Temendo contágio, grávidas querem ter filhos em casa

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Foto: Getty Images

Em sua segunda gravidez, a advogada Juliana Rocha Sanchez Ribeiro, de 35 anos, já tinha tudo planejado para a chegada do bebê, Vinícius, prevista para meados de maio. Depois de ter o primeiro filho, Bernardo, por cesariana, desta vez ela estava com tudo pronto para um parto hospitalar humanizado. Até que surgiu o novo coronavírus.

“Quando começou a surgir esse cenário mundial de coronavírus, de pandemia, eu e meu marido conversamos e falamos, quando isso chegar no Brasil, não vai dar certo ter um parto (no hospital) e, pelo que está se desenhando, vai chegar na época que o bebê vai nascer”, diz Ribeiro à BBC News Brasil.

Ela e o marido, Cleber, decidiram então que a melhor opção seria um parto domiciliar, feito na própria residência da família, em São Paulo, com acompanhamento de obstetrizes e enfermeiras obstetras.

Ribeiro faz parte de um número crescente de grávidas que planejavam ter seus filhos em um hospital mas, diante da pandemia, decidiram pelo parto em casa. Além do temor de contaminação pelo vírus, há o medo de que o sistema hospitalar entre em colapso diante do grande volume de doentes, com falta de médicos, enfermeiros, equipamentos e leitos.

“Por volta de 10% das mulheres que estão com as nossas equipes para parto hospitalar estão nos perguntando se podem ter o parto em casa”, diz à BBC News Brasil a obstetriz Ana Cristina Duarte, coordenadora do Coletivo Nascer, grupo de obstetras e obstetrizes que atendem partos hospitalares humanizados em São Paulo, e diretora do Siaparto (Simpósio Internacional de Assistência ao Parto).

Duarte afirma que sua equipe de parteiras, que cobre partos hospitalares humanizados, agora se prepara para atender partos em casa diante da procura gerada pela pandemia.

“Acredito que vai chegar um momento em que os hospitais vão precisar disponibilizar mais quartos para atender quem realmente precisa de um atendimento médico de urgência”, ressalta Ribeiro, que está na 32ª semana de gestação.

“Por mais que tenha a lei do acompanhante (que garante à gestante o direito a acompanhante durante o parto), é um momento tão delicado que eu acho até difícil você exigir ‘eu quero o meu marido aqui comigo’, transitando livremente o tempo todo, enquanto tem gente ali precisando de socorro para viver.”

O fenômeno não se restringe a grávidas no Brasil. Nos Estados Unidos, que na quinta-feira (26/03) se tornaram o país com o maior número de casos de covid-19 (a doença causada pelo novo coronavírus) no mundo, com mais de 100 mil infectados e mais de 1,5 mil mortes, parteiras relatam um enorme aumento na procura por partos domiciliares.

“Costumamos fazer entre seis e dez partos em casa por mês. Somente na última semana, recebemos entre 30 e 40 telefonemas (de grávidas interessadas)”, diz à BBC News Brasil a enfermeira obstetra Nannette Jenkins, da Riverside Midwifery, em Buckeystown, no Estado de Maryland.

“Não temos como aceitar todas. E não somos a única clínica na área, estamos todos sendo inundados por pedidos”, salienta Jenkins.

Nos Estados Unidos, o medo de contaminação e de um sistema de saúde sobrecarregado é agravado pelo fato de que hospitais estão restringindo visitantes. Em alguns casos, é permitido apenas um acompanhante, fazendo com que mulheres que planejavam a presença de uma doula no parto agora tenham de escolher entre a doula ou o parceiro.

No Estado de Nova York, principal epicentro do coronavírus no país, com mais de 45 mil casos, algumas das principais redes hospitalares anunciaram nesta semana que nenhum acompanhante será permitido. Ou seja, as grávidas terão de dar à luz sem a presença do parceiro ou de qualquer membro da família.

A decisão foi criticada por organizações de obstetrizes, que alertam para o risco de que, sem poder ter o apoio de familiares ou doulas no hospital, muitas mulheres decidam na última hora ter o bebê em casa, sem os preparativos necessários ou equipes especializadas, o que pode levar a complicações.

A obstetriz Nicole Cisneros Pegher, da South Shore Home Birth Midwifery, em Norwell, no Estado de Massachusetts, dissz à BBC News Brasil que nos últimos dez dias recebeu mais de 20 pedidos de informação sobre parto domiciliar.

“Pode não parecer muito, mas geralmente recebemos dois ou três por mês”, afirma. “As mulheres estão assustadas.”

Muitas estão planejando partos para as próximas semanas ou meses, mas Pegher ressalta que há casos de mulheres que decidiram ter o parto em casa apenas um dia antes do nascimento do bebê.

Parteiras ressaltam que mudanças de última hora são arriscadas e que o parto domiciliar costuma exigir meses de preparação e planejamento. Além disso, nem todas as mulheres são boas candidatas a esse tipo de parto.

“Nós queremos ajudar as mulheres, mas também temos de ser muito criteriosas”, salienta Pegher. “O parto domiciliar é uma opção segura, mas não é para todas. É para mulheres com gravidez saudável, não para gravidez de alto risco.”

Segundo Duarte, do Coletivo Nascer, o parto domiciliar é acompanhado por duas enfermeiras obstetras ou obstetrizes e envolve equipamentos específicos para garantir que, em caso de problema, possam ser tomadas medidas emergenciais. Ela ressalta que é crucial que as profissionais que vão atender o parto em casa sejam treinadas e equipadas.

