Bolsonaro fez DF lembrar que havia QG do Exército

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Foto: Reprodução

Diferentemente dos antecessores, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem o hábito de deixar o Palácio da Alvorada nas folgas para passeios por Brasília.

De todos os destinos, nenhum se repete com tanta frequência quanto o Setor Militar Urbano. Lá, fica a sede do Quartel General do Exército, a 12 quilômetros da residência oficial.

Bolsonaro segue para o setor militar para encontrar amigos e conselheiros. Foi lá que participou do protesto pela intervenção militar, no domingo passado (19).

Seja intencionalmente, seja despretensiosamente, as visitas do presidente carregam um forte simbolismo, além de movimentar uma área da capital até então deixada de lado pela população civil.

O Quartel General do Exército começou a ser construído em 1969, sendo entregue quatro anos depois, durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici —o período mais repressivo da ditadura militar.

A unidade passou a funcionar 13 anos após a fundação de Brasília, sendo que o comando da força militar terrestre brasileira permaneceu no Rio de Janeiro, nesse interstício.

O forte apache —como o QG é chamado pelos militares— engloba dez prédios, um teatro, o setor de garagens e uma concha acústica, que forma com o obelisco o monumento ao Duque de Caxias, patrono do Exército brasileiro.

No total, 35 organizações militares funcionam no gigantesco espaço. O Exército calcula que 7.000 pessoas circulem pelo local em dias úteis.

No entanto, nos demais dias, o local costuma ser tranquilo.

Na frente do conjunto está a Praça dos Cristais, um projeto do paisagista Roberto Burle Marx, também chamada Praça das Noivas, porque casais aproveitam a beleza e calma do lugar para fotos de álbum de casamento.

Embora sem ainda alterar a dinâmica do local, algumas pessoas se sentem atraídas para conhecer o local visitado pelo presidente.

“Venho a Brasília há algum tempo, mas não achei que valia ter vindo aqui [no Quartel General]. Vim porque vi a concha acústica na televisão durante o protesto e quis conhecer mais um [projeto de Oscar] Niemeyer”, afirmou o publicitário Júlio Ribeiro, de Belo Horizonte, que costuma sair de bicicleta em suas visitas a Brasília para conhecer novos lugares.

As construções que integram o complexo foram projetadas por Niemeyer, assim como os prédios públicos mais simbólicos de Brasília.

No entanto, muitos especialistas consideram essa obra um “Niemeyer lado B”, que mantém os traços característicos do maior arquiteto brasileiro, mas sem a elegância de seus principais projetos —embora seja tombada pelo patrimônio histórico do Distrito Federal.

“O Oscar certamente não teria ganhado o Pritzker Prize por essa obra”, brincou o arquiteto e professor da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Bruna, em referência ao principal prêmio mundial de arquitetura.
“Oscar trabalhou com grande ênfase nos palácios, que ficam no Eixo Monumental. Essa obra não desmerece a riqueza projetual dele, mas não é a mais criativa, até porque é um conjunto administrativo gigante”, disse.

Segundo o professor, o uso de material pré-fabricado na fachada principal indica a necessidade de uma construção mais rápida e com menor investimento.

A única referência a uma organização militar estaria em seu gigantismo, que lembra fortalezas antigas, que transmitem um ar de proteção e restrição.

Em frente, está construída a concha acústica, uma enorme estrutura de concreto, que simboliza o punho da espada de Duque de Caxias, esta representada pelo Obelisco.

“Aí, sim, tem tecnologia. É um monumento elegante, com as curvas características do Oscar, que precisou certamente de bons calculistas para colocá-la de pé”, afirmou Bruna.

Historiadores não lembram prontamente de importantes eventos históricos que se passaram no Quartel General. Porém, um dos episódios citados é a demissão do ministro do Exército, Sílvio Frota, em 1977, que representou um golpe na ala linha-dura do regime militar.

Após deixar o Palácio do Planalto, Frota voltou ao gabinete no Quartel General para preparar uma contra-ofensiva, que acabou sem adesões.

Alegando dificuldades por causa da pandemia de coronavírus, o Exército não autorizou entrevista com seus historiadores para falar mais sobre o Quartel General.

Eventos lembrados por quem frequenta o prédio, portanto, pouco tem a ver com militarismo. Um deles foi o assalto, em maio de 2009, a uma agência bancária no interior do Quartel General.

Por estar localizada dentro de um lugar de segurança máxima, a agência não contava com segurança armada e por isso dois homens tiveram facilidade para efetuar o crime.

O caráter mais discreto e reservado do Quartel General era mantido mesmo durante o regime militar, com presidentes preferindo receber as visitas de amigos e conselheiros militares em seus palácios, em vez de seguir para o Setor Militar Urbano.

“Um fato interessante é que os presidentes militares se vestiam como civis. Havia um esforço para criar uma simbologia de normalidade, de tentar afastar a imagem de militares no poder”, afirmou o historiador Paulo Cesar Gomes, especialista no período militar.

Gomes lembrou que os governos militares faziam um esforço para até mesmo colocar em leis decisões de caráter autoritário, para construir uma imagem de legalidade.

Além da participação no protesto de domingo passado, Bolsonaro visita frequentemente amigos e conselheiros em suas residências.

Um deles é o ex-comandante do Exército general Eduardo Villas Boas, que sofre de esclerose lateral amiotrófica, o que dificulta a sua locomoção.

O presidente, no entanto, prefere seguir para o Setor Militar Urbano para encontrar outras pessoas, que poderiam mais facilmente se deslocar até o Planalto ou o Alvorada.

Nesta semana, por exemplo, Bolsonaro foi até o Hotel de Trânsito dos Oficiais para se encontrar com o general Eduardo Pazuello, posteriormente nomeado secretário-executivo do Ministério da Saúde.

“Ele [Bolsonaro] frequentemente visita instalações militares por causa dessas afinidades, mas, também, porque deseja passar a ideia de que conta com o apoio dos militares, especialmente dos oficiais-generais”, afirmou o historiador e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Carlos Fico.

Ele ressaltou também a percepção da população de que militares são patrióticos e incorruptíveis, como mais um motivo para que o presidente busque a associação.

Folha