Brasil tem entre 200 e 300 mil casos de covid19
Foto: Herculano Barreto Filho/UOL
O Brasil ultrapassou o número de 20 mil contaminados pelo novo coronavírus neste final de semana. Porém, pesquisas brasileiras apontam que o dado pode ser de 12 a 15 vezes maior do que o reportado pelo Ministério da Saúde. A baixa capacidade de testagem do Brasil é apontada como principal causa de subnotificação, como já admitiu o chefe da pasta, Luiz Henrique Mandetta.
Duas projeções feitas por dois grupos de pesquisa diferentes apontam resultados semelhantes sobre a alta subnotificação de casos no país:
A estimativa feita pela Covid-19 Brasil, iniciativa independente que reúne cientistas e estudantes de diversas universidades brasileiras, mostra que o país teve 313 mil casos confirmados até o último sábado — 15 vezes mais que os 20.727 oficiais.
Já cálculos do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), formado por cientistas da PUC-RJ, Fiocruz e Instituto D’or, estimam que o Brasil pode ter tido mais de 235 mil casos até a última sexta-feira — 12 vezes mais que os 19.638 reportados pelo governo
O cálculo do número de casos feito pela Covid-19 Brasil usa como base a curva epidemiológica da Coreia do Sul, país que mais aplicou testes proporcionalmente em todo o mundo.
Com base no número de óbitos confirmados em cada faixa etária no Brasil, os pesquisadores usam um modelo matemático para aplicar as taxas de mortalidade registradas no país asiático à pirâmide etária brasileira, chegando a um número estimado de casos.
“Fazemos uma estimativa com base no número de óbitos porque é um dado em que se tende a determinar a causa com mais precisão”, explica Rodrigo Gaete, doutor em ciências e enfermagem pela USP Ribeirão Preto e pesquisador responsável pela modelagem.
A estimativa de mais de 300 mil casos é conservadora, afirma Gaete, já que há subnotificação também entre os óbitos. Só em São Paulo, há uma fila de 30 mil exames aguardando processamento, que a secretaria estadual prometeu zerar até o final do mês. Entre os testes, estão os de pacientes que já morreram e não tiveram os resultados em vida.
Apesar disso, Gaete afirma que a curva de casos no Brasil vem crescendo de forma moderada em comparação com outros países, onde o número de infectados dobra a cada três ou quatro dia. Mesmo assim, o número de contaminados no Brasil se tornou quase três vezes maior em 10 dias — saltando de 104.388 casos de coronavírus em 1º de abril para os 313.228 no dia 11.
O pesquisador adverte que esse número pode aumentar exponencialmente se as medidas de isolamento social forem reduzidas, como defende o presidente Jair Bolsonaro (Sem partido).
“Flexibilizar o distanciamento social pode fazer com que a curva tome outras características. A tendência é que o número de casos comece a se expandir de forma exponencial”, explica.
Por sua vez, o estudo feito pelo grupo NOIS conseguiu calcular a taxa de notificação brasileira e concluiu que o país só notifica 8% de seus casos reais de contaminação.
A metodologia utilizada pelo grupo é semelhante à dos pesquisadores da Covid-19 Brasil, porém, eles dividem a taxa de letalidade brasileira em duas. Além da taxa bruta que o Ministério da Saúde anuncia diariamente, o grupo calculou as taxas base e observadas do país.
A taxa de letalidade base é aquela esperada no Brasil e foi calculada de acordo com as taxas por faixa etária de outros países-modelo como Coreia do Sul, Alemanha, Estados Unidos, Espanha e Itália, juntamente à pirâmide etária brasileira. Com esse cálculo, o grupo estimou que a taxa de letalidade da covid no país deveria ser de cerca de 1,3%.
Já a taxa de letalidade observada consiste no percentual de óbitos observados em relação ao total de casos com desfecho, ou seja, aqueles que terminaram em óbito ou cura. Desconsidera-se os casos ainda internados. O resultado foi uma taxa de letalidade observada de 16,3%.
