do feminismo: voto, a licença maternidade, leis contra assédio, lei Maria da Penha. Mas não se diz feminista.
“Houve uma distorção, as mulheres são muito seletivas nas suas causas e nos seus ídolos. A gente vê mulheres intituladas feministas que deixaram de lutar por direitos iguais entre homens e mulheres e passaram a ter um discurso quase de ódio aos homens, à família, ao livre mercado”, diz Miskulin.
Também liberal, a vereadora de São Paulo Janaina Lima (Novo), 36, diz que o feminismo “mais segrega do que agrega”. “A esquerda teve a audácia de se apropriar de algo que é uma discussão social, não ideológica”, diz ela.
“Hoje o que a gente vê são feministas radicais que usam essa pauta como arma política para defender aborto e questões caras somente para esquerda. Estamos perdendo a chance de falar com mais pessoas”, completa.
A vereadora, que trabalha em seu mandato a favor da licença maternidade, da primeira infância, do direito à creche, também rejeita o título.
“Esse feminismo não me representa. Como eu posso falar que vou aderir a uma pauta que me segrega? As liberais não têm voz. Então é porque a luta feminista não é pelos direitos das mulheres, a luta é pela pauta ideológica”, afirma.
Para elas, um exemplo disso é o mote do principal ato de 8 de Março convocado na Av. Paulista: “Mulheres contra Bolsonaro”.
“Ser contra Bolsonaro não é bandeira feminista, é bandeira política e ideológica. Acho lamentável o uso do 8 de Março pra fazer esse tipo de coisa”, diz Miskulin.
Na opinião da empresária, a efeméride poderia incentivar mais participação e exaltar grandes mulheres brasileiras. “Tem tanta coisa linda para comemorar nessa data”, declara.
Os grupos feministas que organizam o protesto contra o presidente da República argumentam que Bolsonaro e seu governo atacam as mulheres.
Miskulin, por sua vez, não faz oposição a Bolsonaro. “Ele acabou de nomear mais uma mulher, a Regina Duarte, então eu não vejo assim.”
Janaina Lima faz apoio crítico ao governo e diz condenar as falas do presidente que desrespeitam as mulheres. Já no Lola, a parte das mulheres avessas a Bolsonaro já é maioria.
“Ele está perdendo muito apoio, toda hora acontece alguma coisa”, diz Zonis, lembrando o episódio desta semana em que o presidente escalou um comediante para responder perguntas de jornalistas. Os ataques contra repórteres mulheres também são motivo. “Estávamos muito bravas, indignadas com esses ataques”, afirma.
Mesmo rejeitando Bolsonaro, Zonis não vai aderir ao protesto na av. Paulista. A advogada afirma ter certeza de que vão se repetir cenas vistas por ela em outros atos feministas, como distribuição de adesivos de Lula (PT) e gritos de “mulheres contra o neocapitalismo liberal”.
A ausência no protesto não significa que as liberais não celebrarão o 8 de Março a seu modo. O Lola, por exemplo, vai promover um aula de autodefesa no Paraná e também vai apoiar cursos de empreendedorismo feminino e de matemática financeira para mulheres. Nas redes sociais, elas apresentam mulheres que lutaram por liberdade ao longo da história.
Para além do Mês da Mulher, o grupo costuma debater em eventos maternidade e mercado de trabalho, leis e dificuldades da mulher empreendedora.
Miskulin lidera eventos e iniciativas de interlocução entre o mundo político e empresarial. Sua principal bandeira é que “as mulheres se organizem para serem protagonistas nas transformações do país”. No 8 de Março, o Grupo Voto apresentará nas redes sociais a trajetória e a atuação de suas quatro diretoras.
Janaina Lima também tem eventos especiais em março. Vai receber as cônsules mulheres de São Paulo e levar uma ONG que ensina programação para meninas a comunidades da cidade.
“Defendo a liberdade de todas as mulheres terem a sua opinião respeitada. Eu preciso discutir com uma mulher de visão oposta, mas ter a certeza de garantir o direito dela de falar”, diz a vereadora.
Zonis é cética quanto à possibilidade de uma marcha feminista que una esquerda e direita, mas vê pautas “que são de todas as mulheres”.
“As mulheres nunca vão concordar com tudo. Essa é a grande dificuldade do movimento feminista. É um movimento que se propõe a falar dos problemas de metade da humanidade, só que a metade da humanidade é um grupo muito grande”, diz.
Redação com Folha