Com Bolsonaro fraco, reformas já eram
Foto: Evaristo Sá/AFP
O enfraquecimento político do presidente Jair Bolsonaro deve enterrar de vez a agenda liberal do ministro Paulo Guedes (Economia) e levar o governo a adotar uma posição mais intervencionista para tentar promover a recuperação da atividade econômica no período pós-pandemia.
Essa é a avaliação de economistas ouvidos pela Folha, que discordam, no entanto, sobre a viabilidade de uma estratégia que aumente a presença do Estado na economia, por meio, por exemplo, do plano de investimentos em infraestrutura com recursos públicos.
Alessandra Ribeiro, diretora da área de Macroeconomia e Análise Setorial da consultoria Tendências, afirma que os sinais são os de que o país tende a caminhar novamente para uma política econômica nacional-desenvolvimentista.
Ela diz que a projeção de queda do PIB (Produto Interno Bruto) de 4,1%, traçada até agora pela Tendências, com a possibilidade de que a economia só volte ao nível de 2019 no fim de 2021, já se mostra otimista diante do novo ambiente político criado com a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Para Ribeiro, com Bolsonaro mirando a eleição de 2022, haverá uma tentativa de trazer crescimento a qualquer preço. É grande o risco de se repetirem políticas que não deram certo no passado.
No caso de um processo de impeachment, que começa a ser defendido por alguns partidos, também há dúvidas em relação a como seria o alinhamento de um eventual novo presidente com os demais Poderes e o peso da agenda liberal do ministro Paulo Guedes.
“Dificilmente o ministro continuaria no governo com esses sinais de que não vai ter espaço para executar a agenda dele. Se ficarem cada vez mais fortes as vozes dentro do governo, do presidente e da ala militar que o apoia, de que a política econômica tem de ser diferente, numa linha nacional-desenvolvimentista, o ministro não deve permanecer. Os outros bons nomes da equipe saem também. Ninguém chancela um projeto como esse”, afirma Ribeiro.
Piora o cenário o lançamento, na semana que passou, do Pró-Brasil, plano da área de infraestrutura apelidado pela equipe econômica de novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), numa alusão à política de Dilma Rousseff. O projeto prevê investimentos com orçamento adicional de R$ 30 bilhões no Ministério da Infraestrutura em três anos, com a proposta de gerar de 500 mil a 1 milhão de empregos após o fim da pandemia do coronavírus.
“O nosso receio maior é que a política econômica pode ser alterada, de como fica a política fiscal, de mexerem na regra do teto, para acomodar esse tipo de gastos. Isso traria um custo muito grande para a atividade econômica, aumentaria a percepção de risco dos agentes em relação ao Brasil, limitando a reação da atividade econômica e do emprego.”
A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, afirma que o Brasil experimenta a junção de um problema de saúde pública e econômico com uma crise política, o que dificulta uma resposta rápida do país aos seus desafios.
“Isso dificulta a resposta à crise agora, que já está atrasada, e prejudica muito o que vem depois. A gente está caminhando para um colapso total do sistema de saúde. Não sei como fica a capacidade de gestão após essa crise”, diz ela.
O impeachment, avalia, pioraria tudo, pois prejudicaria a capacidade de resposta imediata à crise. “Esse não é um argumento anti-impeachment, é uma realidade —se é que existe alguma capacidade de resposta neste governo. Por outro lado, a gente também pode pensar que, se houver uma forma rápida de mudar as lideranças, talvez as coisas saiam do papel.”
Solange Srour, economista-chefe da gestora ARX Investimentos e colunista da Folha, afirma que o governo já sinalizava que abandonaria a política de austeridade e as reformas de Guedes.
“Mesmo após o início da crise do coronavírus, havia dúvidas sobre a volta para a situação inicial de tentar aprovar algumas reformas. O mercado já estava vendo a possibilidade de um estrago econômico maior. Já estava tendo impacto no dólar, nos juros, na Bolsa. Agora, a situação se agrava muito. O governo vai precisar ir para o populismo para se sustentar. Não é mais uma dúvida”, afirma.
“A gente vai ter uma agenda de estímulos para a economia com intervenção estatal e distribuição de cargos para tentar dar suporte a um governo fraco”, diz Sour.
