Família Bolsonaro tenta desviar atenção

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Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Pesquisador da política externa do Brasil e da China, o coordenador da pós-graduação em relações internacionais da FGV-SP, Oliver Stuenkel, avaliou a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre a origem do coronavírus como estratégia para “entreter seguidores” e manter mobilizado “ o núcleo duro do bolsonarismo”.

A declaração de Eduardo Bolsonaro tem potencial para virar uma crise diplomática?

A declaração repercutiu no debate público chinês, isso é fato. Lá, há uma percepção de que esse tipo de posição faz parte de um racismo, de uma tentativa de se criar um estigma contra o povo. Há preocupação de que cidadãos chineses que vivem no exterior possam sofrer ataques em função da pandemia. Eles temem que esse preconceito contra a China, sempre latente, ganhe força. Mas não acredito que esse comentário, apesar de ter partido do filho do presidente, possa provocar uma crise diplomática. A resposta do embaixador chinês é preocupante porque foi dura, mas simbólica, porque mostra que a China está mais combativa.

Essa postura de Eduardo visa a um alinhamento com os EUA?

A retórica anti-China é relevante para os Estados Unidos. Vale lembrar que um dos pedidos do presidente Donald Trump a Jair Bolsonaro é que o Brasil faça mais para limitar a influência da China na América do Sul. Mas é claro que não basta esse comentário do Eduardo. O que os Estados Unidos querem são posturas mais duras do Brasil em relação à China, como não permitir a entrada da Huawei no leilão do 5G. Mas, certamente, cria um inimigo em comum, o que pode ser muito importante nas próximas semanas, que serão muito difíceis em função do coronavírus. Trump também desvia a atenção da população à resposta do governo diante da pandemia e foca em teorias da conspiração, que são muito mais prevalentes entre a população brasileira do que parece. Com isso, Bolsonaro ainda mobiliza seus seguidores mais radicais.

No que mais os governos Trump e Bolsonaro se aproximam nessa crise?

Tanto Trump como Bolsonaro tentam politizar a crise, abordando assuntos que não necessariamente têm relação com ações de combate ao vírus. Outro ponto em comum é que Trump também não segue à risca as orientações de sua própria equipe. Vamos combinar que chamar o vírus de “chinavírus” não ajuda na estratégia americana de proteger a população. É a mesma contradição que notamos no Brasil. Um dia Bolsonaro discursa de acordo com especialistas, no outro diz alguma coisa que é menos alinhada. A diferença que é existe percepção clara da ala econômica de que a conduta de Bolsonaro assusta investidores.

A estratégia de Bolsonaro, de desviar o foco do debate, tem qual objetivo?

É uma estratégia muito clara, de reduzir as discussões sobre temas não confortáveis ao governo. Às vezes, isso ocorre até para preencher um espaço que se abre no debate público, não apenas para desviar o foco de um assunto que precisa ser evitado, mas para somente entreter seus seguidores. Então, se ofende uma autoridade ou se faz algo inédito. Oferecer essa diversão é importante. A intenção é evitar uma desmobilização do núcleo duro do bolsonarismo. Acho que o comentário do Eduardo faz parte disso. Ele foi criticado por muita gente, mas encontrou respaldo até mesmo entre moderados.

Estadão