Frente parlamentar quer punir chanceler por “comunavírus”

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Foto: Charles Sholl/Brazil Photo Press/Folhapress

O deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), que preside frente parlamentar Brasil-China na Câmara, ameaça entrar com um pedido de impeachment do chanceler Ernesto Araújo por causa de críticas ao país asiático. O parlamentar encomendou a seus assessores jurídicos a elaboração de uma denúncia por crime de responsabilidade e pretende apresentá-la nos próximos dias ao Supremo Tribunal Federal e à Câmara dos Deputados. O motivo foi o texto intitulado “Chegou o Comunavírus”, publicado pelo chanceler na noite de terça-feira, 21, em seu blog pessoal, o Metapolítica 17.

No texto, o ministro comenta um livro de Slavoj Zizek e denuncia “o jogo comunista-globalista de apropriação da pandemia para subverter completamente a democracia liberal e a economia de mercado”. O ministro reproduz trechos do livro e faz observações críticas sobre o regime do Partido Comunista Chinês e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

“A pretexto da pandemia, o novo comunismo trata de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma agência central de ‘solidariedade’ encarregada de vigiar e punir. Um estado de exceção global permanente, transformando o mundo num grande campo de concentração. Diante disso precisamos lutar pela saúde do corpo e pela saúde do espírito humano, contra o coronavírus mas também contra o Comunavírus, que tenta aproveitar a oportunidade destrutiva aberta pelo primeiro, um parasita do parasita”, escreveu o ministro das Relações Exteriores.

Pinato disse que vai processar o chanceler nos próximos dias por “reiteradamente externar posições irresponsáveis e depreciativas” contra a China, maior parceira comercial do Brasil. “Logo, contra os interesses do nosso País”, diz o deputado, que também preside a Comissão de Agricultura da Câmara e a frente parlamentar do Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Pinato cita o artigo 5.º da Lei do Impeachment: “cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade”.

“Se couber, eu vou entrar (com pedido de impeachment), com denúncia na Mesa Diretora, caso não haja uma retratação. Vou fazer essa manobra jurídica e política”, afirmou o parlamentar. “O chanceler chamar o pessoal de parasita é ódio ideológico que vai contra o interesse do País nesse momento.”

Para o deputado, o aumento das cotas de importação de soja dos Estados Unidos pela China, em detrimento de produtores nacionais, foi influenciado não só pelos termos de acordo comercial entre as duas potências e pelo impacto da pandemia da covid-19 no Brasil, mas também por uma questão de “segurança política”.

“O chanceler é completamente despreparado. Ele está com a visão totalmente distorcida, muito limitada, quando temos que equilibrar saúde e economia, como diz o presidente, e a balança comercial. Ele vai na contramão dos interesses, chamando os caras de parasitas, e nós precisando aumentar exportação e buscar investimento fora. Estamos chutando um dos principais parceiros comerciais. O que o País vai ganhar com isso?”, disse.

Pinato observa que já silenciou em outros momentos da escalada de tensão com a China, iniciada em março, marcada por publicações interpretadas como ofensivas a Pequim feitas pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, e pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. Eduardo culpou o governo chinês pela pandemia, enquanto Weintraub ridicularizou o sotaque chinês e insinuou que o país asiático seria beneficiado geopoliticamente pela crise mundial.

Nas duas ocasiões, a Embaixada da China reagiu de forma dura e cobrou retratação. O chanceler agiu em defesa de Eduardo, ao repreender a reação do embaixador chinês, Yang Wanming, e se calou sobre o episódio com o ministro da Educação.

Agora, Araújo publica o artigo no momento em que a China tenta reagir globalmente a acusações sem prova de que o novo coronavírus teria sido fabricado em laboratório e difundido pela China como forma de subjugar os demais países.

Também recorre a argumentos da OMS contrários à estigmatização do país como forma de convencer pessoas a não usarem o termo pejorativo “vírus chinês”. A expressão foi difundida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que cortou o financiamento à OMS por considerar a entidade “muito centrada” na China. As teses ganharam ampla adesão entre bolsonaristas.

A manifestação de Pinato, que já havia defendido o embaixador chinês e cobrou investigação de ameaças contra o diplomata, é mais um sinal de insatisfação no agronegócio, cujo principal importador é a China, o que gera uma relação de dependência de produtores rurais brasileiros. Pinato joga pressão agora para que haja uma repreensão dentro do governo Bolsonaro. Ele cobra censura ao chanceler por parte de ministros que cuidam de setores que fazem negócios com Pequim.

“Está na mão do governo. A ministra da Agricultura (Tereza Cristina) tem que falar, o Tarcísio (Freitas, ministro da Infraestrutura) que está mandando avião para buscar insumos, os ministros militares têm que falar. Isso pode prejudicar a gente. Dá a impressão de que quem quer gerar o caos é ele. Alguém precisa brecar isso”, protesta o deputado.

Além da frente parlamentar, o Cidadania também cobrou que Araújo deixe o cargo de chanceler. O presidente do partido, o ex-deputado Roberto Freire, e o deputado Marcelo Calero (RJ), que é diplomata de carreira, afirmam que o ministro é “lunático” e redigiu um artigo “paranoico”. “Ernesto Araújo trai as nossas melhores tradições diplomáticas e desonra a nação internacionalmente com suas ideias toscas, delirantes, desprovidas de lógica e com sentido beligerante”, afirmaram, em nota, Freire e Calero.

“Em plena pandemia, quando as nações precisam estreitar laços e ampliar a cooperação, o usurpador da nossa boa diplomacia insiste em ver um grande complô de um suposto comunismo internacional para dominar o mundo. O ‘des-ministro’ revela-se, em sua forma mais contundente, um incapacitado completo, capaz de atuar contra os mais sagrados interesses nacionais sem qualquer pudor ou cerimônia. Nesse sentido, não é viável que siga à frente do Itamaraty.”

Procurado, o Itamaraty disse que não vai comentar.

Estadão