Argentina ensaia saída do Mercosul
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Há duas semanas, a Argentina anunciou que se retirava de todas as negociações comerciais, atuais e futuras, com os outros países. Mas, há uma semana, Buenos Aires recuou dessa decisão e propôs continuar nas discussões, mas num ritmo bem menor do que o proposto por Brasil, Paraguai e Uruguai.
Para negociar sem a Argentina, o Mercosul precisa de um instrumento jurídico de flexibilização, algo que se choca com as regras do bloco. O mesmo impasse acontece no caso de uma negociação diferenciada, como quer a Argentina.
O que está em jogo na reunião desta quinta-feira é se o bloco continua, daqui para frente, sem a Argentina nas negociações ou se continua com a Argentina, mas com Brasil, Paraguai e Uruguai a fecharem acordos de livre comércio que só seriam adotados pelo Buenos Aires anos depois. Isso traria uma maior proteção à indústria argentina.
O Mercosul está em negociações com Coreia do Sul, Canadá, Singapura e Líbano e também pretende iniciar rodadas com México, Japão e até com Estados Unidos.
A questão é que pelas regras do Mercosul, Brasil, Paraguai e Uruguai não podem negociar tarifas, como bem gostariam, sem a Argentina. Para isso, seria necessário um instrumento jurídico para flexibilizar o bloco. A Argentina adverte que essa flexibilização pode significar a ruptura do Mercosul.
Mas a solução de velocidade diferenciada, proposta agora pela Argentina, também se contrapõe com as regras do bloco, que prevê o mesmo cronograma de redução de tarifas para todos. O impasse põe em xeque o Mercosul.
O que o Brasil ganha é uma maior agilidade nas negociações porque a Argentina seria um obstáculo para o ritmo que Brasil, Paraguai e Uruguai querem imprimir na integração comercial com outros países. E esses acordos abrem novos mercados para os produtos brasileiros num momento importante em que o comércio internacional ficará mais competitivo devido ao contexto de crise econômica provocada pelo coronavírus.
Agora, o que o Mercosul perde? Perde um membro importante, que representa 25% de seu mercado. Não é a mesma coisa negociar com um grupo fraturado do que com um bloco completo. Perde-se, portanto, peso comercial.
Além disso, o Mercosul passaria a ter sócios de primeiro nível, como o Brasil, e sócios de segundo nível, como a Argentina. Isso enfraquece o bloco.
Numa primeira análise, a decisão argentina poderia proteger as suas indústrias da concorrência com produtos estrangeiros, mas essa proteção pode ser ilusória. O país perderia a chance de acesso a novos mercados, mas também ficaria sem o mercado privilegiado que tem hoje no Mercosul.
Se, por exemplo, Brasília fechar um acordo de livre comércio com a Coreia do Sul, os produtos coreanos vão concorrer, de igual para igual, com os argentinos no mercado brasileiro. O Brasil é o principal mercado para os produtos industrializados argentinos que são justamente os que mais geram empregos na Argentina.
Sem esquecer que ao ficar mais afastada dos demais membros do Mercosul, as relações diplomáticas da Argentina com os seus vizinhos perdem intensidade. E isso representa ceder mais liderança ao Brasil na região.
O argumento oficial argentino é que primeiro é preciso medir o dano causado pelo coronavírus na economia para depois avaliar como continuar com as negociações comerciais. Mas os analistas advertem que essa é uma alegação para ganhar tempo.
Há um choque de visões ideológicas hoje na América do Sul, com uma Argentina protecionista e todos os demais vizinhos a favor da abertura comercial. A posição do governo argentino tem gerado tensões com os vizinhos.
O presidente Alberto Fernández tem-se reunido por vídeoconferência com os opositores dos presidentes brasileiro, Jair Bolsonaro, e do chileno, Sebastián Piñera. No dia 10 de abril, ele conversou com os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e incentivou a esquerda brasileira a ser unir para gerar uma opção de poder.
Há duas semanas, Fernández falou com opositores chilenos e pediu que “se unam para que nunca mais governem os que governam contra o povo” e para que “recuperem o poder a favor dos chilenos”. A fala levou o governo chileno a emitir uma nota de repúdio à intromissão em assuntos internos.
Com a Bolívia, o presidente Alberto Fernández, que concedeu asilo político ao ex-presidente Evo Morales, não reconhece a presidente interina boliviana Jeanine Áñez.