Ex-ministro de Lula critica interferência de Guedes no câmbio

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Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Na véspera do dia em que o dólar atingiu faraônicos 4,66 reais, na quarta-feira 5, Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e atual secretario de Fazenda do estado de São Paulo, recebeu VEJA em seu gabinete no pomposo Palácio dos Bandeirantes, sede da gestão paulista. Em pauta, a atuação do BC para contornar a disparada das cotações da moeda americana — sobre a qual o ministro fez pouco caso. Para ele, a grande preocupação da instituição deveria se basear na assimilação do mercado sobre as cotações e, à instituição, caberia agir apenas em caso de riscos de liquidez — se a oferta ou a demanda por dólares forem atingidas. “O Banco Central não deve mirar na taxa, mas na liquidez. Se estiver bem, em funcionamento normal, não compete ao BC para controlar taxa. A ideia de que está muito alto ou baixo, sempre evitei essa discussão. O que é câmbio alto ou baixo? Do ponto de vista de quem? Quem é o interessado?”, disserta. “Na época em que o câmbio estava baixo, os exportadores reclamavam muito”.

Segundo ele, o câmbio já atingiu patamares muito mais altos. Apesar do câmbio nominal bater recordes atrás de recordes nas últimas semanas, os valores não levam em a inflação. Meirelles rememora o temor envolvendo uma possível eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, às vésperas do pleito presidencial de 2002. “Em 2002, no final do governo do Fernando Henrique, quando o Lula começou a liderar as pesquisas, a taxa de câmbio chegou a 3,96 reais. Atualizando-se isso para hoje, dá em torno de 7,50 reais. O câmbio já esteve em patamares muito mais altos do que hoje — inclusive quando eu assumi a instituição”, relembra. De acordo com Meirelles, que presidiu a instituição durante a gestão do petista, o Banco Central deve atuar, pura e simplesmente, para manter a inflação controlada.

Ministro da Fazenda durante o governo de Michel Temer, Meirelles crava sobre as falas recentes do ministro da Economia sobre câmbio — e empregadas domésticas: autoridades não falam sobre o trabalho do Banco Central. “Evidentemente, uma das coisas que defendi sempre como presidente do Banco Central é que autoridades, principalmente ministros da Fazenda ou da Economia, não opinem sobre o que a instituição faz ou deveria fazer. Eu tinha essa opinião como presidente do BC e como ministro da Fazenda (risos). O Banco Central está agindo de forma autônoma e sabe o que está fazendo, tem sua política em relação a isso”, vaticina. Depois da fala do ministro, o Banco Central teve que agir para controlar o voo da moeda americana, por perceber uma alteração artificial no mercado depois da manifestação abjeta.

O remédio é outro. Como VEJA aborda na edição desta semana, descansa na gaveta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um projeto de lei que formaliza a autonomia do Banco Central, estipulando mandatos para presidentes e diretores e eximindo a minima percepção de que o Executivo mantém qualquer influência sobre uma instituição independente. Segundo Meirelles, o mercado faria pouco caso da fala de Guedes se a autonomia da instituição estivesse formalizada por lei. “Seria simplesmente a opinião de um ministro, não a opinião de alguém que, em última análise, é visto como responsável pelo assunto porque o Banco Central não é autônomo”, explica.

Ele defende que a desvinculação do poderio da gestão monetária do país afastaria influências de cunho político e permitira ao BC atuar de forma estritamente técnica. “A independência é multifacetada: a ideia de que interessa ao Executivo manter uma incidência sobre o Banco Central é equivocada. Políticos passam a ser responsáveis por decisões que, eventualmente, podem ser impopulares. Evidentemente, o interesse do político deve ser essencialmente político, enquanto as decisões do Banco Central têm de ser estritamente técnicas”, analisa ele.

Para elencar o atraso do Brasil na discussão da questão, o secretário rememora as histórias da estipulação da autonomia das instituições monetárias ao redor do mundo. “A autonomia do Banco Central é uma decisão consagrada na maior parte dos países relevantes. O Federal Reserve, o Banco Central americano, é autônomo desde 1913. O último a adquirir sua autonomia, além do Brasil, foi o Bank of England, em 1964”. Prova do quanto estamos atrás.

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