Cai popularidade de Trump por erros na pandemia

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A OMS (Organização Mundial da Saúde) já havia decretado pandemia na manhã de 11 de março, mas grande parte dos EUA só começou a levar a crise a sério horas depois.

Foi preciso que a NBA, liga americana de basquete, anunciasse a suspensão da temporada para que soasse o alarme de que os próximos meses não seguiriam a normalidade que Donald Trump tentava imprimir.

O presidente teme o impacto do coronavírus em sua campanha à reeleição e, nos últimos cem dias, desde que a Covid-19 chegou oficialmente aos EUA, viu seu comportamento na condução da crise se tornar elemento central na disputa pela Casa Branca.

A votação marcada para 3 de novembro será um referendo da postura de Trump diante da pandemia que, até a tarde desta quarta (29), infectou mais de 1 milhão de pessoas e matou ao menos 60 mil nos EUA.

A tragédia na saúde pública vem acompanhada dos números que realmente preocupam o republicano: um recorde de 26 milhões de americanos já pediram acesso ao seguro-desemprego desde março, e a economia do país caiu 4,8% no primeiro trimestre, o maior tombo desde a Grande Recessão.

Para atravessar esse período, Trump navega entre o discurso a seus eleitores e as necessárias medidas de governo. No meio, vê sua aprovação acompanhar a forma como conduz a crise, alvo de muitas críticas.

Em janeiro e fevereiro, o presidente ignorou alertas da inteligência americana e menosprezou a pandemia.

Em março, convencido por sua equipe técnica, deu gravidade à situação no país e estabeleceu regras de distanciamento social que foram estendidas até esta quinta-feira (30).

Um mês e meio depois de a maioria dos americanos estar sob algum tipo de isolamento, o presidente voltou a intensificar a defesa da reabertura de grande parte do país, agora para ocorrer em maio.

Pesquisas recentes mostram que a variação do discurso de Trump, que propagandeou o uso de remédio sem eficácia comprovada e injeção de desinfetantes para tratar a Covid-19, teve impacto em sua popularidade.

Segundo o Instituto Gallup, a aprovação de Trump foi de 49%, no meio de março, para 43% no meio de abril, enquanto a média das pesquisas compiladas diariamente pelo site FiveThirtyEight confirma que o melhor período do republicano foi justamente quando ele deu peso à pandemia.

Já o adversário do republicano na corrida presidencial, o democrata Joe Biden, passou a liderar levantamentos em estados-chave para novembro.

Dados reunidos pelo site Real Clear Politics apontam Trump atrás de Biden na Pensilvânia, por 6,7 pontos percentuais, em Michigan, por 5,5 pontos, e em Wisconsin, por 2,7 pontos, este ainda na margem de erro.

Ainda faltam seis meses para a eleição, e o xadrez político americano pode mudar bastante. Por isso, as pesquisas nos EUA devem ser vistas com cautela, já que o voto no país não é obrigatório e o sistema é indireto, via Colégio Eleitoral, ou seja, é possível que um candidato ganhe sem apoio da maioria popular.

Analistas admitem, no entanto, que o clima mudou e que o franco favoritismo do presidente desapareceu com a pandemia e com os planos de reabertura precoce do país.

“A crise econômica dificulta a reeleição de Trump. Com desemprego histórico e colapso econômico, se o presidente conseguir se reeleger será uma espécie de milagre”, afirma Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV-SP.

O primeiro caso confirmado de Covid-19 nos EUA foi em 21 de janeiro. Somente em 13 de março, com 2.000 diagnósticos e mais de 40 mortes, Trump decidiu declarar emergência nacional e adotar medidas de distanciamento social. Sua popularidade estava na casa de 42%.

Sob o comando do republicano, o governo federal falhou em se mobilizar para responder a um grande surto, com suprimentos, equipamentos e alto índice de testagem que, de acordo com especialistas, poderia ter freado o processo tão vertiginoso de transmissão entre os americanos.

Mesmo com a escalada no número de casos e de vítimas, Trump chegou a flertar com a ideia de reabrir o país na Páscoa, em 12 de abril, mas foi convencido a mudar de tom, o que fez em 31 de março.

Durante entrevista coletiva na Casa Branca, o presidente apresentou pela primeira vez um cenário sombrio nos EUA. Ao lado de Anthony Fauci, diretor do Instituto de Doenças Infecciosas e apontado como um dos principais responsáveis pela mudança de postura do presidente, disse que, até agosto, entre 100 mil e 240 mil pessoas poderiam morrer no país mesmo com a adoção da quarentena.

Naquele dia, já eram mais de 200 mil casos confirmados e 4.500 mortes entre americanos, mas a popularidade do presidente aumentava para 45%.

Os mais céticos, no entanto, alertavam que era preciso observar se a mudança de postura iria se sobrepor ao instinto eleitoral de Trump até o fim da pandemia.

A dúvida durou pouco. Duas semanas depois, as projeções usadas pela Casa Branca revisaram para baixo os números até agosto —hoje estão em 74 mil— e mostraram que o pico já havia chegado ao país.

O presidente voltou então a falar em reabertura econômica e anunciou um plano que deixava nas mãos dos governadores a decisão —e a responsabilidade— sobre o cronograma da retomada.

As mortes entre os americanos quase dobraram desde o anúncio, mas o presidente insiste em apoiar protestos de rua pela reabertura do país.

Sua popularidade vem caindo desde então, de 44,1% em 16 de abril, quando apresentou as diretrizes do programa, para 42,6% nesta terça-feira (28), quando os EUA ultrapassaram a marca de 1 milhão de casos.

Para tentar controlar a narrativa, o presidente lança mão de suas estratégias habituais: diversionismo e nacionalismo, enquanto medidas de estímulo econômico estão concentradas no Tesouro americano.

Nas mais de 50 entrevistas coletivas que concedeu desde o início da pandemia, o republicano tem aproveitado para fazer anúncios anti-imigração e reverberar seu duelo diplomático com a China, o que agrada a seus eleitores.

Desde o mês passado, fechou as fronteiras com México e Canadá, suspendeu temporariamente voos de dezenas de países, incluindo China, Irã e membros da União Europeia, e cancelou por 60 dias emissões de green card, visto que garante a residência de estrangeiros nos EUA.

Há duas semanas, anunciou a interrupção do pagamento das contribuições dos EUA à OMS, acusando a organização de promover a desinformação que diz ter sido criada pelos chineses.

O regime de Xi Jinping, por sua vez, apressou-se em preencher o vácuo e aumentar o aporte ao órgão, acelerando uma tendência importante de mudança do eixo diplomático entre as maiores potências mundiais.

Os impactos sociais e econômicos são bastante visíveis entre os americanos, mas o desdobramento político ainda se desenha sobre a atuação de um presidente que considera palanque até mesmo uma pandemia.

Folha de SP