Bolsonaro e filho enfrentam outra crise
Foto: Leo Bahia/Fotoarena/Agência O Globo
Com o Ministério da Saúde acéfalo em plena pandemia, uma nova crise se abateu sobre o governo, enquanto o presidente Jair Bolsonaro voltou a participar de uma manifestação em defesa de seu mandato ontem na Praça dos Três Poderes. Segundo o empresário Paulo Marinho, presidente do PSDB no Rio de Janeiro, a Polícia Federal retardou a operação que teve Fabrício Queiroz como alvo para não prejudicar a eleição de Bolsonaro em 2018.
A semana começa, portanto, com a nova crise assombrando o governo: enquanto Bolsonaro ainda busca um ministro da Saúde afinado com seu discurso – contrário ao isolamento social e favorável ao uso ampliado da cloroquina -, em paralelo, aguarda a definição do ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal sobre a divulgação do polêmico vídeo da reunião ministerial, que embasa as acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro; e terá de rebater a denúncia de Paulo Marinho.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, decidiu ontem que vai mandar a Polícia Federal ouvir Paulo Marinho no inquérito que investiga as acusações de Moro sobre a suposta tentativa de Bolsonaro de interferir na PF.
Um dos principais aliados de Bolsonaro na campanha presidencial, Marinho é suplente do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro pelo PSDB.
Em entrevista à “Folha de S. Paulo”, Marinho afirmou que Flávio soube antecipadamente de um delegado da PF que a operação Furna da Onça seria deflagrada, e tinha seu então assessor Fabrício Queiroz como alvo. O aviso do delegado ocorreu entre o primeiro e o segundo turno da eleição. Marinho disse que o relato lhe foi feito pelo próprio Flávio em dezembro de 2018, após a vitória de Bolsonaro.
A Polícia Federal disse, em nota divulgada ontem, que abriu investigação interna para apurar as acusações de Marinho. “A Polícia Federal se notabilizou por sua atuação firme, isenta e imparcial no combate à criminalidade, dentro de suas atribuições legais e constitucionais”, afirmou o comunicado.
Flávio Bolsonaro, também por meio de nota, atacou Marinho, afirmando que o empresário tem interesse em prejudicá-lo porque é seu suplente, e pode vir a assumir o mandato. “Ele sabe que jamais teria condições de ganhar nas urnas e tenta no tapetão”, rebateu.
Segundo o senador, outra motivação para Marinho fazer as declarações foi sua aproximação de desafetos do presidente Bolsonaro: os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).
Enquanto administra a nova crise, Bolsonaro terá que decidir se continuará buscando um sucessor para o ex-ministro Nelson Teich ou efetiva o interino, general Eduardo Pazuello, no comando do Ministério da Saúde.
Há expectativa de que nos próximos dias, Pazuello assine um novo protocolo da Pasta autorizando o uso ampliado da cloroquina, agora na etapa inicial do tratamento dos pacientes de covid-19.
Oficiais do alto escalão do Exército descrevem Pazuello como um militar de pulso firme, que não age contra suas convicções. Neste grupo, há expectativa de que o general não endosse o protocolo, mas o documento está pronto para ser assinado.
Generais próximos a Pazuello afirmam que ele gostaria de continuar à frente da Secretaria-Executiva, para reestruturar a parte administrativa e financeira da pasta.
Por isso, Bolsonaro ainda buscaria um civil para suceder a Teich. A médica Nize Yamaguchi é a mais cotada, porque defende o uso ampliado da cloroquina, em sintonia com Bolsonaro. O nome do médico e ex-ministro da Cidadania Osmar Terra corre por fora, mas ele enfrenta restrições de ministros palacianos. Um dos ministros que não o avalizaria seria o chefe da Casa Civil, general Braga Netto.
O Valor apurou que outros dois nomes despontaram na bolsa de apostas para o comando da Saúde: o contra-almirante Luiz Froes, diretor de saúde da Marinha, e o cardiologista Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Ao Valor, Queiroga negou que tenha sido procurado para substituir Teich e disse que se for convidado vai analisar a proposta. “Quem assume esse cargo precisa concordar com o presidente. Ele é o chefe do Estado, não dá para ficar só um mês”, disse Queiroga.
O cardiologista é apoiador do presidente Jair Bolsonaro tanto no uso da hidroxicloroquina quanto na política de um isolamento social vertical. “O isolamento como vem sendo feito não está funcionando, a taxa de adesão é inferior a 50%”, disse. Ele acredita que outras medidas como uso de máscaras, testagem, higienização e isolamento para pessoas com suspeitas seriam mais eficazes do que o isolamento adotado atualmente.
Ontem Bolsonaro compareceu à manifestação acompanhado de um grupo de onze ministros (metade do primeiro escalão): Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), André Mendonça (Justiça), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Onyx Lorenzoni (Cidadania), Tereza Cristina (Agricultura), Bento Albuquerque (Minas e Energia), Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Abraham Weintraub (Educação) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).
Desta vez, o presidente articulou para evitar o caráter antidemocrático dos atos anteriores. Faixas que atacavam o Supremo Tribunal Federal e o Congresso foram estendidas e depois retiradas pelos apoiadores. “Nenhuma faixa, nenhuma bandeira que atente contra nossa Constituição e contra o Estado democrático de direito”, discursou Bolsonaro do alto da rampa do Planalto.
Enquanto se empenha em demonstrar apoio popular – o que inibe o Congresso de deflagrar um processo de impeachment – a oposição se articula para investir na nova leva de denúncias contra o governo.
O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que as afirmações de Marinho comprovam “a interferência de Bolsonaro e de sua família na Polícia Federal antes mesmo do início de seu governo”. Ele vai requerer que Marinho seja ouvido no inquérito que tramita no STF relativo às denúncias de Moro.
O líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), disse que as acusações provam que houve fraudes nas eleições. “Mas, o óbvio, não foi quem perdeu quem fraudou”, disse pelas redes sociais. “Num país com ‘instituições funcionando’ levaria à cassação da chapa e novas eleições”, concluiu. (Colaboraram Beth Koike, de São Paulo, e Gustavo Maia, de O Globo)