Licitação de kits escolares recebeu oito acusações de fraude
Foto: Dida Sampaio/Estadão
A licitação do Ministério da Educação (MEC) para comprar ao menos 3 milhões de kits escolares para estudantes foi marcada por denúncias de fraude e favorecimento. A concorrência foi vencida pela Brink Mobil, empresa com histórico de suspeitas de irregularidades acusada no fim do ano passado de fazer parte de um esquema que desviou R$ 134,2 milhões de dinheiro público do governo da Paraíba. Como revelou o Estado, mesmo informada sobre as investigações, a pasta manteve o negócio.
Ao todo, oito recursos foram apresentados, por três empresas diferentes, no processo de compra do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão ligado ao MEC responsável pelo contrato. As concorrentes acusaram a Brink de obter informações privilegiadas sobre o certame e de o edital ter sido direcionado para beneficiá-la.
Weintraub
O ministro da Educação, Abraham Weintraub Foto: Dida Sampaio/Estadão (19/11/2019)
Sem obter sucesso nos recursos apresentados à pasta, as empresas recorreram ao Tribunal de Contas da União (TCU). Em decisão colegiada, a Corte de Contas rejeitou mandar cancelar a licitação vencida pela Brink, mas determinou ao MEC que mudasse as regras das próximas concorrências que tratassem da compra de kits escolares para evitar suspeitas de favorecimento.
Nos recursos, o principal argumento das empresas é de que o MEC descumpriu a lei ao analisar o conjunto dos preços do kit escolar, composto por caderno, lápis, borracha, tesoura, entre outros itens, em vez do valor unitário. Este fator, segundo elas, levou à desclassificação das concorrentes, mesmo tendo apresentado proposta vantajosa em algum dos componentes.
“É perceptível o esforço praticado para que a Brink Mobil se sagrasse vencedora. O ocorrido neste certame é singular, pois a Administração Pública será onerada, enquanto poderia receber os itens por valores menores, principalmente pelo instrumento convocatório indicar claramente que os pedidos serão realizados pelos Órgãos Participantes, que ‘montarão’ seus kits de material escolar de acordo com suas necessidades”, afirmou a EBN Comércio, Importação e Exportação, uma das empresas desclassificadas na licitação.
Outra concorrente, a All Stock, por sua vez, reclamou ao FNDE que não houve informações prévias sobre as estimativas de preços unitários dos itens que compõem o kit. Assim, as empresas que participaram da concorrência ficaram sem ter um parâmetro antes de apresentarem suas propostas. Por outro lado, acrescentou, todos os valores apresentados pela Brink eram idênticos a essas estimativas, reveladas publicamente apenas depois de os envelopes com a proposta de cada empresa serem abertos.
As empresas questionaram ainda o fato de o FNDE não exigir que a Brink, antes de assinar o contrato, baixasse o preço dos itens que as concorrentes venderiam mais barato. Essa prática é prevista na lei de licitações. “O argumento de que se estaria se buscando a economicidade, então, não faz qualquer sentido”, argumentou a All Stock.
A Papelaria Tributária, a exemplo da Stock, também ingressou com recurso alegando que a Brink foi beneficiada no edital. A empresa comparou sua planilha de preço com a da concorrente e concluiu que, ao contratar a Brink, o FNDE estaria gastando R$ 4 milhões a mais com a compra de caderno de desenho.
A Brink, por sua vez, rebateu ponto a ponto as acusações das concorrentes. Alegou, principalmente, ser vítima de perseguição. “Razões aduzidas pela recorrente são deveras infundadas e improcedentes, demonstrando a vontade da recorrente de meramente tumultuar e retardar o presente certame licitatório”, afirma ela em resposta a um recurso protocolado pela All Stock. Os argumentos foram aceitos pelo FNDE, que manteve a licitação.
O TCU, por sua vez, recomendou ao órgão que reavalie a metodologia do pregão para as próximas aquisições de materiais escolares, devendo analisar a necessidade de reduzir os riscos de aceitar uma proposta menos vantajosa.
O acórdão do tribunal ainda define que o ministério deverá aceitar propostas por tipo de kit escolar, e não por itens que o compõem, como foi feito na ocasião. A pasta deverá passar a divulgar, no edital, os preços estimados e as vantagens da não divulgação, devendo demonstrar, quantitativamente, os ganhos esperados com a alternativa escolhida, além de outras medidas.
O Estado perguntou ao Ministério da Educação se essas orientações serão cumpridas, mas a pasta não respondeu até a publicação desta notícia.
Após o Estado noticiar que o contrato foi fechado com a empresa acusada de corrupção, o Ministério Público que atua no TCU solicitou à Corte apuração de indícios de irregularidades na contratação. Na representação, o subprocurador-geral Lucas Furtado disse que o MEC deveria ter cancelado a licitação e orientou prefeitos a não comprarem o kit da Brink, sob o risco de “adquirir materiais a serem fornecidos por empresas acusadas de corrupção”.
Ministro da Educação fez propaganda de kit escolar
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, divulgou pelo menos quatro vídeos nas suas redes sociais pedindo que prefeitos cobrem dos deputados a destinação de emendas parlamentares para a compra dos kits, que contêm lápis, caneta, borracha, giz de cera e outros itens. O volume da compra pode chegar a R$ 406 milhões.
O Estado mostrou que, mesmo tendo sido alertada de que a Brink Mobil e seu proprietário, Valdemar Abila, são acusados de envolvimento no esquema que desviou R$ 134,2 milhões de dinheiro público da saúde e da educação na Paraíba, o FNDE prosseguiu com a contratação da empresa.
A Brink foi alvo da Polícia Federal e do Ministério Público da Paraíba na Operação Calvário II, que prendeu o ex-governador Ricardo Coutinho. Delatores relataram que Abila enviava propina de Curitiba para a Paraíba em avião fretado. Coutinho e Abila foram denunciados em dezembro pela Procuradoria. Não houve condenação.
Após a publicação da reportagem, Weintraub disse no Twitter que não poderia excluir a empresa do negócio sob risco de cometer crime. “A empresa ganhou a licitação e não estava condenada, não tenho como excluí-la (eu estaria cometendo um crime)”, escreveu. O MEC afirmou que o processo para a compra dos kits respeitou a legislação em todas as fases.
A Brink, por meio de nota enviada no fim de semana, afirmou que sua situação era regular no momento da contratação e que está colaborando com as investigações na Paraíba.
“A empresa paranaense Brink Mobil, que há mais de 30 anos cria, desenvolve e vende produtos educacionais, esclarece que não tem impedimento algum de participar de concorrências públicas em todo o território nacional por nunca ter sido condenada judicial ou administrativamente. Em relação ao citado envolvimento em possíveis irregulaidades no Estado da Paraíba, reitera que, desde o primeiro momento, está à disposição da Justiça, mas que não responde a nenhuma acusação de superfaturamento ou fraude naquele Estado”, diz a empresa.