Número oficial de mortos no Rio diverge de cartórios

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Fabio Motta / Agência O Globo

Enquanto o boletim mais recente da Secretaria de estado de Saúde do Rio, divulgado nesta domingo (12), contabiliza 170 óbitos confirmados pelo novo coronavírus e 115 ainda em investigação, dados dos cartórios fluminenses apontam números diferentes. De acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), 262 pessoas tiveram mortes confirmadas ou suspeitas de Covid-19 no estado.

A discrepância nos números a nível nacional, com dados divulgados pelo Ministério da Saúde, foi mostrada na coluna do jornalista Guilherme Amado, da Época. Pelos números mais recentes do governo federal, 1223 já morreram de Covid-19 no país, enquanto os cartórios dão conta de 1392 óbitos. Os dados disponíveis no sistema da Arpen são atualizados a cada hora, e não diferem mortes suspeitas de coronavírus de casos confirmados.

Só na capital fluminense, até a tarde desta segunda-feira, o portal contabilizava 176 óbitos, enquanto a Secretaria de Saúde dava conta de 106 casos. Observando alguns dias específicos, a diferença nos dados divulgados são mais expressivas. No último dia 03, de acordo com o governo do estado, nove pessoas morreram por coronavírus, na cidade do Rio, em Volta Redonda e Nova Iguaçu. Pelo portal da transparência dos cartórios, no entanto, foram 24 registros no estado e 18 na capital.

O vice-presidente da Arpen, Luis Carlos Vendramin, alerta que, diferente dos dados compilados e divulgados pelas autoridades públicas de saúde, não existe preocupação científica ou epidemiológica no balanço feito pela associação, e quando uma morte já registrada como suspeita é testada negativa, não existe retificação da documentação.

— Quando alguém morre no hospital, ou por um acidente em casa ou na rua, um médico precisa emitir a declaração de óbito. Esse documento é um atestado, onde além do local, data e hora do falecimento, o médico determina a causa da morte, ou a suspeita. Com esse documento, a família vai ao cartório e lavra o registro do óbito, e sai de lá com a certidão de óbito, o documento que prova que alguém faleceu. O portal da transparência (da associação), por meio de sistema de processamento de informação, pega a expressão “covid-19” que consta no atestado e faz a totalização, desprezando se é confirmado ou suspeito — explica Vendramim.

De acordo com a Secretaria de estado de Saúde, os resultados dos exames ficam prontos numa média de 48h no Laboratório Central Noel Nutels (Lacen). A prioridade são casos graves, óbitos e profissionais de saúde que estejam doentes.

No fim de março, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Saúde assinaram uma portaria conjunta com mudanças no procedimento de enterro ou cremação das vítimas da pandemia do coronavírus. O documento também determinou que em casos de mortes por doença respiratória, onde haja suspeita de coronavírus, os atestados de óbito devem constar “provável para covid-19” ou “suspeito para covid-19” nas lacunas relacionadas a causa da morte.

Para o epidemiologista Roberto Medronho, chefe da Divisão de Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), da UFRJ, a diferença nos dados divulgados pela associação de cartórios e pela Secretaria de Saúde mostra a dificuldade em se confirmar o diagnóstico dos pacientes, principalmente os que não resistem à doença a tempo de serem testados.

— O médico que está atendendo o paciente vai dizer qual a causa básica que fez com que ele evoluísse para o óbito. Com os exames, consegue confirmar laboratorialmente. Mas é importante que tenhamos um protocolo que seja seguido na área pública e na área privada após a morte, para que saibamos se a pessoa morreu ou não de Covid-19. Uma outra saída seria também examinar os familiares e as pessoas que cercaram aquela vítima. Não é uma confirmação, mas é um indício a mais — avalia o médico.

Para Medronho, que é membro do Conselho de Notáveis — grupo de 19 especialistas em várias áreas da ciência do Rio criado pelo governo estadual para amparar decisões oficiais — a discrepância dos números é importante porque revela que os órgãos de saúde estão ampliando a investigação dos óbitos. Isso porque o total de mortes contabilizadas pela SES já ultrapassa o balanço dos cartórios fluminenses: incluindo mortes confirmadas (170), descartadas (117) e em investigação (115), o número do estado chega a 402.

— O cartório está fazendo o registro civil daquela informação, e não tem função de gerar estatísticas epidemiológicas. Depois, os casos vão para a secretaria, onde são analisados. É uma função de saúde pública, para que possamos traçar políticas públicas para melhorar o sistema de saúde. A diferença nos números apontam que a secretaria e os municípios estão ampliando a investigação dos óbitos, como deve ser. O sistema de vigilância epidemiológica deve ter uma sensibilidade maior ao apurar os casos. Não estão só testando vítimas fatais suspeitas de Covid-19, mas também os que estejam registrados como pneumonia ou insuficiência respiratória, por exemplo, e que pode ser coronavírus.

Para o epidemiologista, no entanto, ainda há falhas e lacunas, principalmente na divulgação dos balanços diários de vítimas da doença. Outro ponto a ser corrigido, segundo ele, seria a implementação do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), que não existe no Rio. O órgão serve para elucidar mortes naturais de causa desconhecida ou duvidosa.

— O que seria mais correto para a população seria a SES informar as datas específicas das mortes em cada boletim diário, porque aí teríamos a ideia real se os números são daquele dia ou se esses óbitos não estão acumulados na investigação. Outra grande falha é não termos no Rio um Serviço de Verificação de Óbitos, que neste momento seria fundamental para ajudar na confirmação ou afastar os casos suspeitos de Covid-19 — afirma Medronho. — Viveremos outras epidemias, essa não será a primeira nem a última. Conhecer a realidade dos óbitos nos ajuda não só durante uma pandemia, mas no ajustamento da subnotificação dos casos, e a reestimar a curva, para saber o real impacto da epidemia no sistema de saúde.

O Globo