A incrível fábrica de chocolate do assessor bolsomínion

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Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Em dois anos, uma loja de chocolates do advogado Victor Granado Alves e sua mulher, a advogada Mariana Frassetto Granado, teve um aumento de capital social de quase nove vezes segundo dados solicitados pelo GLOBO à Junta Comercial do Rio. Eles são os donos da franquia da Kopenhagen, com valor de R$ 480,6 mil, que fica ao lado da sede do Ministério Público Federal do Rio, na Avenida Nilo Peçanha, no Centro. Granado Alves foi assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio entre 2017 e 2019 e é investigado pelo MP estadual no caso da “rachadinha” junto com o senador e Fabrício Queiroz, outro ex-assessor. Aumentos no capital social de empresas refletem aportes dos sócios naquela pessoa jurídica.

Como o senador, Granado Alves também tem franquias da Kopenhagen. Flávio é dono da empresa Bolsottini Chocolates junto com Alexandre Santini, uma loja que fica no Shopping Via Parque, na Zona Oeste, do Rio. Segundo o MP do Rio, a loja foi usada por Flávio para lavar cerca de R$ 1,6 milhão em dinheiro vivo obtido a partir das devoluções de parte dos salários dos servidores. No shopping Via Brasil, na Zona Norte, Granado Alves também tinha uma franquia da Kopenhagen. Essa empresa é a mais antiga que ele possui com a mulher e está registrada como “Damas do Chocolate”. Ela foi aberta em 2007 e, em fevereiro deste ano, foi transferida para a avenida Nilo Peçanha.

Em 2018, o casal aumentou o capital social da empresa de R$ 50 mil para R$ 200 mil. Segundo os documentos entregues por Granado e a mulher à Junta Comercial do Rio em 1º de junho de 2018, esse aporte foi feito a partir de um investimento dos empresários. “Aumento este proveniente de recursos próprios dos sócios”, diz o ofício.

Já em 10 de fevereiro deste ano, quando efetivaram a transferência de endereço da loja, o casal também comunicou à Junta Comercial, por meio de ofícios, um novo aumento no capital: “246.146,00 já aportado na empresa em moeda corrente do país anteriormente”. Além disso, os dois informaram que irão aportar outros R$ 34,5 mil nos próximos 12 meses. Com isso, o novo capital se tornou de R$ 480.646, um aumento de 860% em dois anos.

Segundo o advogado empresarial Paulo Pires, o capital social da empresa é a reunião de bens e/ou dinheiro que são aportados pelos sócios no momento da constituição da sociedade. Depois, quando novos aportes são feitos, eles precisam ser comunicados à Junta Comercial.

– Toda vez que se aumenta o capital social os sócios estão aportando mais na empresa. O capital social é inerte até que os sócios resolvam modificar para cima ou para baixo – explica Pires, acrescentando. – No caso de uma franquia, o valor da aquisição da mesma pode constar no valor do capital social.

O GLOBO teve acesso aos documentos públicos da empresa na Junta Comercial do Rio onde estão descritas as mudanças de capital social. Nestes ofícios, a empresa não detalhou qual parte foi gasta com a aquisição da franquia.

A loja da Rua Nilo Peçanha foi inaugurada em março, poucos dias antes dos decretos de restrição de mobilidade social no estado. O GLOBO apurou com pessoas que estiveram na inauguração que Mariana estava presente cuidando dos detalhes da decoração da nova loja.

Apesar de Granado Alves e a mulher terem informado à Junta Comercial do Rio que o primeiro aumento do capital social foi proveniente de “recursos próprios dos sócios”, os advogados Marcello Ramalho e Ary Bergher, que atuam na defesa de Victor Granado Alves, dizem que a primeira mudança foi um “mero ajuste contábil”, sem movimentação financeira e que foi uma “exigência da franqueadora”.

No entanto, os advogados informam que o segundo aumento do capital foi um aporte até maior do que constou no contrato social. “Já com relação ao valor mencionado de R$ 246.000,00, esclarece que trata-se de um equívoco, eis que o aporte financeiro foi de R$ 280.644,00”. Segundo eles, isso foi feito com quatro transferências bancárias e “por fim, a título de adequação de layout e obra civil realizados no estabelecimento empresarial, foi pago pelos serviços o valor total de R$ 175.644,00, de igual modo, através de transferências bancárias”.