Uma das preocupações, diz Duarte, é que, se muitas mulheres começarem a optar por parto domiciliar devido à pandemia, equipes pouco treinadas ou com pouca experiência em emergências possam colocar em risco a saúde da mãe e do bebê.

Em Nova York, principal epicentro do novo coronavírus nos EUA, mulheres não poderão ter nenhuma companhia no parto durante a pandemia
“Também precisamos de um sistema de saúde que possa comportar as transferências (para hospital, em caso de emergência)”, salienta Duarte.

O ginecologista Ricardo Tedesco, professor de obstetrícia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, disse à BBC News Brasil que tem ouvido de muitas de suas pacientes a preocupação em relação ao coronavírus, mas salienta que os hospitais estão se organizando para separarem os pacientes com covid-19 de outras alas.

“Não sou favorável ao parto domiciliar, por considerá-lo de mais risco”, diz Tedesco. “Acho que, quando se coloca na balança essa alternativa frente à possibilidade de um serviço comprometido, com uma demanda grande por causa do coronavírus, ainda assim o serviço hospitalar é melhor.”

Tedesco salienta que, para quem optar pelo parto em casa, é importante estar próximo a um hospital, em caso de complicações. “Para uma paciente que tem hemorragia pós-parto, ou um parto difícil, talvez seja pior chegar a um pronto-socorro numa situação de urgência em relação a essa exposição ao coronavírus, do que de forma planejada (no caso do parto já feito no hospital).”

Duarte afirma que, para parto domiciliar, a distância adequada é de até 20 minutos entre a residência e um hospital. Mas é necessário que esse hospital tenha uma equipe de anestesistas, obstetras e outros profissionais para atender a grávida em caso de emergência.

A turismóloga Carolina Ribeiro Kahl, de 35 anos, trabalha na área comercial de empresas aéreas e mora em Guarulhos, a 20 minutos de distância de um hospital. Com 37 semanas de gestação, ela espera o nascimento do segundo filho, Theo, para meados de abril. Assim como Juliana Ribeiro, também planejava um parto hospitalar humanizado com o Coletivo Nascer.

“Estava tudo certo. Até que apareceu o coronavírus”, disse Kahl à BBC News Brasil. “O medo não é tanto pelo contágio, porque sei que o hospital está separando as alas de maternidade das alas de atendimento da população. O problema é que, quando eu entrar em trabalho de parto, pode ser que o sistema esteja em colapso.”

Kahl conta que, diante da pandemia, ela, o marido, Vinícius, e a filha, Melissa, de oito anos, já estão se acostumando à ideia de receber o novo membro da família em um parto em casa. “É algo que sempre achei muito bonito, mas não tinha colocado na minha cabeça, porque estou um pouco distante de hospitais de referência”, destaca.

Carolina Ribeiro Kahl, na foto com o marido, Vinícius, e a filha, Melissa, espera a chegada do segundo filho, Theo, para meados de abril e teme que, até lá, o sistema hospitalar possa ter entrado em colapso devido ao coronavírus. “Sabemos que existem riscos, mas estou passando por uma gravidez extremamente saudável, o bebê está bem. Mas, claro, a gente tem um receio natural.”

A ansiedade das grávidas é agravada pelo fato de que ainda há muitas dúvidas sobre o impacto da covid-19 em gestantes e em recém-nascidos. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), ainda não há evidências de que grávidas tenham risco mais alto que o resto da população, mas os estudos até agora são limitados.

Também ainda não se sabe, segundo a OMS, se grávidas com covid-19 podem passar o vírus para o bebê durante a gravidez ou o parto. “Até o momento, o vírus não foi encontrado em amostras de líquido amniótico ou leite materno”, diz a organização.

Um dos desafios para quem quer um parto domiciliar é o custo, que não é coberto completamente por planos de saúde nos Estados Unidos nem no Brasil. Tanto Kahl quanto Ribeiro calculam que o parto em casa vá custar em torno de R$ 6,6 mil.

Nos Estados Unidos, o custo varia conforme o Estado. Em Massachusetts, segundo Nicole Cisneros Pegher, custa cerca de US$ 5 mil (aproximadamente R$ 25 mil reais). Um parto hospitalar nos Estados Unidos pode custar o quádruplo, mas é coberto pelo plano de saúde, ao contrário do parto em casa.

A enfermeira obstetra Máiri Breen Rothman, diretora da MAMAS, em Takoma Park, no Estado de Maryland, conta que aumentou muito o número de mulheres que a contatam interessadas em parto domiciliar. Algumas queriam parto hospitalar mas mudaram de planos por causa do coronavírus. Outras, já tinham vontade de ter um parto em casa, mas achavam muito caro. Diante da pandemia, decidiram arcar com os custos extras.

“É triste, porque quem não tem dinheiro para cobrir os custos fica sem essa opção”, diz Rothman à BBC News Brasil.

Para as grávidas, a pandemia mudou não apenas o planejamento do parto, mas toda a experiência da gravidez. “Quando a gente está planejando a chegada de um bebê, coloca um monte de coisas na lista, e vencer uma pandemia não é uma das coisas que a gente imagina para um final de gestação”, diz Ribeiro.

Ela conta que teve de cancelar planos de reunir amigos e familiares para um chá de bebêdas. O enxoval, que havia deixado para a última hora, por causa do orçamento, agora terá de ser comprado pela internet. “O mínimo do mínimo, porque também não é o momento de ficar gastando muito.”

Ribeiro também lamenta que, quando Vinícius nascer, provavelmente não poderá conhecer os avós inicialmente. “Minha mãe tem 63 e meu pai tem 64. Meus sogros têm mais de 70. A orientação é não ter contato com os idosos”, observa. “Vamos ter de esperar essa crise passar.”

BBC