Aras perde a vergonha e cai nos braços de Bolsonaro

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Foto: Reprodução/Valor Econômico

Desde que assumiu o comando do Ministério Público Federal (MPF) em setembro do ano passado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, vem tomando uma série de medidas que atendem aos interesses do presidente Jair Bolsonaro. A mais recente delas foi mudar de opinião e pedir a suspensão do inquérito das fake news, após uma operação autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), fechar o cerco contra o “gabinete do ódio” e atingir empresários e youtubers bolsonaristas. Enquanto alega não ser comentarista político – e, segundo adversários, tenta se cacifar para uma cadeira na Corte – , Aras se tornou alvo de críticas internas de procuradores e de parlamentares da oposição, que criticam a sua “inércia” frente ao que chamam de excessos cometidos pelo chefe do Executivo.

Também ontem, o procurador-geral da República se manifestou contra o pedido de PDT, PSB e PV para apreensão do celular de Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do chefe do Executivo.

No campo dos costumes, Aras destituiu em dezembro do ano passado a procuradora federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), Déborah Duprat, do assento destinado ao MPF no Conselho Nacional dos Direitos Humanos. No lugar da procuradora, o PGR colocou a si mesmo na cadeira e, como suplente, o procurador Ailton Benedito, uma das vozes mais conservadoras do órgão, conhecido por fazer críticas ao socialismo, a “militantes esquerdopatas” e ao movimento feminista nas redes sociais. Conservador, Aras também enviou ao Supremo um parecer contrário à descriminalização do aborto, por entender que o assunto deve ser decidido pelo Congresso.

Até mesmo quando se movimentou pela abertura de investigações, Aras teve a atuação contestada reservadamente pelos seus pares. Ao solicitar ao Supremo a abertura de uma investigação das acusações feitas pelo ex-juiz Sérgio Moro de interferência política na Polícia Federal, por exemplo, o procurador mirou não apenas o presidente da República, mas também o acusador. Depois que Bolsonaro participou de um ato antidemocrático convocado contra o STF em abril, o procurador pediu a apuração dos protestos, mas livrou o presidente, e decidiu focar o inquérito na organização e no financiamento das manifestações.

“As ações do procurador, até agora, indicam uma certa proteção ao presidente”, avalia o advogado criminalista Davi Tangerino, professor da FGV-SP. “Quando ele deixa de atuar em casos criminais, deixa de tomar medidas investigativas ou buscando a transparência, o conhecimento público, a publicidade dos atos, é nesse sentido que ele tem se comportado de maneira mais protetiva, mais afável do presidente.”

Tangerino aponta como exemplo a posição adotada por Aras sobre o levantamento do sigilo da reunião ministerial de 22 de abril, considerada uma das peças-chave do inquérito que investiga se Bolsonaro tentou interferir na PF. Responsável por defender o governo no caso, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu que fossem divulgadas apenas as falas do presidente na reunião, mas não a dos demais participantes. Aras foi ainda mais restritivo – defendeu a publicidade somente dos comentários de Bolsonaro que diziam respeito ao objeto da investigação.

Por decisão do ministro Celso de Mello, quase toda a íntegra do vídeo foi divulgada. Em um dos trechos de maior repercussão, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que, se dependesse dele, “botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”. Se a posição de Aras tivesse sido seguida por Celso de Mello, esse trecho não teria sido divulgado.

Fora da lista tríplice
Aras chegou ao comando do MPF por escolha de Bolsonaro, sem participar da tradicional lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) após votação interna da categoria. “Tem problemas que vêm do Ministério Público”, chegou a afirmar o presidente na véspera da indicação, ao dizer que não indicaria um “xiita” para o cargo. Aliados do procurador avaliam que a indicação sem o aval da categoria, com um discurso anticorporativista, abriu margem para a criação de um ambiente hostil dentro do Ministério Público e a vinculação ao presidente Bolsonaro.

O procurador costuma dizer a interlocutores que o MP não deve interferir na política e que se guia pela Constituição e pelas leis.

Na arena política, a gestão Aras se posicionou contra o impeachment de Weintraub e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O partido Rede havia pedido ao STF o impeachment de Salles sob a alegação de que não cumpria o dever de proteger o meio ambiente nem cumprir acordos internacionais assumidos pelo Brasil. Em parecer assinado pelo então nº 2 de Aras, José Bonifácio Borges de Andrada, a Procuradoria apontou “inconformismo” da oposição e defendeu o arquivamento do caso.

Aras se cercou na PGR de nomes simpáticos ao bolsonarismo. Colocou no conselho da Escola Superior do Ministério Público da União o procurador Guilherme Schelb, defensor do projeto Escola Sem Partido, uma das principais bandeiras de Bolsonaro. Na coordenação do grupo de trabalho que atua nos casos da Operação Lava Jato, escolheu a subprocuradora Lindora Maria Araújo, também conservadora.

Nos bastidores do Ministério Público, Lindora é acusada de fazer uma “devassa” contra governadores adversários do presidente da República, como o do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). Interlocutores de Aras, por outro lado, apontam que até mesmo aliados de Bolsonaro, como o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), virou alvo de pedido de abertura de inquérito, atendido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O secretário-geral do Ministério Público da União, Eitel Santiago, por sua vez, declarou abertamente voto em Bolsonaro no segundo turno das eleições. “Quero um Brasil mais justo, comandado por quem tem compromisso com a ordem. Bolsonaro tem afirmado que governará respeitando os direitos fundamentais, os valores da família e da pátria. Apesar de algumas tolices que falou no passado, ao responder provocações de adversários, é melhor candidato. Por isso, votarei nele amanhã, digitando o número 17 e confirmando. Muda Brasil!”, escreveu Eitel.

O alinhamento de Aras aos interesses do Palácio do Planalto voltou à tona com os desdobramentos do inquérito do STF que investiga ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares. O caso foi aberto por determinação unilateral do presidente do STF, Dias Toffoli, que escanteou o MP da apuração.

Depois de dizer, no ano passado, que Toffoli “exerceu regularmente as atribuições que lhe foram concedidas” pelo Regimento Interno do Supremo, Aras mudou de ideia e pediu agora a suspensão das investigações. O procurador havia concordado com a realização de depoimentos, mas se opôs à operação de busca e apreensão, medida considerada “desproporcional”.

Após a mudança na opinião da PGR, a Rede pediu que Aras seja intimado para se manifestar “definitivamente” sobre seus pareceres, “esclarecendo, eventualmente, as razões de sua repentina mudança de entendimento”.

“Se nada mudou sob o panorama jurídico, o que pode ter justificado a guinada da opinião da eminente Procuradoria-Geral da República? É melhor, com a devida vênia sempre merecida, sequer elucubrar sobre os motivos para essa abrupta mudança de rumos nas opiniões técnico-jurídicas da Procuradoria”, afirmaram os advogados da Rede.

Estadão