Velho, na chuva, de bike: “o entregador que poderia ser o meu pai”
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Vivemos em um tempo tenebroso, em que a exploração da mão de obra chega ao seu ápice com a uberização de pessoas famintas que não encontram mais emprego digno e opções de sobrevivência.
Leia o emocionante relato de quem perdeu a fome ao encontrar aquele que entregou um simples sanduíche numa noite de chuva:
Pedi um sanduíche pelo rappi pra comer com os filhotes nessa sexta feira chuvosa enquanto a gente assiste um filminho e conversa.
O cara da entrega chega, educadíssimo e me pede para descer. Achei estranho porque, em regra, eles sobem, né? Falei que sim, claro. Desci.
Chego na portaria e ele parece o meu pai. Está molhado, tira meu lanche da mochila, entrega dizendo “aproveita que tá quentinho. Desculpa não subir, mas é porque uso bicicleta e se roubarem fico sem trabalhar”.
Fico olhando pra ele. Ele parece o meu pai. O seu pai. O nosso pai. Mais velho. Um rosto cansado, com um sorriso tímido. Olho pra bicicleta. Olho pra ele. Sorrio de volta. Falo que não tem problema nenhum, pergunto se quer uma água.
Ele parece o meu pai. O seu pai. Ele veio pedalando. Na chuva. Penso no meu pai que está em um hotel fazenda agora tomando um chá quentinho e lendo um livro.
Perguntei se ele queria uma água. Que pedalar cansa. “Não, obrigado. Só me avalia bem, por favor. É minha primeira semana. Demoraram a me aceitar. Mais velho, né?”
Nosso pai. De bicicleta. Na chuva. Entregando lanche.
Já fiz e já vi muito post discutindo a questão do uber, ifood, rappi e da exploração da mão de obra e já li MUITA gente defendendo que tudo bem esses trabalhadores serem explorados pelas grandes empresas porque “pelo menos não estão em casa recebendo bolsa família”. Eu mesma quase já não conseguia mais pedir qualquer um desses serviços porque cada vez que um entregador chegava eu tinha vontade de morrer.
Subi com o lanche arrasada. Não consegui dizer que a entrega dele foi maravilhosa e nem aumentar a gorjeta porque ele já finalizou a entrega, mas só sei que nem consegui comer o lanche. Tem gosto de lágrima e suor.
Fico pensando por quanto tempo a gente vai continuar normalizando esse tipo de exploração empresa x trabalhador.
Vocês viram o entregador do ifood na cadeira de rodas que trabalhou por 10h e só conseguiu beber uma água para conseguir receber alguma coisa e fazer valer o dia?
Vi o vídeo da nossa AMADA Rita do @temperodrag onde ela fala assim: “a gente vê que perdeu a nossa humanidade quando olha para o outro passando por uma situação desumana e não se importa.