Especialistas acusam Bolsonaro de corrupção passiva

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Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

Especialistas consultados pelo Valor afirmam que as acusações de Sergio Moro, ao se demitir do Ministério da Justiça, configuram pelo menos dois crimes cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro. Ex-ministro da Justiça durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o jurista e advogado criminalista José Carlos Dias entende que o relato de Moro, caso acompanhado de provas, mostra que Bolsonaro teria incorrido em falsidade ideológica e crime de responsabilidade.

O primeiro pode embasar eventual cassação de mandato por crime comum, com julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e o segundo é condição jurídica para a abertura de um processo de impeachment, pela Câmara dos Deputados, com julgamento pelo Senado.

A primeira via tornou-se mais factível desde sexta-feira, quando a fala de Moro levou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a pedir investigação ao STF. Para Dias, o pedido “joga para os dois lados”, pois também atenta para a possibilidade de o ex-ministro ser enquadrado no crime de denunciação caluniosa, caso não comprove a suposta interferência política que Bolsonaro buscou fazer na Polícia Federal, órgão sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça. Moro contou ter recebido de Bolsonaro pressões para trocar superintendentes regionais, receber relatórios de processos sigilosos e exonerar o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o que representou a gota d’água para a sua saída da pasta.

Dias diz que, se ficar demonstrado que o presidente teve interesse em influir em inquéritos da PF que dizem respeito ao seu entorno político e familiar, isso configuraria crime de responsabilidade, previsto na Lei 1.079, de 1950, na qual são baseados pedidos de impeachment. Há dois inquéritos da PF que preocupam Bolsonaro: o que investiga a divulgação de “fake news” pelo denominado “gabinete do ódio”, supostamente comandado pelo vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos); e o que apura quem organizou e financiou as manifestações antidemocráticas pelo país, no dia 19 deste mês. Bolsonaro chegou a participar pessoalmente do ato realizado em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, onde seus apoiadores pediram o fechamento do Congresso e do STF.

A forma como o diretor-geral da PF foi exonerado também remete a outro crime que pode ser imputado a Bolsonaro, o de falsidade ideológica, diz José Carlos Dias. Isso porque Moro afirmou que não assinou a documento de exoneração de Valeixo, embora tenha constado sua assinatura digital no “Diário Oficial da União” (DOU).

“Bolsonaro já cometeu crimes mais de uma vez e não tem condições de governar. Sua popularidade caiu, vide os panelaços. Está muito desmoralizado. A solução ideal seria a recomendada por Fernando Henrique, que fizesse como Jânio [Quadros] e renunciasse”, diz o ex-ministro da Justiça.

Para o advogado em direito público e eleitoral Flávio Henrique Costa Pereira, também há indícios de que Bolsonaro tenham cometido o crime de falsidade ideológica. Moro afirmou ainda, em sua saída do ministério, que a exoneração de Valeixo não foi “a pedido”, ou seja, por vontade própria, como publicado no DOU, mas por determinação de Bolsonaro. Pereira, que subscreveu o pedido de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff – cujos autores foram Janaína Paschoal, Miguel Reale Jr e Hélio Bicudo – em 2015, considera que, se provado, também há evidência de corrupção passiva.

Em sua opinião, o crime decorre da pressão de Bolsonaro para influir na investigação que envolve seu entorno. “Nesse contexto, vejo corrupção passiva. Porque eu peço que se faça um ato de ofício, que é a troca do Valeixo, para me beneficiar. Quero informação para influenciar nas ações da Polícia Federal, no meu benefício e no dos meus filhos”, diz.

O advogado descarta outros supostos crimes comuns que têm sido associados à fala de Moro, como obstrução de Justiça, prevaricação ou tráfico de influência. Mas considera que há crime de responsabilidade na pressão de Bolsonaro para trocar o diretor-geral da PF, de acordo com a Lei 1.079, cujo artigo nono, inciso sete, afirma que há violação contra a probidade na administração, para quem “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Valor Econômico