SP tem mortalidade de 15% por coronavírus
Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
A angústia de ter alguém próximo internado em decorrência da Covid-19 aumenta à medida que os números de mortes crescem dentro dos hospitais. Em estados como São Paulo, que registra volume expressivo de óbitos, e Amazonas, com precária infraestrutura do sistema de saúde, as mortes durante internações têm se tornado um desafio a profissionais da área.
O estado de São Paulo atingiu nesta terça-feira o pico de internações, com mais de 2 mil pacientes de Covid-19 nos hospitais. Até esta segunda, segundo cálculo de O GLOBO com base nos números divulgados pela Secretaria de Saúde do Estado, 15% das pessoas infectadas pelo coronavírus que necessitaram de internação morreram.
Das 3.849 internações
O aumento de pessoas no hospital também faz crescer o risco de infecção, segundo Stanislau. Ainda hoje, duas semanas após a morte de sua mãe em um hospital de São Paulo, a dona de casa Rosangela Batista, de 55 anos, não sabe onde Maria do Carmo, de 75, contraiu a doença. Internada por um problema gástrico, ela apresentou sintomas já no hospital e não resistiu à Covid-19, aliada aos problemas crônicos. A morte ocorreu no último dia 31, mas Rosangela lembra que o andar do hospital privado onde sua mãe estava internada já tinha outros pacientes infectados com o novo coronavírus.
Mesmo assim, com um equipamento de proteção individual, ela pôde visitar sua mãe.
— No andar em que ela estava internava, só podia andar uma pessoa. Só ia eu, colocava avental, máscara, tudo. No último dia, fui com a minha filha, pedi para a médica deixá-la subir porque já sabíamos que ela dificilmente resistiria — diz.
O infectologista David Uip, coordenador do Centro de Contingência de Coronavírus do governo paulista, destacou, nesta semana, que os pacientes estão chegando aos hospitais em situação cada vez mais grave e permanecem em UTI não menos que 14 dias, muitas vezes, 21 dias ou mais.
— Quero dizer aos pacientes, inclusive àqueles graves, que eles têm chance de sair vivos. O diagnóstico não é uma sentença de morte. É uma doença extremamente grave, que requer muito do sistema de saúde. O grande problema é esse, o sistema tem que suportar — disse Uip, em entrevista à Globonews.
desde o início da pandemia nos hospitais públicos e privados paulistas, 1.524 tiveram altae 588 morreram — ontem, esse número subiu para 695. No Amazonas, a taxa de mortos entre os internados alcançou, no mesmo período, 17% — 71 óbitos de 412 internações. Ao lado do Rio e do Ceará, os dois estados concentram atenção do Ministério da Saúde com o desenrolar da pandemia.
As secretarias estaduais de Saúde do Rio e do Ceará não informaram o número de pacientes que morreram durante a internação por Covid-19.
— Um percentual de 15% de mortes entre internados, se confirmado, não pode ser desprezado e pode estar subestimado. Na China, entre a entrada no hospital e o desfecho da morte, o período foi de oito semanas. Torcemos pela alta, mas muitos dos que estão internados hoje poderão ter desfecho ruim — diz Evaldo Stanislau, diretor da Sociedade Paulista de Infectologia.
Médico infectologista e intensivista, Décio Diament destaca que a falta de testes no Brasil dificulta qualquer análise sobre o impacto da doença no sistema de saúde. Segundo ele, como os exames têm demorado dias e até semanas para ficar prontos, é possível que a taxa de mortalidade não reflita a realidade. Em outras palavras: casos que não evoluíram para óbito ainda esperam o resultado do exame.
Diament lembra que a mortalidade vai variar de hospital para hospital e de estado para estado quando recomeçarem as testagens em massa. A situação irá depender, sobretudo, da capacidade da rede de saúde de absorver a demanda.
— Neste cenário em que estamos, pode ser a melhor a equipe do mundo, mas, se não tiver a estrutura física, as pessoas vão morrer. Em Milão foi isso, os médicos tiveram que decidir quem teria chance de viver e quem não teria — afirma.
A comerciante Telma Rigolo também limitou visitas quando seu pai, Francisco, 98 anos, foi internado com a doença. Segundo ela, a orientação que recebeu foi para não visitá-lo. Segundo Telma, de 56 anos, a partir de certo momento da internação, o acompanhamento foi à distância.
— Eu o visitei três dias, vi que ele foi piorando e que não fazia sentido eu me arriscar. Ligava, conversava com a psicóloga. A última coisa que você quer ver é um parente morrendo sozinho, principalmente um pai de quem você já está cuidando há anos.
Segundo Carlos Carvalho, diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo (Incor), todo sistema invasivo, como os ventiladores, também eleva o risco de infecção. Em média, o uso desses equipamentos aumenta em 20% a 30% o surgimento de pneumonias bacterianas, por exemplo. Após cinco dias usando o ventilador, o risco de infecção hospitalar sobe.
— O manuseio do respirador, colocado na traqueia, exige cuidados. Quando uma pessoa respira, ela puxa o ar do ambiente. Quando usa o aparelho, o ar é empurrado para dentro do pulmão. Se essa pressão positiva não for ajustada, há risco de causar lesão adicional no pulmão. O mesmo equipamento que pode salvar vidas pode agravar a situação.
Segundo o especialista, já houve caso de paciente que chegou em situação tão grave que permaneceu menos de 12 horas na UTI.
O Incor está mantendo plantão médico de 24 horas para tirar dúvidas de outros médicos e discutir casos clínicos dos pacientes que estão internados.