CNBB acusa Bolsonaro de “desinformar” a população
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O presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Walmor Oliveira de Azevedo, 65, considera preocupante o comportamento do presidente Jair Bolsonaro na crise do coronavírus e diz que a instabilidade política prejudica a resposta do país à pandemia.
A entidade foi uma das signatárias de carta, divulgada após o presidente chamar a Covid-19 de “resfriadinho” na TV, que acusava Bolsonaro de ameaçar a saúde pública com “campanha de desinformação”.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), entre outras, também subscreveram essa manifestação.
Para dom Walmor, que é arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, a sociedade civil tem o dever de advertir e orientar o governo, e isso não deve ser visto como posicionamento político-partidário.
À Folha ele disse por email que medidas de proteção social precisam ser mais rápidas e que a desinformação na crise sanitária é um “itinerário para a morte”.
Também critica decreto do presidente, questionado na Justiça, que permitiu a abertura de igrejas com argumento de que fazem parte de “atividades essenciais”, pleito de denominações evangélicas.
A mobilização é forte e, pelo que sabemos, tem contribuído para conter a aceleração. Mas muitos aspectos poderiam ser melhorados. Há uma minoria que relativiza o isolamento social e tenta manter a rotina de um tempo anterior à pandemia. Não é raro ver aglomerações em ruas e praças. Isso preocupa.
Ficar em casa é atitude altruísta, gesto cidadão, de quem busca o bem maior, da coletividade.
São urgentes mecanismos de proteção social, capazes de garantir o emprego e a renda, especialmente dos mais pobres. A pandemia impõe à sociedade graves consequências econômicas e cabe às autoridades, aos líderes do país, a missão de, criativamente, encontrar soluções. É hora de todos se unirem.
As autoridades não podem conviver pacificamente com o sofrimento da população, sobretudo dos mais pobres, que, com a renda ameaçada, não sabem o que vão comer no dia de amanhã. Deveria haver mais celeridade.
Em vez de embates desnecessários, os líderes deveriam favorecer a cooperação entre si, pensando não apenas no contexto interno do Brasil, mas também na relação com outras nações. Apesar de existirem muitas iniciativas solidárias, espontaneamente organizadas, falta mais senso de corresponsabilidade entre governantes, no Brasil e no mundo.
Da mesma forma que a parcela mais privilegiada da população, que inclui seus governantes, não pode desconsiderar a realidade dos mais pobres, as nações desenvolvidas deveriam ser mais solidárias.
Sem fazer juízo de outras confissões, falo sobre o que ensina a fé cristã católica: buscar soluções fáceis, barganhando com Deus, não é o caminho. Cada pessoa deve fazer a sua parte, acolhendo as recomendações da ciência. Deus fala ao mundo de diferentes formas. Devemos estar abertos para ouvi-lo. Nesse sentido, acreditamos que a inteligência humana, seus avanços tecnológicos e científicos, são dons de Deus a serviço da humanidade. Então, devemos considerá-los.
Hoje, a observação científica a respeito do que ocorreu em outros países atingidos pela pandemia remetem a uma recomendação inequívoca: fique em casa. Todos precisam acolher essa orientação e não banalizar a ocorrência de milagres, condicionando a fé à manifestação de fenômenos extraordinários, para além das leis naturais.
É importante não confundir: templo fechado não significa privação de genuína espiritualidade, que coloca o ser humano em contato com o transcendente.
Nos primórdios da Igreja Católica, não havia templos, e os cristãos se reuniam para rezar em suas casas. Hoje, retoma-se esse costume, fortalecendo mais o que chamamos de igreja doméstica, o lar de cada pessoa. Há ampla oferta de publicações digitais, com roteiros de oração, e celebrações transmitidas pelos meios de comunicação católicos.
Nossos sacerdotes e demais evangelizadores continuam a oferecer acolhimento fraterno às pessoas, orientação.
Há uma efervescência permanente no cenário político que é obstáculo para um grande pacto nacional no enfrentamento da pandemia.
