Procurador-geral da República se esquiva de criticar Bolsonaro
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Após o presidente Jair Bolsonaro discursar para manifestantes que pediam intervenção militar e o fechamento do Congresso Nacional em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, neste domingo, 19, o Procurador-Geral da Repúbica Augusto Aras afirmou que o Ministério Público precisa ‘estar atento em defesa da nossa democracia para que se preservem as instituições do Estado brasileiro’ e tem o compromisso de velar ‘pela ordem jurídica que sustenta o regime democrático’.
“Precisamos estar atentos para que uma calamidade pública não evolua para modelo de estado de defesa ou de sítio, porque a história revela que nesses momentos podem surgir oportunistas em busca de locupletamento a partir da miséria e da perda da paz que podem resultar em graves comoções sociais”, afirmou em nota que reitera discurso proferido na posse da nova direção do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), na última sexta, 17.
O PGR afirmou ainda que o Ministério Público ‘não pode se dobrar a nenhum governo, mas, deve, sim, fortalecer o Estado brasileiro no universo dos Poderes que recebeu do constituinte de 1988’.
“É preciso estar atentos neste momento para as polarizações, os extremos, internos e externos, que enfraquecem a nossa democracia participativa. E para isso fica o meu convite à tolerância, à solidariedade e à responsabilidade sociais, mormente neste período em que a epidemia tem dizimado milhares de pessoas”, afirmou.
A atitude de Bolsonaro de ir a um protesto antidemocrático e de incentivar a aglomeração de pessoas foi considerada por políticos como ‘grave’, ‘incentivo à desobediência’ e ‘escalada antidemocrática’. As manifestações foram criticadas por ministros do Supremo – Luís Roberto Barroso disse que é ‘assustador’ ver manifestações pela volta do regime militar, após 30 anos de democracia e Marco Aurélio Mello chamou os manifestantes de ‘saudosistas inoportunos’. Gilmar Mendes afirmou que ‘invocar o AI-5 e a volta da Ditadura é rasgar o compromisso com a Constituição e com a ordem democrática.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, afirmou que o presidente ‘atravessou o Rubicão’, expressão que faz referência a um ‘caminho sem volta’. O Grupo Prerrogativas pediu a ‘instauração imediata de providências’ que façam o presidente ‘responder pela grave transgressão da elevada responsabilidade do cargo’.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e outras cinco entidades da magistratura federal afirmaram que ‘não admitirão qualquer retrocesso institucional ou o rompimento da ordem democrática’. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) sinalizou que que está pronta ‘para atuar em defesa da Constituição, da magistratura e do sistema de Justiça’.
A presença do presidente Jair Bolsonaro na manifestação em frente ao Quartel General do Exército contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda provocou um ‘enorme desconforto’ na cúpula militar. Ao Estado, oficiais-generais destacaram que não se cansam de repetir que as Forças Armadas são instituições permanentes, que servem ao Estado Brasileiro e não ao governo.
A propósito dos eventos noticiados neste domingo (19), o procurador-geral da República, Augusto Aras, reitera discurso proferido na sexta-feira (17) na solenidade virtual de posse da nova direção do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG):
Na última sexta-feira (17) tive a oportunidade de me dirigir aos colegas de todo o país, cumprimentando o Dr. Paulo Cezar Passos, ex-presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União, e Fabiano Dallazen, empossado na presidência da entidade, para renovar o compromisso do Ministério Público brasileiro de velar, em todas as unidades da Federação e por meio de todos os seus ramos, pela ordem jurídica que sustenta o regime democrático, nos termos da Constituição Federal. A outorga de tantas atribuições e competências ao Ministério Público brasileiro veio garantida institucionalmente pelos princípios da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional, a partir do ponto de vista clássico de ser o parquet uno e indivisível, e, em relação a seus membros, pelos princípios de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos seus subsídios.
Neste período em que ocupo o cargo de procurador-geral da República e a presidência do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), encontrei apoio das representativas entidades de classe e de tantos colegas que compartilham valores que refletem o fortalecimento de uma carreira de Estado que não pode se dobrar a nenhum governo, mas, deve, sim, fortalecer o Estado brasileiro no universo dos Poderes que recebeu do constituinte de 1988. Essa unidade revela que somos um só, o Ministério Público brasileiro, a instituição que deve conferir tratamento isonômico entre todos os ramos, respeitada a indivisibilidade por linhas, como é da clássica jurisprudência, para a defesa da democracia participativa. E devemos preservar a independência funcional, com respeito à possibilidade da revisão dos atos dos seus membros, pelos órgãos superiores, quando houver equívocos, excessos ou desvios, porque é da natureza das instituições que mantenham a linguagem estruturalista da coerência, da coesão e da unidade, para que produzam comunicação racional, inteligível, atributiva de segurança jurídica e capaz de conformar litígios, prevenindo-os ou solucionando-os.
A integração, por meio do intenso diálogo que vem sendo realizado no Ministério Público brasileiro, interna e externamente, tem propiciado uma nova compreensão da sociedade, do Estado e dos cidadãos acerca de quem somos e do que devemos fazer ou não fazer, com respeito à Constituição e às Leis do país, como guardiões do Estado Democrático de Direito que envolve múltiplas dimensões, mormente de direitos e garantias fundamentais, de um sistema econômico de mercado, de velar pelo pluralismo político e pelo multiculturalismo, especialmente das comunidades minoritárias, seja na representação política (mulheres e negros), seja na densidade demográfica (indígenas e comunidades tradicionais).
É com o CNPG, é com cada membro do Ministério Público, é com cada cidadão que a democracia participativa ganha sua pujança, fazendo com que todos, de forma individual, sufragando seu voto na urna, ou de forma coletiva por meio das suas instituições classistas, participem da tomada das decisões políticas, tornando-se responsáveis pelos seus próprios destinos, contribuindo na formação do consenso social (soberania popular). Mas é preciso estar atentos neste momento para as polarizações, os extremos, internos e externos, que enfraquecem a nossa democracia participativa. E para isso fica o meu convite à tolerância, à solidariedade e à responsabilidade sociais, mormente neste período em que a epidemia tem dizimado milhares de pessoas.
O Ministério Público, em todo o país, em todos os ramos, vem dando sua contribuição ao enfrentamento do vírus, desde a integração com as autoridades e a sociedade realizada por meio do Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia Covid-19 (Giac), composto por membros da PGR e do CNMP com promotores e procuradores de todo o Brasil, até carreando recursos bilionários para o esforço de guerra contra o coronavírus. Precisamos estar atentos para que uma calamidade pública não evolua para modelo de estado de defesa ou de sítio, porque a história revela que nesses momentos podem surgir oportunistas em busca de locupletamento a partir da miséria e da perda da paz que podem resultar em graves comoções sociais. Daí por que o Ministério Público brasileiro há de estar atento em defesa da nossa democracia para que se preservem as instituições do Estado brasileiro, pela força normativa da Constituição. Que o Ministério Público brasileiro, como carreira de Estado, esteja forte, presente e unido. Na sua unidade encontramos a força que emana da Constituição e nos confia, como guardiões que somos do Estado Democrático de Direito, neste instante, mais ainda, todos os cuidados voltados para a saúde pública.