Segundo o advogado Paulo Pires, que falou do caso em tese, todas as mudanças de valor do capital social precisam necessariamente significar aporte de recursos no caixa da empresa ou a situação poderia configurar fraude.

– Um manobra contábil pode ser ilegal, não pode aumentar o capital social sem comprovar que o aporte no caixa aconteceu. O aumento do capital social não pode ser fictício. Isso seria uma fraude contábil, passível das sanções penais, crime financeiro praticado pelo sócio, induzindo um contratante a pensar que a empresa tem uma pujança financeira, quando na verdade ela não tem – explicou Pires.

Granado Alves é peça-chave para duas investigações que envolvem o senador. Alves teve o sigilo bancário quebrado na apuração do Ministério Público do Rio (MP-RJ) sobre a “rachadinha” no gabinete de Flávio, quando o filho de Jair Bolsonaro era deputado estadual pelo Rio de Janeiro, e ainda pode ter testemunhado o vazamento de informações da Operação Furna da Onça para a equipe do parlamentar.

De acordo com relatos do empresário Paulo Marinho, ex-aliado da família presidencial, Alves teria acompanhado Miguel Ângelo Braga, assessor de Flávio e hoje chefe de gabinete do senador, em uma reunião na porta da Superintendência da Polícia Federal (PF) na Praça Mauá, Zona Portuária do Rio, em 2018. Ao jornal “Folha de S. Paulo”, Marinho disse na semana passada que Braga foi avisado, de forma antecipada, por um delegado da PF sobre a ação policial e que, no momento em que isso ocorreu, Alves estaria presente, junto com Val Meliga, que é outra pessoa do círculo de confiança de Flávio.

A Furna da Onça era relevante para Flávio porque, entre os documentos que embasaram a operação, estava um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que revelou movimentações financeiras suspeitas de outro assessor seu: Fabrício Queiroz.

Além de figurar entre as testemunhas do momento do suposto vazamento relatado por Marinho, Alves presenciou a reunião em que o empresário afirma ter ouvido o episódio envolvendo a PF sob a narração de Flávio. Os advogados de Alves confirmaram que esse encontro com Marinho ocorreu na casa do empresário, na Zona Sul do Rio de Janeiro, em 13 de dezembro de 2018. Afirmaram, no entanto, que o cliente está impedido de comentar os fatos lá debatidos diante de sua relação profissional e do “sigilo inerente ao exercício da advocacia”.

Entre as atribuições de Alves no gabinete de Flávio, além de participar de reuniões com aliados como Marinho, o advogado teria acumulado a tarefa de manter contato com Queiroz depois que a investigação sobre o gabinete vieram a público. De acordo com Marinho, Flávio teria escolhido interromper comunicações com Queiroz, com medo de ser acusado de estar transmitindo orientações a ele, e teria delegado a Alves essa função.

O Jornal Nacional, da TV Globo, mostrou esta semana que Granado Alves também adquiriu, junto com a mulher e o advogado Daniel Stolear Simões, outra franquia da Kopenhagen, na Rua Gonçalves Dias, também no Centro. Essa aquisição custou um total de R$ 540 mil em 19 de agosto do ano passado. Na divisão entre os sócios, Granado e a mulher arcaram com R$ 240 mil e Simões, com R$ 300 mil. No entanto, no novo contrato social da empresa, os sócios declararam que essa empresa passou a ter um capital social de R$ 349,5 mil. Ambas seguem atendendo por delivery.

O GLOBO mostrou nesta semana que Alves está em processo de contratação para um cargo no gabinete do deputado estadual Anderson Moraes (PSL) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Rogéria Bolsonaro, mãe do senador, é funcionária no mesmo gabinete onde Alves vai trabalhar.

Antes disso, foi lotado na liderança do PSL, quando Flávio era presidente do partido no Rio. Com a saída do senador do PSL, Alves também perdeu o cargo. Além dele, sua mulher, Mariana Granado também consta como assessora de Flávio no Senado, com salário de R$ 22,9 mil.

Segundo o jornal “Folha de S. Paulo”, o PSL nacional, antigo partido de Flávio, contratou em fevereiro de 2019 um escritório de advocacia de Victor Granado Alves e, ao longo de 13 meses, pagou cerca de R$ 500 mil, do fundo partidário, por um trabalho de regularização dos diretórios municipais no Estado do Rio. A contratação teria ocorrido por indicação de Flávio.

O Globo