Declarações polêmicas, dissidentes de perspectivas balizadas pela ciência, por instâncias reconhecidamente competentes na defesa da saúde, não ajudam, pois, além de desinformar, provocam cisões onde deveria haver união.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil publicou manifesto, ao lado de organizações da sociedade civil, pedindo ao governo federal para presidir e promover um amplo processo de diálogo, imprescindível para que ocorram as mudanças necessárias, ultrapassando a insensatez das provocações e dos personalismos, para se concentrar nos princípios da Constituição.
[É] preocupante, pois estão na contramão das recomendações científicas, vindas do próprio Ministério da Saúde, da Organização Mundial da Saúde e de outras instâncias embasadas na pesquisa.
A prática do jejum é exercício espiritual importante, sobretudo quando direcionado pelo objetivo de se reencontrar o equilíbrio e se exercer a solidariedade. Para a Igreja Católica, a quaresma, período que antecede a Páscoa, é tempo oportuno para o jejum. Mas é importante saber: não basta privar-se de algo. É preciso abertura de espírito para acolher as lições oferecidas pela experiência do jejum.
A sociedade civil tem o dever e a responsabilidade de dirigir-se ao governo federal, apresentar ponderações, advertir. A democracia se fortalece com a participação. Quando as entidades signatárias da carta e tantas outras se manifestam, buscam colaborar.
A CNBB dialoga permanentemente com instituições da sociedade civil, inclusive com as quais tem discordâncias em muitos aspectos, pois sabe que o diálogo é caminho para amadurecimentos. Todas as pessoas e instâncias da sociedade civil devem cultivar a capacidade para humilde escuta. É processo enriquecedor.
Pelo diálogo, descobrimos convergências, nascem manifestações de entendimentos. Não embates com o governo, ou mesmo ação ideológica, com interesses políticos partidários. A CNBB busca colaborar com o Brasil e ajudar aqueles que exercem o poder. Isto requer coragem para manifestar discordâncias.
As turbulências políticas, com seus desdobramentos econômicos, desestabilizam o país, geram imprevisibilidade.
Vivemos em uma sociedade polarizada, em que as diferenças, lamentavelmente, motivam inimizades. Sem o mínimo de entendimento, a democracia se enfraquece, pois os próprios Poderes começam a ser questionados. Com a democracia enfraquecida, perde-se o qualificado exercício da cidadania. Em vez de haver união pelo bem comum, impera o egoísmo, fechamentos ao redor das próprias convicções. E a população sofre.
A CNBB está ciente das muitas incompreensões que decorrem de uma sociedade polarizada. Mas permanece firme, ao lado dos mais pobres, manifestando-se de modo independente das convicções ideológicas ou político-partidárias.
Na chamada sociedade da informação, as fake news são itinerário para a morte. Veja o exemplo desta pandemia. As falsas notícias que relativizam a gravidade da situação induzem pessoas a não se precaver e, com isso, estarem mais vulneráveis ao contágio.
A Igreja Católica tem oferecido formação para agentes de pastoral que se dedicam à comunicação. O fenômeno exige mobilização de diferentes instâncias da sociedade, desde as famílias às escolas. Superar esse mal exige qualificada capacitação humanística.
Para o cristão, é ainda mais grave partilhar fake news. Jesus Cristo é a verdade, palavra de Deus. Quem se dedica à mentira se opõe a Jesus. Nesse sentido, a relação da igreja com as entidades científicas é de respeito e colaboração. A ciência é dom de Deus para a humanidade. Mas, é importante ressaltar, nem todas as respostas podem ser encontradas pelo pensamento racional.
Certamente será a mais diferente Páscoa que vivi. Mas a vida tem seus mistérios e esta Semana Santa não será menos rica em espiritualidade.
Walmor Oliveira de Azevedo, 65, é arcebispo metropolitano de Belo Horizonte desde 2004 e presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) desde maio de 2019. Nascido em Côcos (BA), foi professor universitário e tem doutorado em teologia bíblica pela Pontífícia Universidade Gregoriana, de Roma.