“Velhos do futuro” vão morrer de fome, diz juiz

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Foto: Divulgação

O juiz Eduardo Cubas, da Justiça Federal em Formosa (GO), proferiu decisão nesta quinta, 2, determinando a antecipação da aposentadoria rural de uma mulher em razão da pandemia da Covid-19. No despacho, o magistrado diz que trabalhadores rurais foram ‘excluídos’ das previsões do ‘coronavoucher’, auxílio que o presidente Jair Bolsonaro diz que vai publicar após enviar medida provisória para o Congresso para garantir a legalidade do gasto. Cubas afirma que a ‘sociedade ainda não se deu conta de quem pagará a conta’ e que ‘o fim da aposentadoria é um fato líquido e certo, nada sendo feito em termo de distribuição de renda’. “Se os velhos atuais podem morrer de Covid-19 (mera possibilidade), fica a certeza de que os futuros velhos, esses sim, irão de morrer de fome”, afirma o juiz na decisão.

“Quantos milhões de pessoas, digam-se velhos, em breve irão passar fome sem suas aposentadorias? Em recente pronunciamento público o Ministro da Economia anunciou que todos os recursos advindos da última reforma da previdência serão utilizados para os dias de hoje, acabando com cláusula de poupança futura que se pretendeu. Em outras palavras, não há futuro”, registra o juiz no despacho.

Segundo o magistrado, ‘todos os trabalhadores do país que estão sendo mais uma vez chamados a pagar uma conta que não é sua’ porque ‘nos termos da Constituição, as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social’.

“O argumento do vírus Covid-19 está servindo para acabar de uma vez por todas o regime da seguridade social no país”, escreveu Cubas.

Segundo o juiz, houve ‘irresponsabilidade institucional’ do Poder Legislativo ao ‘tramitar projeto sem indicar as fontes de custeio’. Segundo o juiz a lei que instituiu o ‘coronavoucher’ é ‘inconstitucional e acabará a previdência social de todo país’. “Ou seja, para salvar 10.000, 20.000 ou até 30.000 pessoas da Covid-19, estará condenando à morte milhares de futuros idosos daqui a 5, 10 anos ou 20 anos”, escreve Cubas na decisão.

O magistrado ainda a celeridade da votação da lei, frisando que ‘havendo vontade política tudo se aprova, concedendo justamente benefícios de Assistência Social’.

A medida para amenizar os efeitos da pandemia de coronavírus na economia foi aprovada em sessões virtuais na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quarta, 1, em suas redes sociais, que havia sancionado o texto, mas o mesmo não foi publicado. Ele diz que vai publicar a sanção no Diário Oficial da União após editar medida provisória que garanta a legalidade do gasto extra de R$ 98 bilhões. O presidente argumentou que o Congresso tem que avalizar a criação de novas despesas e apontar as fontes de onde sairá o dinheiro.

Segundo o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, o governo encontrou uma solução jurídica para liberar o dinheiro que bancará o auxílio emergencial a trabalhadores informais sem depender da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria o chamado ‘orçamento de guerra‘.

Ao fundamentar o teor do despacho publicado nesta quinta, 2, Cubas também cita a liminar concedida pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes para relaxar exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em relação à criação e expansão de programas para o combate ao novo coronavírus. Segundo o juiz federal, a decisão ‘acaba com responsabilidade política de austeridade fiscal do Estado’ e se deu ‘em completa disfunção orgânica da vontade constitucional’.

A liminar concedida pelo ministro do STF atendeu pedido da Advocacia-Geral da União, sobre a qual Cubas também fez considerações no despacho desta quinta, 2. Segundo o magistrado, a AGU tem feito ‘pedidos contrários à Constituição da República’ e ‘temerários’.

No caso dos gastos com a pandemia da Covid-19, o juiz alega que outras soluções existiam, ‘como a estipulação de empréstimo compulsórios ou contribuições provisórias para fazer frente ao problema de orçamento. No entanto, segundo o juiz, ‘se preferiu a pior forma’ – “Instar o Supremo Tribunal Federal a decidir sob vara, literalmente, na máxima expressão jurídica. Colocar uma verdadeira pressão nos Juízes da Suprema Corte”.

Com relação às alternativas de fontes de recursos para arcar com os gastos da pandemia, o juiz diz ainda que há no Congresso Nacional, ‘projetos que tratam do incremento orçamentário, de forma constitucional, como a instituição de imposto de grandes fortunas, que podem gerar até R$ 420 bilhões’.

“Onde estão os Parlamentares do Brasil que não se lembram, de lege ferenda, para trazer os ricos e as grandes fortunas para pagar essa conta?”, escreve o magistrado.

O magistrado chegou ainda a citar pronunciamento do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, sobre Deus e Astrologia, indicando que “Os astros estão alinhados para que o imposto sobre grandes fortunas seja regulamentado, segundo a vontade divina para tirar dos ricos e dar aos pobres”.

Cubas anotou que ‘não cabe ao Juízo de Instância Inferior descumprir as decisões proferidas pelo STF, ainda que não se concorde com os relevantes fundamentos do seu teor’ e, ao tratar do caso em específico, indicou que a cumpriria ‘por não trazer a previsão para beneficiar milhares de trabalhadores rurais, cuja missão é produzir alimentos’.

Segundo o juiz, ‘o trabalhador rural, de pequena propriedade, e assemelhados foram totalmente excluídos do benefício legal’.

“Indaga-se, porque a Lei 13.982/20 concede um benefício assistencial a pessoas que são seguradas previdenciárias a uns e a outras não? Claro e evidente a inconstitucionalidade por omissão (guardadas, obviamente, todo o conflito orçamentário da matéria, mas que não cabe a mim contrariar decisão do STF) na medida em que estabeleceu beneficio a um e não a outro”.

Cubas diz a norma é ‘manifestadamente inconstitucional’, mas que ‘não cabe a mim considerar como inválida a lei até julgamento final do STF’. Ao conceder a liminar pedida pelo governo, Alexandre submeteu a decisão ao Plenário da Corte.

Ao fim Cubas pontuou: “Verifico que nos processos envolvendo casos de rurícolas em trâmite nesta SSJ (aí inserida as mulheres que pedem auxilio maternidade), o índice de proposição de acordos realizados pelo INSS em audiência chega à cada de mais de 90% dos casos, ou seja, há uma fundada probabilidade de se reconhecer, ao fim dessa demanda, com um juízo positivo de concessão”.

Segundo o despacho, a implantação do benefício de aposentadoria rural especial deve se dar em até dez dias, com data de início a partir desta quinta, 2. O magistrado determinou ainda que o INS tenha o direito de abater, futuramente em outros benefícios, os valores adiantados, ‘ em caso de improcedência do pedido’.

Além disso, o documento indica que ‘eventuais parcelas recebidas na formada Lei 13.982/20 deverão ser descontadas ao final’.

Estadão