Governadores isolam Bolsonaro de vez
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
O presidente Jair Bolsonaro redobrou a aposta, nesta quarta (25), de minimizar a crise da pandemia do novo coronavírus e tentar abrandar a política de isolamento e distanciamento social adotada no país devido à doença.
Com isso, ganhou a oposição aberta de antigos aliados —como do governador goiano, Ronaldo Caiado (DEM)— e críticas generalizadas no Congresso, além de ter seus pedidos ignorados pelos chefes de Executivo dos estados.
Também se envolveu em um duelo verbal com o paulista João Doria (PSDB), seu maior antagonista no debate sobre a condução da emergência.
Na terça (24) à noite, Bolsonaro havia feito um polêmico pronunciamento em rede nacional no qual voltou a chamar a Covid-19 de “gripezinha”.
Também criticou medidas de isolamento social, como fechamento de escolas e de comércio, a principal recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) para tentar conter a propagação do vírus.
A fala de Bolsonaro foi repudiada por políticos e autoridades sanitárias, porque vão contra os principais exemplos disponíveis no combate à doença no mundo.
Na manhã desta quarta, ele voltou a criticar governadores pela restrição de movimentação de pessoas e defendeu que haja isolamento apenas para aqueles do chamado grupo de risco, como idosos e portadores de comorbidades.
“Vou conversar com ele [Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde] e tomar a decisão. Cara, você tem que isolar quem você pode. Você quer que eu faça o quê? Eu tenho o poder de pegar cada idoso e levar para um lugar? É a família dele que tem que cuidar dele no primeiro lugar”, afirmou Bolsonaro.
Os apelos do presidente acentuaram uma mudança de tom no discurso de Mandetta, mas não foram atendidos pelos chefes de Executivo dos estados, que se reuniram à tarde por videoconferência organizada por Doria e decidiram manter a política de medidas restritivas.
Além disso, divulgaram carta pedindo que Bolsonaro assuma suas responsabilidades de liderança na crise do coronavírus e sugeriram medidas para mitigar impactos econômicos imediatos da pandemia.
O tucano Doria, um dos principais presidenciáveis especulados para 2022, esteve no centro da crise.
Pela manhã, participou com outros governadores do Sudeste de videoconferência com Bolsonaro e ministros. Nela, Doria criticou o discurso do presidente e apresentou demandas comuns dos governadores.
Bolsonaro retrucou agressivamente, acusando o tucano de ser “leviano” e de ter sido eleito em 2018 de carona em sua popularidade, só para depois buscar protagonismo para tentar ser presidente da República em 2022.
“Subiu à sua cabeça a possibilidade de ser presidente do Brasil. Não tem responsabilidade. Não tem altura para criticar o governo federal”, disse o presidente ao tucano. “Se você não atrapalhar, o Brasil vai decolar e conseguir sair da crise. Saia do palanque”, afirmou Bolsonaro.
A altercação ocorreu depois de uma consideração de Doria no encontro: “Peço que o senhor tenha serenidade, calma e equilíbrio. Mais do que nunca, o senhor precisa comandar o país”.
A intervenção do tucano foi calculadamente pausada, sem alteração no tom de voz, dentro da tática de diferenciação entre ele e o presidente na condução da crise. Já Bolsonaro respondeu aos berros.
“Não aceito em hipótese nenhuma essas palavras levianas, como se vossa excelência fosse o responsável por tudo o que acontece de bom no Brasil”, disse Bolsonaro, ladeado pelos ministros Mandetta e Paulo Guedes (Economia).
“[Doria] acusa, levianamente, esse presidente que trabalha 24 horas por dia. Não aceitamos essa demagogia barata. Vossa excelência não é exemplo para ninguém. Senhor governador João Doria, faça sua parte”, finalizou, questionando se o tucano tinha permissão para agir como “porta-voz dos governadores”.
No final da manhã, o governador paulista postou no Twitter sua versão dos fatos. Disse que apresentou suas propostas na exposição inicial. “Recebi como resposta um ataque descontrolado do presidente. Ao invés de discutir medidas para salvar vidas, preferiu falar sobre política e eleições. Lamentável e preocupante”, escreveu.
Ainda no ambiente das redes sociais, o filho presidencial Carlos, vereador no Rio e gestor da estratégia digital do pai, disse que Doria “se coloca de vítima diante do óbvio”. Voltou a chamá-lo de “isentão” e “Macron brasileiro”, em referência ao presidente francês, Emmanuel Macron.
Antes, o tucano insistiu que não deve haver confisco de respiradores mecânicos para casos graves da Covid-19.
“Não é hora aqui de termos questões burocráticas impedindo a aceleração da importação de equipamentos e insumos necessários à saúde pública. Peço ao ministro da Saúde, aí a seu lado, que compreenda que São Paulo é o epicentro da crise. Não confiscar respiradores. Se essa decisão for mantida, informo que tomaremos as medidas necessárias no plano judicial”, afirmou Doria.
