Ataques de Bolsonaro a Mandetta geram crise política
Foto: Isac Nóbrega / PR
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobreviveu ao mais recente ataque de irracionalidade do presidente Jair Bolsonaro que, alimentando especulações desabonadoras sobre seus motivos para agir assim, não consegue assimilar o sucesso de seu auxiliar, cuja estratégia de isolamento social para combater o coronavírus não apenas dá mostras de resultados positivos, mas tem a aprovação de cerca de 76% de entrevistados de pesquisas de opinião. Em meio ao histórico recente de crises de popularidade de diferentes governos, essa é uma novidade considerável que, fosse acolhida, poderia atenuar a crescente perda de capital político do presidente que vem desde meados de 2019.
Mas Bolsonaro vinha emitindo sinais de irritação com Mandetta há dias, e falou uma vez mais de seu poder de usar a caneta para dispensar do governo um de seus principais colaboradores. Em que pese o que parece ser uma obsessão sua de sempre querer mostrar que quem manda é ele, o presidente acabou tendo de ceder às vozes mais moderadas do governo que argumentaram que a demissão do ministro teria impacto negativo entre políticos, empresários, a comunidade científica e, mais importante, a opinião pública. Em certo sentido, isso sinalizou a preferência por uma estratégia mais responsável e mais racional para enfrentar a guerra que estamos vivendo, evitando jogar mais lenha na fogueira do confronto do presidente com governadores e prefeitos. Mas também foi um sinal de interlocução com autoridades e líderes do Congresso Nacional, do STF e do mercado – todos quase unânimes na defesa das recomendações da OMS e das políticas do Ministério da Saúde para enfrentar o coronavírus.
O cenário é complexo, e algo contraditório, dando margem a dúvidas sobre quem realmente governa o país nesse momento. Nenhum ministro que tenha persuadido Bolsonaro a manter Mandetta no comando da guerra contra o coronavírus dirá que o presidente não manda mais. Mas, em face da sua tendência permanente de criar problemas para si mesmo, de manter um confronto radical entre as forças políticas, se recusar a reconhecer a legitimidade de quem pensa diferente, e apoiar os ataques antidemocráticos de bolsonaristas contra instituições como o legislativo e o judiciário, o presidente cavou um vácuo diante de si, se isolou politicamente e perdeu apoio mesmo de antigos eleitores. Não parece ter um roteiro claro de como sair dessa outra crise que ele próprio criou e que dá tanta margem à instabilidade política. Nesse sentido, seu desempenho errático e irresponsável dá razão aos que sugerem que a maior oposição que ele enfrenta é que ele mesmo cria para si.