Bolsonaro seguirá brigando com Congresso, dizem analistas
Foto: AFP / EVARISTO SA
A crise constante entre o Executivo e o Legislativo atrasará as tomadas de decisão no combate ao novo coronavírus, tanto no que diz respeito à saúde quanto no que se refere a empregos e economia. E já existem exemplos disso. Um deles é o projeto de lei de ajuda aos estados, que contraria o governo. Outro, já em vigor, é o auxílio emergencial aos trabalhadores informais que, na ausência de iniciativa do presidente, passou na Câmara com um texto de 2018 adaptado à nova situação.
Nesse cenário, há, ainda, um equilíbrio de impossibilidades: de um lado, não há clima para um impeachment de Jair Bolsonaro, que sairia mais forte de um processo, caso conseguisse evitar a perda do mandato, e de outro, não há espaço para um eventual golpe na democracia, pois, dificilmente, o presidente da República, isolado politicamente por conta de suas declarações mais recentes, teria apoio dos militares, por exemplo. É como cientistas políticos avaliam a relação entre dois dos Três Poderes na semana que começou com o chefe do Executivo participando de uma manifestação contrária ao STF e ao Congresso e revogando uma medida provisória que estava condenada a caducar no parlamento — a MP 905, que criava o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, destinado a estimular a contratação de jovens de 18 a 29 anos.
Professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Ricardo Ismael destacou que um momento de crise já é desfavorável ao diálogo naturalmente e piora quando um dos lados não tem interesse em manter o tom da conversa. “O país está passando por uma crise, e o que se tem de fazer é responder às demandas da sociedade. O ideal era que houvesse mais unidade entre presidente e governadores, entre Executivo e Legislativo, mas é muito difícil atravessar uma crise dessa, com escolhas controversas, em um momento em que se briga por tudo”, avaliou. “Nas nossas circunstâncias, por exemplo, qualquer presidente do mundo manteria o (Luiz Henrique) Mandetta (ex-ministro da Saúde), mas Bolsonaro tira em nome de questões políticas, teorias conspiratórias, grupos ideológicos.”
Eduardo Galvão, professor de Políticas Públicas do Ibmec Brasília, por sua vez, destacou que a tensão entre Executivo e Legislativo tem em Bolsonaro seu agravador, mas há antecedentes históricos. “A crise entre poderes é sintoma de uma transformação. O modelo de presidencialismo de coalizão sempre seguiu a lógica de compartilhamento do poder por meio de indicação de cargos, emendas parlamentares e verba no orçamento. Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara) e depois o Rodrigo Maia (atual presidente da Casa) desidrataram a possibilidade de emendas. Bolsonaro não quis distribuir cargos. O Congresso engessou ainda mais o Orçamento”, enumerou.
Ele recordou, ainda, que a crise ganha contornos mais claros por conta da pandemia, que evidencia as fraquezas e as instabilidades da sociedade, mas que o presidente já dispara contra o Legislativo há mais tempo. “Veja que as ferramentas tradicionais não funcionam mais. Bolsonaro propôs o fim do presidencialismo de coalizão, mas não colocou outro modelo no lugar. E até encontramos o rumo, vai haver atritos. Se as instituições não forem fortes, pode haver ruptura”, alertou.