Economistas criticam “conta-gotas” do governo
Foto: Luis Nova/Esp. CB/D.A Press
Enquanto o governo vem batendo cabeça para traçar um plano mais claro, a fim de responder à altura os impactos econômicos da Covid-19, analistas ouvidos pelo Correio avaliam que as propostas apresentadas a conta-gotas e com velocidade lenta de implementação geram preocupação.
A pandemia está colocando o mundo em uma recessão profunda, e a falta de um plano mais detalhado é o principal problema da equipe econômica, na avaliação da economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics (PII). Na opinião dela, o texto da medida provisória da manutenção de empregos precisa estar muito bem amarrado para evitar, ao máximo, demissões ou redução de salários. Ela espera que seja cumprida a promessa feita pelo secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, de que a implementação será fácil para as empresas. “O Congresso precisa ficar muito atento a isso, porque é preciso evitar o desemprego em massa, que poderá ocorrer no meio dessa crise. E tudo o que não pode acontecer agora é redução de salário do trabalhador, porque isso vai afundar ainda mais a economia do país”, ressaltou, prevendo uma retração de 6% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, que poderá ser maior se não houver essa garantia.
O economista e consultor Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), acredita que o plano de até R$ 700 bilhões que Guedes vem prometendo, mas sem detalhar o verdadeiro impacto fiscal, poderá ser insuficiente na atual conjuntura. “A crise é única e exige medidas mais ágeis e mais estruturadas do que estamos vendo”, disse. Para ele, que prevê retração de 4,5% no PIB deste ano, é provável que seja necessário o dobro desse valor.
Apesar da demora, empresários viram com bons olhos as MP com regras para a manutenção de empregos, porque permitirá várias possibilidades de suspensão de salários em até 70%, na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, Paulo Solmucci. “O governo entendeu que a situação demandava essa flexibilidade, porque, no caso dos restaurantes, quando tivermos que retomar as atividades respeitando as limitações de espaço, haverá a necessidade de redução do quadro”, destacou. “O importante é que essa medida garante o emprego ao trabalhador formal.”
Diretor da CBPI Produtividade Institucional, Emerson Casali admitiu que o “ideal seria que essa medida tivesse vindo uma semana atrás”, porque as empresas que foram mais afetadas pela crise do coronavírus já começaram a demitir. Ele garantiu que, ainda assim, a MP vai evitar novas dispensas. É que, segundo destacou, muitas delas vinham se virando como podiam, com as possibilidades regulamentadas pela MP 927, como a antecipação de férias e o home office, para aguardar a publicação da nova MP.
“Houve algumas demissões nas empresas que não podiam esperar e não viam perspectiva, mas a espera e a ansiedade de todo mundo era grande para poder tomar qualquer decisão. O que as empresas fizeram, dentro do possível, foi usar expedientes como banco de horas, férias e home office para aguardar a MP. Então, a medida ainda vai conseguir evitar o fechamento de milhões de postos de trabalho”, avaliou.
Segundo Casali, a redução da carga horária, com a redução proporcional do salário, dos trabalhadores deve ser implementada pelas empresas que tiveram a atividade reduzida pela pandemia da Covid-19. Já a suspensão temporária do contrato de trabalho deve ser adotada, sobretudo, por aquela que precisaram fechar as portas em virtude das medidas de isolamento social. “É uma forma de adequar os custos para sobreviver a esse período e manter a estrutura razoavelmente pronta para a retomada”, frisou Casali, dizendo que manter os vínculos empregatícios vai ajudar as empresas a retomarem suas atividades com mais celeridade depois desse momento.
Na avaliação de José Francisco Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, a forma como o governo vem anunciando as medidas é muito confusa e está deixando até os mais experientes desconfiados sobre os dados e os impactos de cada anúncio. “É preciso darmos uma revisada nos números e ver o que tem exatamente impacto fiscal. Ainda não vejo isso com clareza nas medidas do governo”, lamentou.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, também considera pouco claros os anúncios do governo. “Mas o momento é complicado, porque é preciso cobrir uma carência do mercado sem saber qual é a carência”, pontuou. Na avaliação dele, as medidas que o governo está tomando têm sido responsáveis do ponto de vista fiscal. “Mas ainda não temos noção do tamanho do buraco que precisará ser coberto, e isso é que preocupa”, emendou o economista, que prevê retração de 2,7% no PIB deste ano.
Secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco também avaliou que a implementação das medidas tem sido muito lenta. Um exemplo, segundo ele, é o fato de que, mesmo após ser sancionado por Bolsonaro ontem, o auxílio de R$ 600 aos trabalhadores informais só deve começar a ser pago depois do dia 10. “O governo demorou para desenhar essas medidas, demorou a sentir que tinha amparo legal para implementar essas medidas e vai demorar para operacionalizá-las”, criticou.
Na opinião de Castello Branco, houve demora na elaboração dessas medidas, porque o governo parece ter subestimado os impactos do coronavírus; houve demora na publicação delas porque os técnicos do governo têm receio de serem acusados de novas pedaladas fiscais; e haverá demora na implementação porque o governo vai precisar localizar os trabalhadores informais e porque os bancos vão precisar oferecer a linha de crédito do financiamento da folha às empresas. Para ele, contudo, foi esse segundo fator que mais pesou nisso tudo.