Isolado politicamente, Bolsonaro foi às redes sociais na noite desta quarta-feira e afirmou que “fazer politicagem num momento como esse é coisa de covarde”.
“É mais fácil fazer demagogia diante de uma população assustada do que falar a verdade. Isso custa popularidade. Não estou preocupado com isso!”, escreveu Bolsonaro. “A demagogia acelera o caos.”
Mesmo nas fileiras governistas houve dissonâncias em relação ao que prega o presidente.
O pronunciamento de Bolsonaro na terça teve reparos de seu próprio vice, o general Hamilton Mourão, que fez a defesa do isolamento social.
“A posição do nosso governo por enquanto é uma só: isolamento e distanciamento social. Isso está sendo discutido e ontem o presidente buscou colocar e pode ser que ele tenha se expressado de uma forma, digamos assim, que não foi a melhor”, disse Mourão.
Segundo ele, a intenção de Bolsonaro no pronunciamento era demonstrar a preocupação com a economia.
“O que ele buscou colocar é a preocupação que todos nós temos com a segunda onda, como se chama nesta questão do coronavírus. Nós temos uma primeira onda, que é a saúde, e temos uma segunda onda, que é a questão econômica.”
O debate de medidas sanitárias para tentar conter a crise e o risco de recessão tem dominado o debate público sobre o coronavírus, não só no Brasil.
Segundo pesquisa do Datafolha publicada no domingo (22), 73% dos brasileiros apoiam medidas de quarentena contra a pandemia.
Nesta quarta, pelo nono dia seguido, Bolsonaro voltou a ser alvo de panelaços em grandes cidades do país —impulsionados pela conduta do presidente na crise do coronavírus.
O discurso do presidente de minimizar a Covid-19 foi rebatido pelo diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom Ghebreyesus, que, em entrevista ao UOL, disse: “Em muitos países, as UTIs estão lotadas e essa é uma doença muito séria”.
Na entrevista desta quarta, o presidente voltou a falar que as ações de governadores prejudicam a economia e podem criar um ambiente de caos no país, o que, segundo ele, pode gerar saques a supermercados e instabilidade democrática.
Ele citou a esquerda e deu os protestos do Chile como exemplo. “O que precisa ser feito? Botar esse povo para trabalhar, preservar os idosos, preservar aqueles que têm problema de saúde. Mais nada além disso. Caso contrário o que aconteceu no Chile vai ser fichinha perto do que pode acontecer no Brasil”, disse.
“Se é que o Brasil não possa ainda sair da normalidade democrática que vocês [imprensa] tanto defendem”, afirmou.
Ao ser questionado sobre o tema, o presidente disse que o risco de um rompimento democrático viria da esquerda. “Não é da minha parte não, fique tranquilo.”
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na sua fala aos governadores, disse que o governo parece “esticar a corda” em temas legislativos, como se quisesse forçar parte da sociedade a “ir à rua”.
Bolsonaro afirmou ainda que, se a economia colapsar, não haverá recursos para pagar servidores públicos. “O caos está aí, na nossa cara.”
A crispação do dia foi acentuada pelo anúncio de Caiado e do governador Comandante Moisés (PSL-SC), aliado antes desconhecido eleito na onda bolsonarista, de rompimento com o Planalto.
A crítica também veio de Maia, que sugeriu, em fala na reunião de governadores, que a pressão contra o isolamento social vem do mercado financeiro, que busca evitar mais perdas. Ele elencou críticas ao modo com que Bolsonaro lida com a crise. Na véspera, um portador do coronavírus, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também atacou o presidente.
Na fala pela manhã, Bolsonro havia dito que “alguns poucos governadores e prefeitos” estão cometendo “um crime”, “arrebentando com o Brasil e destruindo empregos”.
Para Bolsonaro, Doria e o também governador Wilson Witzel (PSC-RJ) fazem “demagogia barata” para se colocarem como “salvadores da pátria” e “esconder problemas”.
Ele disse que, depois, não adianta os líderes estaduais pedirem GLO (operações de Garantia da Lei e da Ordem, das Forças Armadas) ao governo federal para conter problemas em seus territórios.
“Eu queria que ele [o coronavírus] não matasse ninguém, mas outros vírus mataram mais do que esse e não teve essa comoção toda”, disse.
Bolsonaro disse ainda que seu apelo para que o país volte à normalidade está alinhado à estratégia do presidente dos EUA, Donald Trump, seu modelo ideológico. O americano defendeu recentemente o fim das medidas de isolamento em seu país até a Páscoa.
Por último, o mandatário brasileiro foi questionado sobre as críticas que recebeu. “Fui criticado por quem? Por quem nunca fez nada pelo Brasil? Estou muito feliz com a crítica”, disparou.