Mourão pede demissão de Mandetta

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Foto: Adnilton Farias/Flickr

O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta terça, 14, que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, “cruzou a linha da bola” na entrevista no domingo ao Fantástico, da TV Globo, quando disse que a população não sabe se deve acreditar nele ou no presidente Jair Bolsonaro. “Cruzar a linha da bola é uma falta grave no polo. Nenhum cavaleiro pode cruzar na frente da linha da bola”, explicou o vice. “Ele fez uma falta. Merecia um cartão”, continuou Mourão, primeiro convidado da série Estadão Live Talks.

“(Mandetta) não precisava ter dito determinadas coisas”, disse o vice-presidente na entrevista a Alberto Bombig, editor da Coluna do Estadão, Eliane Cantanhêde, colunista do Estado, e Tânia Monteiro, repórter da Sucursal de Brasília. Ao Fantástico, o ministro da Saúde cobrou uma “fala única” do governo nas orientações sobre o enfrentamento do novo coronavírus. “O brasileiro não sabe se escuta o ministro da Saúde, o presidente, quem é que ele escuta”, disse.

A entrevista, como revelou o Estado, foi encarada por interlocutores e integrantes do Palácio do Planalto como uma provocação ao presidente, com quem trava uma guerra pública sobre medidas de enfrentamento ao novo coronavírus.

Questionado nesta terça se Mandetta foi “insubordinado”, como seria tratado no ambiente militar, Mourão respondeu: “Não digo que Mandetta foi insubordinado até porque estamos na vida civil. Apesar dele ter sido oficial do Exército, tenente médico, a vida seguiu diferente. As nuances na política são distintas da caserna.”

Para o vice-presidente, as discordâncias entre Mandetta e Bolsonaro precisam ser resolvidas “intramuros”, e não via imprensa. Mourão afirmou ainda ser contra trocar de ministro da Saúde neste momento. “É uma decisão do presidente (tirar um ministro ou não). Eles ficam até que perdem a confiança do presidente. Existe muito tititi, mas julgo que o presidente não deve mudar ministro nesse momento. Cabe mais uma conversa ali, chamar ele e dizer para eles acertarem a passada, para que as coisas sejam discutidas intramuros e não via imprensa.”

“O trabalho técnico da equipe da Saúde é considerado muito bom. Com a coordenação agora do centro de operações capitaneado por Braga Netto, também. É um trabalho muito setorial, envolve mais ministérios”. Para ele, Bolsonaro não é ‘tutelado’ por ministros militares ou por seus filhos Eduardo, Flávio e Carlos na condução da crise. “O que existe é um processo decisório. Compete a ele, de acordo com as observações feitas, tomar decisões.”

Mourão afirmou que a crise do coronavírus está sendo politizada e disse que Bolsonaro tem “extrema preocupação” com a população desassistida. Para ele, a “politização” da crise é resultado da polarização política no País. “O vírus está sendo politizado. Está acontecendo em outros países do mundo. Fruto da polarização aqui no Brasil. O vírus tem sido usado desta forma. Não critico governadores, mas destaco aqui que o ex-presidente dos EUA Lyndon B. Johnson em 1964 teria declarado numa entrevista que se um homem, ao assumir a Presidência, não pode fazer o que julga correto, para que ser presidente?”

O vice-presidente defendeu as “ações concretas” de Bolsonaro em detrimento das coisas que o presidente declara. “Temos que olhar mais para as ações do que para as palavras. Muita coisa se coloca como algo a ser colocado por causa de palavras, mas ele tem direito de apresentar as coisas. As ações concretas dele não rompem barreiras. Não teço críticas públicas porque seria deslealdade. Se ele me perguntar, a gente troca impressões e eu apresento o que penso.”

Ele evitou falar de política em meio ao coronavírus e disse que, em 2022, consideraria “pendurar as chuteiras” se Bolsonaro não o convocasse para ser candidato a vice numa tentativa de reeleição. “Muita água vai rolar. Vamos deixar o avanço do combate à pandemia e às consequência ao sistema econômico. Quando terminar, vamos ver a posição do presidente. Aí temos dois anos para reconstruir o Pais”, disse Mourão. “Temos que continuar no rumo de aprovar reformas, PECs, porque a vida não vai parar. O que gastarmos é obvio que terá de ser pago no futuro. Esse gasto é transitório, não pode ser estendido de forma permanente.”

Para Mourão, os manifestantes que foram às ruas no fim de semana são do “isolamento zona sul”, como classificou, em referência aos bairros nobres do Rio de Janeiro, e que os atos foram pouco expressivos. Ele falou em “isolamento inteligente”, sem deixar claro se apoia um isolamento total ou “vertical”, como já defendeu Bolsonaro.

‘As pessoas que foram às ruas são as do que eu chamo de ‘isolamento zona sul’, pessoas que estão confinadas e que não têm seus salários afetados, que recebem comida de delivery. Essa turma está incomodada porque sua vida está compactada. Foram manifestações bem pouco expressivas. Não vimos a favela descer em peso protestar que estão confinados. Seria uma manifestação bem mais complicada do que carreatas’ . (Hamilton Mourão, vice-presidente da República)

Mourão disse que espera “inteligência” em relação a como o governo federal deve orientar o isolamento da população em relação ao coronavírus no País. “A gente tem que olhar a película como um todo. Advogo um isolamento que seja inteligente. Mas para isso temos que melhorar nossa capacidade de testagem. O corona está em 400, 500 municípios do País, temos 5 mil. As áreas onde o vírus não penetrou poderiam ser isoladas, as atividades se dando de forma formal. Poderiam ter medidas determinadas para determinados bairros, mas isso não chegou a mim. Temos que ser mais inteligentes na questão do isolamento.”

Mourão evitou comentar o fato de Bolsonaro vir defendendo o uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Ele vê uma discussão exacerbada sobre uma tema que ainda não tem resultado de “estudo consistente” a respeito de eficácia. “Tem hospitais usando e outros que não estão usando.”

Mourão se posicionou contra o uso de recursos do fundo eleitoral para ajudar no combate ao coronavírus. Ele propôs que partidos atuem de forma espontânea com doações, por exemplo. “A discussão sobre o fundo também está politizada. São recursos que no frigir dos ovos não resolvem o problema. Vão ser uma meia xícara de água no que estamos vivendo. Vamos deixar esses fundos de lado. É a melhor solução. Financia a eleição”, disse Mourão.

Ele defendeu que a eleição para prefeituras e vereadores seja mantida em 2020. “Essa eleição vai ter que ocorrer esse ano. Outubro ou dezembro, tem que andar. (Quanto ao) fundo partidário, pode ser até que, de livre arbítrio de cada partido, façam campanhas de doação, de cestas básicas, distribuição de kits de limpeza. Acho que os partidos poderiam espontaneamente partir para essa linha de ação.”

Mourão evitou comentar os atritos entre o escritor Olavo de Carvalho, considerado guru bolsonarista, e militares do governo, e disse que cada pessoa precisa fazer seu próprio julgamente em relação a informações que recebe por redes sociais. “As redes são um fenômeno moderno. Eu não dou bola (para ataques nas redes, como faz e influencia Olavo). “Compete a cada um fazer um julgamento do que aparece. Muito lixo circula e temos que saber enfrentar.”

Estadão