TV por assinatura apresentará documentário sobre ditadura

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Reprodução

Um resgate da história brasileira nos anos de chumbo que relatam o período da repressão. É nessa perspectiva, definida pelo jornalista brasiliense Matheus Leitão, que ele se debruça mais uma vez para trazer à tona o passado de tortura vivido pelos pais, durante a ditadura militar. Quase três anos depois de lançar o livro Em Nome dos Pais, os caminhos percorridos para relatar a militância não armada de esquerda, a partir do relato dos jornalistas Marcelo Netto e Míriam Leitão, ganham as telas em uma série documental de quatro episódios. A estreia é nesta quarta-feira (4/3), às 20h, no canal por assinatura HBO Mundi.

A parceria com a produtora Boutique Filmes surgiu durante o processo de apuração para o livro. “Há conversas exclusivas. Outras que foram feitas para contextualizar mais o período ou para trazer um contraponto”, antecipa Matheus. Entre as novidades, estão depoimentos do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot; do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso; e do presidente da República, Jair Bolsonaro, que, na época das filmagens, era deputado federal.

O novo formato para narrar um mesmo período nada tem de redundante, garante Matheus. Além de dar rosto e corpo aos personagens apresentados no livro, alcança uma camada mais ampla da sociedade e funciona como estratégia para “combater fake news com a verdade”, conforme explica.

Antes de virar livro, a história contada numa reportagem escrita pelo jornalista. O tema também deve inspirar uma ficção baseada nos fatos, cujos direitos autorais foram disponibilizados à Fraiha Produções. Não há previsão para o lançamento.

O jornalista era pré-adolescente quando ouviu o pai narrar que ele e a mãe haviam sido presos na ditadura. “Matheus” era o codinome dado a Marcelo na clandestinidade; Míriam era “Amélia”. O responsável por criar as identidades foi o então líder local do PCdoB, Foades dos Santos, que os entregou à repressão. “Sempre quis estar frente a frente com ele, e essa foi a melhor entrevista da minha vida. Um relato sincero, honesto e corajoso”, afirma Matheus, que conversou com Foades para escrever o livro, e cujo relato está no documentário.

A curiosidade pela história dos pais crescia com a maturidade. Matheus investigou, por mais de uma década, as torturas iniciadas em 1972, no quartel do Exército em Vila Velha (ES). Míriam estava grávida de um mês do primeiro filho quando, espancada, privada de comida, água e da própria roupa, foi trancada em uma cela com uma jiboia, que, por ironia ou deboche, levava o nome da jornalista.

Para Matheus, narrar a vida de militância dos pais é manter viva a verdade sobre um período histórico ainda a ser esclarecido. “O Brasil não revisitou a história, mas há uma segunda geração que irá falar. Fazendo o bom jornalismo, com livros, com documentários e ensinando os filhos dentro de casa, assim como faço com os meus”.

O que esperar do documentário?

A narração de uma história extremamente rica e emocionante, com uma edição bem trabalhada. Revela muito do que aconteceu no país, naquele momento tão difícil de repressão. Apesar de ser um período duro, traumático para meus pais, há famílias ainda mais atingidas, cujos parentes nunca mais foram vistos. O enredo retrata isso sob outros pontos de vista, uma nova perspectiva por meio do olhar de uma segunda geração, mirando os anos de chumbo.

O lançamento do documentário é propício na atual conjuntura?

Lideranças políticas de extrema-direita têm incentivado a narrativa mentirosa, tentando fazer com que as pessoas se esqueçam dos graves crimes cometidos pelo Estado no período. Para além de um posicionamento partidário, deixando claro que a esquerda também tem seus erros e defeitos. A violação dos direitos humanos supera a polarização partidária. Enquanto o Chile e a Argentina, que também tiveram ditaduras, fizeram o dever de casa, e puniram os agentes de estado que feriram direitos humanos, o Brasil é o único que não revisou a história. A própria Comissão da Verdade veio tímida, muito tempo depois. Nenhum militar foi de fato punido, e as barbaridades estão mais que comprovadas.

Uma nova forma de contar a mesma história é algo que agrega?

Não revisitar a história trouxe um terreno fértil para que se germinasse uma narrativa completamente distante da realidade. Narrativas falsas da extrema-direita foram criadas há muitos anos, mas nunca de forma tão organizada e violenta como na época das eleições, em 2018. Um documentário, seja pelo Em Nome dos Pais, seja por outras histórias que marcam o regime, é fundamental para atingir outras parcelas da sociedade. É um combate às fake news, à construção de uma narrativa mentirosa para desfazer o fato de que o Estado brasileiro torturou, matou e ocultou cadáveres de presos políticos.

Matheus Leitão é jornalista, brasiliense iniciou a carreira no Correio e, atualmente, tem coluna no portal G1. Atuou na revista Época, no portal iG e no jornal Folha de S.Paulo, onde trabalhou nas áreas de política, meio ambiente, direitos humanos e investigação. Recebeu o Prêmio Esso duas vezes; o Troféu Barbosa Lima Sobrinho; o Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa, e menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog.

Correio Braziliense