Pandemia aprofunda desigualdade, diz estudo
Foto: Jardiel Carvalho
A crise provocada pelo coronavírus deverá acentuar desigualdades existentes no mercado de trabalho brasileiro, entre homens e mulheres, brancos e negros, de acordo com estudo feito por pesquisadores de uma rede articulada por várias instituições acadêmicas para monitorar o impacto da pandemia no país.
Conforme a análise do grupo, mulheres e negros foram atingidos pela crise em situação mais desfavorável, com vínculos de emprego mais instáveis ou porque trabalham em atividades econômicas que foram mais afetadas pelo avanço da Covid-19 e agora correm maiores riscos de perder emprego e renda.
“Por terem vínculos mais frágeis com seus empregadores, essas pessoas tendem a ser mais prejudicadas pela crise, por causa do potencial de rompimento desses vínculos”, observa o sociólogo Ian Prates, pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e um dos autores do estudo.
Muitos homens e mulheres brancas também sofrerão com a crise, embora tenham vínculos mais estáveis com seu trabalho, porque exercem atividades que foram mais prejudicadas pela pandemia.
“São pessoas menos vulneráveis, mas que mesmo assim talvez não resistam ao impacto da crise atual”, diz Prates.
Para estimar o grau de vulnerabilidade da força de trabalho, os pesquisadores analisaram sua composição antes da epidemia, de acordo com o vínculo com o empregador e o setor de atividade, conforme os dados mais recentes publicados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), referentes a dezembro.
Informações do Google sobre a mobilidade em estabelecimentos comerciais, boletins da Cielo sobre transações com cartões de crédito e levantamentos do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) foram usados para avaliar os efeitos da epidemia nos diferentes setores da economia.
38%
dos trabalhadores estão no grupo mais vulnerável, formado por informais em serviços não essenciais
64%
é o quanto a participação das mulheres negras nesse grupo é maior que na população ocupada total
Segundo os cálculos do grupo, 38% da força de trabalho pode ser considerada altamente vulnerável, por causa da informalidade de seus vínculos. São trabalhadores sem carteira assinada que atuam em empresas ou realizam serviços domésticos, ou que trabalham por conta própria sem registro formal.
Os membros de outro grupo, equivalente a 46% da força de trabalho, têm vínculos formais e mais estáveis, mas atuam em setores prejudicados por não terem sido considerados essenciais pelas políticas de combate ao coronavírus ou por terem sido especialmente afetados pela paralisia da economia.
A participação de homens e mulheres brancas nesse contingente, que os pesquisadores classificam como “novos vulneráveis”, é mais significativa do que na força de trabalho em geral, assim como a de homens e mulheres negras é maior nos grupos considerados mais vulneráveis, de acordo com o estudo.
Há uma forte correlação entre escolaridade, gênero e raça na distribuição da população ocupada entre os vários grupos de risco, dizem os pesquisadores, mas a crise do coronavírus representa a primeira vez que grupos relativamente mais protegidos, e mais brancos, encontram-se ameaçados também.
No grupo mais vulnerável, formado por trabalhadores informais em serviços não essenciais, a participação de mulheres negras é 64% maior do que na força de trabalho, diz o estudo. A participação de homens brancos nesse mesmo grupo é 36% inferior à encontrada na população ocupada total.
Num grupo que reúne trabalhadores com registro formal e vínculos mais estáveis, empregados em serviços não essenciais, a participação de mulheres brancas é 28% maior do que a observada na força de trabalho, e a de homens negros é 23% inferior à verificada na população em geral.
Para atenuar o impacto da pandemia, o governo começou a pagar um auxílio emergencial de R$ 600 por mês para trabalhadores do setor informal e lançou um programa que promete compensar parte das perdas sofridas pelos que tiverem redução da jornada e dos salários.
Especialistas preveem que essas medidas se revelarão insuficientes com o aprofundamento da crise, que empurrará o mundo inteiro para uma recessão neste ano, atingindo uma parcela maior dos trabalhadores que hoje se encontram nos grupos menos ameaçados da população.