Após PT sair do poder, PF tem um diretor por ano
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Em pouco mais de dois anos, a Polícia Federal foi chefiada por três diretores-gerais. Trocas de comando se deram em meio a turbulências na relação entre o órgão de investigação e o Palácio do Planalto, não raro melindrado com o andamento de inquéritos contra políticos.
O delegado mais longevo no cargo foi Leandro Daiello, que permaneceu seis anos e dez meses na função, atravessando todo o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e parte da gestão de Michel Temer (MDB).
O período, entre janeiro de 2011 e novembro de 2017, foi o de mais intensa atividade da Operação Lava Jato, que levou para a cadeia autoridades de diversos partidos, principalmente os de situação.
Atritos entre a PF e os governos se deram após a nomeação de Fernando Segóvia para substituí-lo. Escalado por Temer para a função, e considerado próximo ao então presidente, ele não ficou nem quatro meses na Diretoria-Geral.
Foi demitido após declarar numa entrevista que seria arquivado, por falta de provas, o inquérito aberto para apurar se o presidente havia recebido propina de empresas do setor portuário.
Naquele momento, a investigação era a única contra o emedebista em tramitação no Supremo Tribunal Federal.
Em reação, o grupo de delegados que cuidava das apurações na corte produziu memorando repudiando interferências no caso.
A atitude do então diretor-geral levou o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, a interpelá-lo. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a pedir que ele fosse proibido de falar sobre o assunto.
A queda do diretor-geral foi decidida pelo próprio governo em fevereiro de 2018, ao avaliar que mantê-lo no cargo poderia produzir um ambiente de hostilidade ao governo em setores diversos da PF.
Para suceder Segóvia, que passou a ser chamado de “o breve” nos círculos policiais e políticos, Temer escolheu Rogério Galloro, delegado considerado discreto e de perfil técnico.
Na gestão dele, também houve embates entre a PF e o Executivo.
Já em abril daquele ano, Temer fez pronunciamento dizendo-se vítima de uma perseguição criminosa disfarçada de investigação.
Foi uma reação às investigações sobre o caso dos portos, que àquela altura apontavam seu envolvimento em possíveis crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
A relação entre o governo e o grupo responsável por inquéritos no Supremo, então chefiado pelo delegado Cleyber Malta, sempre foi de deconfiança.
O mandatário viria a ser indiciado pelo delegado em outubro de 2018 e denunciado dois meses depois por corrupção e lavagem de dinheiro. Atualmente, é réu em ação pela que tramita na Justiça Federal em Brasília.
Galloro passou o bastão para Maurício Valeixo em janeiro do ano passado, após a posse de Jair Bolsonaro (sem partido) e a nomeação de Sergio Moro para o comando do Ministério da Justiça e da Segurança Pública.
Ex-superintendente da PF no Paraná, base da Lava Jato, e considerado homem de confiança de Moro, ele foi alvo de recorrentes tentativas de ingerência por parte de Bolsonaro.
Uma delas se deu em agosto do ano passado, quando o presidente ameaçou nomear um novo superintendente para a PF no Rio de Janeiro.
A crise aberta pela investida do presidente quase resultou na saída de Valeixo, mas amainou depois que Bolsonaro recuou e Moro manteve tanto o diretor quanto outras pessoas de sua confiança em cargos-chave da corporação.
Em janeiro deste ano, Bolsonaro pôs novamente sobre a mesa a troca de comando na polícia, ao incentivar movimento que pedia a recriação do Ministério da Segurança Pública.
Nessa hipótese, a PF seria desvinculada da Justiça, ficando sob responsabilidade de outro ministro. Mas o presidente novamente voltou atrás e disse que a chance de alterações era nula.
Nesta sexta (24), ao anunciar sua saída do Ministério da Justiça, após a demissão de Valeixo, Moro acusou Bolsonaro de tentar trocar o chefe da PF, além dos superintendentes nos estados, para interferir em investigações.
Disse ainda que o presidente solicitou que lhe fossem repassadas informações de relatórios de inteligência e que estava preocupado com o andamento de inquéritos no Supremo.
A nova crise reforçou os apelos de investigadores para que o diretor-geral tenha um mandato, o que blindaria a corporação de possíveis interferências.
“Nos últimos três anos, a Polícia Federal teve três diretores-gerais diferentes. A cada troca ou menção à substituição, uma crise institucional se instala, com reflexos em toda a sociedade que confia e aprova o trabalho de combate ao crime organizado e à corrupção”, afirmaram em nota a Federação e a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal.
As entidades pediram que o Congresso aprove projetos que preveem o mandato a a autonomia da PF. “Somente tais medidas irão proteger a PF de turbulências e garantir a continuidade do trabalho de qualidade prestado ao Brasil.”
Em comunicado enviado por sistema interno aos servidores da PF, Valeixo agradeceu nesta sexta pelo apoio recebido de delegados, agentes e peritos, entre outros, no “enfrentamento das mais diversas batalhas, não importando de onde viessem os desafios e os perigos inerentes” à atividade policial.
“Deixo o cargo com a certeza de que a Polícia Federal segue forte, unida e alinhada aos princípios republicanos mais nobres. Recebi essa missão com grande entusiasmo e expectativa, e encerro esse ciclo com orgulho de ter feito parte dessa trajetória”, escreveu.
Delegados ouvidos pela Folha relataram preocupação com os rumos da PF e disseram que a disposição é a de resistir a quaisquer medidas de interferência em sua autonomia, inclusive com paralisações.