A relação entre essas duas letalidades é o que determina a taxa de notificação do país. Quanto maior a diferença entre elas, maior é a subnotificação. Com base nessa metodologia, o estudo concluiu que o Brasil notifica apenas 8% de seus casos e o número real pode ser até 12 vezes maior que o dado oficial.
No dia 10 de abril, data limite considerada pelo estudo, o Brasil tinha 19.638 casos confirmados. Porém, segundo a estimativa dos pesquisadores, este número pode ter sido próximo de 235.656.
Em comparação com os outros países observados, o Brasil só notifica melhor do que Espanha e Itália. Respectivamente, os dois têm uma taxa de notificação de 18% e 19,5%, respectivamente.
Os Estados Unidos, que também enfrentam problema com testagem, conseguem notificar cerca de 23,5% dos casos. Os melhores exemplos estão na Coreia do Sul, que tem uma taxa de notificação de 100%, e na Alemanha, com 65,4%.
Esse nível de notificação expõe o fato de que as autoridades brasileiras, tendo à frente o Ministério da Saúde, não conseguiram monitorar adequadamente o espraiamento da epidemia pelo país.
Estados como Amazonas e Pernambuco saíram em curto espaço de dias da condição de poucos casos confirmados para uma situação próxima ao colapso de suas redes de saúde.
“A gente perdeu a chegada da epidemia nesses lugares porque algum tempo atrás se decidiu fazer as notificações a partir das pessoas que precisavam do serviço de saúde, sobretudo dos que precisavam ser internados. Enquanto isso, os casos leves ou assintomáticos estavam viajando pelo país”, afirma Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) em Ribeirão Preto e integrante da iniciativa Covid-19 Brasil.
Segundo o professor da USP, a subnotificação faz com que a população não tenha a dimensão adequada da gravidade da pandemia, o que afeta diretamente a adesão ao isolamento social. Isso gera uma espécie de ciclo vicioso: a subnotificação faz com que mais pessoas desrespeitem o distanciamento, o que gera ainda mais casos fora da estatística oficial.
“Temos hoje apenas 23 mil casos confirmados. Se o patamar real da pandemia superar os 300 mil casos, o restante dessas pessoas com sintomas leves ou moderados estão nas ruas transmitindo a doença para mais gente. Aparentemente, as pessoas estão relaxando o isolamento porque parece que 23 mil casos para o país todo é muito pouco”, lembra.
Questionado pelo UOL no dia 13 de março, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, negou que a subnotificação possa impactar na capacidade do governo de tomar decisões em relação às políticas de contenção da doença.
Porém, não é o que sugere o estudo do grupo NOIS. “Com taxas de notificação mais elevadas, será possível uma melhor avaliação da necessidade de recursos hospitalares (leitos de UTI, ventilação mecânica, etc.). Outro ponto fundamental é que as políticas de isolamento de infectados poderão ser mais efetivas ao identificar locais de maior prevalência da epidemia”, conclui o documento.
Segundo as contas dos pesquisadores da Covid-19 Brasil, a subnotificação não atinge na mesma proporção todos os estados. No Maranhão, conforme as projeções, seriam 17.812 contaminados, enquanto o estado registra oficialmente apenas 344 casos. Já em Santa Catarina, o número de casos real seria de 5.574 contra 732 oficiais.
Domingos Alves chama a atenção para uma contradição no discurso do ministro Mandetta e de outros técnicos do Ministério da Saúde: embora admitam que há subnotificação, diariamente mostram nas entrevistas coletivas que estão fazendo planejamento com base nos dados oficiais.
O professor da USP diz que é preciso dar mais transparência aos dados e metodologias de cálculo usadas pela pasta.
“O ministro falou que está trabalhando com modelos matemáticos e que se aliou a especialistas. Precisamos saber quem são esses especialistas e que modelos matemáticos estão usando. Não é transparente tanto em relação aos dados quanto aos modelos utilizados”, critica.