Bolsonaro cometeu montes de crimes, dizem especialistas

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Foto: Evaristo Sá/AFP

As acusações que o ex-ministro Sergio Moro relatou contra o presidente Jair Bolsonaro se enquadram como possíveis crimes de responsabilidade, que podem levar ao impeachment, dizem procuradores do Ministério Público Federal e especialistas em direito criminal e constitucional.

Moro anunciou nesta sexta-feira (24) que deixaria o Ministério da Justiça e Segurança Pública após o presidente demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.

Crimes de responsabilidade, segundo a legislação, “são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública”. A​ pena é imposta pelo Senado contra o presidente da República, ministros ou contra o procurador-geral da República.

Especialistas em direito criminal e constitucional consultados pela Folha concordam que a ação do presidente de solicitar documentos sigilosos da Polícia Federal, conforme dito por Moro, se enquadra nesta categoria.

Também há consenso entre eles de que o fato de assinatura eletrônica de Moro constar em documento que ele diz não ter assinado, se comprovado, configura crime de falsidade ideológica. Não há consenso, entretanto, se este segundo ato poderia ser considerado também crime de responsabilidade.

Bolsonaro admitiu o erro e a assinatura de Moro foi retirada da exoneração de Valeixo, que foi republicada em edição extra do Diário Oficial na noite desta sexta-feira. Na medida, é informado que o ato foi “republicado por ter constado incorreção quanto ao original”.

Para o presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), Fábio George Cruz da Nóbrega, tanto a interferência na PF quanto o ato publicado com o nome de Moro evidenciam a possibilidade de crime de responsabilidade. “​Ambas as ocorrências precisam ser devidamente apuradas”, diz Nóbrega.

A necessidade de se apurar eventual crime de responsabilidade é levantada inclusive por procuradores que atuaram na Lava Jato.

Ex-integrante do grupo de trabalho da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República, o procurador regional Vladimir Aras disse nas redes sociais que os episódios narrados por Moro em seu pronunciamento “são gravíssimos” e que cabe à Câmara dos Deputados investigar.

O procurador regional João Carlos Rocha, que foi assessor do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, afirmou nas redes sociais que após as declarações de Moro “é inevitável que se instaure uma investigação sobre a conduta do presidente da República”.

“O ex-ministro da Justiça acaba de relatar diversos fatos envolvendo crimes comuns e de responsabilidade”, afirmou Rocha.

Advogados também concordam com essa possibilidade. “Nós esperávamos um pedido de exoneração e encontramos uma delação premiada, que foi o que ele [Moro] acabou fazendo, ele acabou revelando crimes de gravidade, sobretudo atribuídos ao presidente da República”, diz o criminalista Técio Lins e Silva.

“Se comprovada a alegação do ex-ministro Moro, a conduta do presidente seria incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo de presidente, o que afronta a probidade na administração pública”, afirmou o advogado Moroni Costa.

O advogado Eduardo Ubaldo, mestre em direito constitucional, afirma que a Constituição “é clara ao apontar, em seu artigo 37, a moralidade e a impessoalidade como princípios fundamentais da administração pública”.

De acordo com Ubaldo, a ação do presidente de procurar obter, mediante constrangimento, acesso a relatórios de inteligência da PF pode vir a ser considerada crime de responsabilidade, pois a lei veda “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição” e “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Além de crimes de responsabilidade, há menção a outras infrações como obstrução de Justiça e advocacia administrativa, que também poderiam levar ao entendimento de que houve crime de responsabilidade.

A juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo Ivana David afirma que, se as investigações demonstrarem que houve ingerência na Polícia Federal com fim de prejudicar apurações –como a que envolve fake news ou milícias—, a interferência pode se enquadrar como tentativa de atrapalhar a Justiça.

“Essas investigações tramitam pela PF e estão em andamento. Se a mudança tem esse dolo, existiria crime também de obstrução de Justiça”, diz a magistrada. “Todas as condutas criminosas levariam ao possível crime de responsabilidade praticado pelo presidente da República.”

Durante a tarde desta sexta, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de um inquérito, no âmbito criminal, para apurar as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça.

O pedido de Aras aponta a eventual ocorrência dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra.

À tarde, em pronunciamento, Bolsonaro disse que procurou a Polícia Federal quando surgiu a notícia de que um filho seu, Jair Renan, namorava uma filha de um Ronnie Lessa, um policial preso sob suspeita de matar a vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro.

Para Bolsonaro, a intenção da polícia era mostrar que ele tinha relações familiares com Lessa. Foi então que o presidente interferiu no trabalho da PF e pediu que interrogassem um ex-sargento em Mossoró.

“Está comigo a cópia do interrogatório, onde ele diz simplesmente o seguinte: a minha filha nunca namorou o filho do presidente Jair Bolsonaro, a minha filha sempre morou nos Estados Unidos”, relatou Bolsonaro.

Advogados consultados pela reportagem dizem que o presidente afirmar que tentou interferir no rumo de uma investigação pode corroborar as declarações de Moro.

“Mostrar interesse para que haja uma rápida conclusão de procedimento investigativo é legítimo. Inaceitável é buscar influenciar os rumos da investigação e o teor de sua conclusão”, diz o criminalista André Damiani.

Para o constitucionalista Alexandre Fidalgo, é “grave a afirmação de o presidente da República determinar que seja interrogado alguém em procedimento que interessa à sua família. Isso corrobora as denúncias de Sergio Moro”.

Folha