“Se havia dúvidas antes das acusações de que o governo poderia mudar a rota, agora tem uma certeza de que isso vai acontecer, mesmo com o Guedes lá. Ele vai ser enfraquecido. Isso atrapalha muito o Brasil, justo em um momento em que a gente começaria a saída do isolamento e aprofunda a recessão.”
Sobre o plano Pró-Brasil, encampado pela ala militar do governo e que causou contrariedade na Economia, ela diz que R$ 30 bilhões, dentro do Orçamento, é até um valor pequeno, mas que é a medida é simbólica, porque mostra o isolamento da equipe econômica.
“Indica que o governo quer acabar com o teto de gastos. Já se discute fazer isso com um orçamento paralelo. É uma sinalização de que a equipe econômica está perdendo força porque não está entregando e não vai conseguir entregar crescimento”, afirma Srour.
“O Brasil só consegue financiar infraestrutura com setor privado e capital externo. É por isso que a agenda de concessões e de privatizações era tão importante. Para fazer financiamento público, teria de ter alguma reforma para diminuir o gasto obrigatório. Vai imprimir dinheiro? O Banco Central vai financiar essa dívida? Usar reservas?”
Segundo ela, todas as alternativas levam a soluções mirabolantes, que provocam a fuga do real. “É perda de confiança”, afirma.
Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da UFRJ e ex-secretária de Orçamento Federal no governo Dilma Rousseff, afirma que a comparação com o PAC não se sustenta em função da dimensão das propostas em termos de gastos, mas afirma que um plano de investimentos públicos é fundamental para garantir uma saída mais rápida da crise atual.
“Se a queda no consumo, que é muito centrada no período da crise, vai ser grande, a queda dos investimentos vai ser muito maior. Ter um plano de investimentos focado em infraestrutura é fundamental, não só para gerar emprego, para garantir que a economia cresça mais rápido, mas também para fortalecer uma área que vai ser muito afetada pela crise, como a construção”, afirma Dweck.
“Porque não aproveitar para melhorar a infraestrutura e gerar emprego? E tem de ser com investimento público também. Não dá para ser, como o ministro Paulo Guedes queria, só investimento privado. Num cenário de uma economia que já vinha lenta, temos a possibilidade de um ‘L’, que é quando você cai e não volta, o que pode acontecer se o governo não atuar. Pode ser concessão, pode ser PPP, mas principalmente recurso público. O setor privado vai estar super contraído.”
Monica de Bolle também afirma que vários países vão lançar mão de planos de infraestrutura financiados por investimentos públicos como parte da reconstrução da economia e que a mesma coisa pode acontecer no contexto brasileiro.
“Tirando o fato de o Pró-Brasil ainda não existir, a ideia de ter um plano de infraestrutura como maneira de dar sustentação à economia na saída me parece bastante sensata. Existe no Brasil essa má caracterização do investimento público por causa do que aconteceu no governo Dilma, mas é errado pensar dessa forma. O investimento público é bom”, afirma.
“Na saída da crise, não vai ter ninguém do setor privado querendo colocar dinheiro em infraestrutura. Tem de ser dinheiro público mesmo. Não tem alternativa.”
Alessandra Ribeiro, da Tendências, discorda. Ela afirma que o Pró-Brasil, que parece uma coisa inicialmente modesta e pouco prejudicial, pode ganhar volume ao longo do tempo e deixar novamente um passivo de obras incompletas e disfuncionais espalhadas pelo país. Para ela, a recuperação mais rápida do país depende, em primeiro lugar, de um ambiente de paz política para reduzir as incertezas e permitir uma retomada da agenda de reformas e a melhora das condições financeiras.
Ribeiro afirma que o Brasil precisa dar sinais de que as contas públicas são sustentáveis ao longo do tempo e que o caminho para promover os investimentos necessários em infraestrutura é o mesmo que foi traçado desde o governo Michel Temer, por meio de concessões ao setor privado.
“Esse é o caminho. Não é o setor público começar a construir coisas. Você tem bons projetos já mapeados, que têm de ser agilizados, mas só vai conseguir fazer isso se esse nível de incerteza estiver baixo. O primeiro ponto é tentar ao máximo reduzir incertezas e retomar a agenda, em especial de infraestrutura e da questão fiscal, para apaziguar.”